Honrando o apelido de Terra da Garoa, a fria noite de sexta-feira em São Paulo tinha um motivo para comemoração na Zona Norte: a apresentação do samba-enredo da X-9 Paulistana, escola que retornará ao Grupo de Acesso I no carnaval 2025 como campeã da terceira divisão da folia na cidade. Para embalar o enredo “Clareou! Um novo dia sempre vai raiar”, desenvolvido pelo carnavalesco Amauri Santos, os compositores Diogo Nogueira, Arlindinho Cruz, Inácio Rios, Igor Leal e André Diniz criaram a obra exposta, pela primeira vez em público, na quadra da agremiação, localizada na Travessa Casalbuono, ao lado do shopping Center Norte, na Vila Guilherme. O CARNAVALESCO marcou presença no evento e conversou com diversos segmentos da escola sobre a canção e, também, sobre o enredo para o Jubileu de Ouro da instituição – a escola completa 50 anos no dia 12 de fevereiro de 2025.
Samba aprovado
Com sambistas conhecidos nacionalmente dentro e fora do mundo do carnaval, a obra teve aprovação unânime de todos os ouvidos pela reportagem. A começar por uma figura importantíssima da escola: Reginaldo Tadeu Batista de Souza, muito mais conhecido como Adamastor. Na ficha técnica, ele aparece como presidente da instituição, mestre de bateria e também foi citado como diretor de carnaval – algo que ele próprio negou, destacando que a Comissão de Harmonia também exercerá a primeira direção citada.
Falando especificamente da canção, o principal nome xisnoveano aproveitou para falar sobre o trabalho como um todo: “Eu sou suspeito a dizer porque nós fizemos parte desde o início do projeto. O que é muito legal e eu tenho que ser muito transparente para dizer é que todos os presidentes querem um bom samba. O próprio compositor, em muitos anos acerta a mão e, no outro ano, não acerta a mão. E eu digo que a nossa felicidade na X-9 foi que os compositores, através de todo um trabalho do projeto da direção de carnaval, carnavalesco, eu estando junto, acertaram a mão. Foi um projeto detalhado, foi um projeto muito sério, foi um projeto muito grande de carnaval para se chegar a essa obra que eu acredito que é um dos melhores sambas do carnaval de São Paulo. E nós estamos muito pés no chão e sabemos que a nossa grande preocupação é apresentar um grande desfile para a X-9 ano e para o carnaval de São Paulo”, pontuou.
Assumindo como carnavalesco solo em 2025 (em 2024, a X-9 teve uma Comissão de Carnaval), Amauri Santos também mostrou-se satisfeito: “Gostei muito, muito mesmo, do samba. Ele demorou um pouquinho a sair, era uma ansiedade que a gente também estava. Devido ao compromisso dos compositores, por saber que ele foi encomendado, a gente tinha quase certeza que sairia um samba bom. E saiu. Eu gostei muito desse samba desde a primeira vez que eu ouvi. Nós fizemos alguns ajustes, mas está aí. Eu acho que é um dos melhores sambas do ano”, elevou.
Responsável por conduzir o pavilhão verde, vermelho e branco, Julia Mary foi só elogios à obra: “Se eu gostei do samba? Com certeza! A expectativa da galera tem que ser bem grandiosa. Do pouquinho que a gente ouviu ali, na reunião interna da X-9, vem samba bom por aí. Fiquem preparados, porque é um samba muito emocionante. É um samba que toca a gente, no fundo do nosso coração. E, quando o samba toca a gente dessa maneira tão íntima, não tem como um trabalho ser ruim. Além de um samba bom, esperem um trabalho muito bom do casal de mestre-sala e porta-bandeira também”, disse – aproveitando para destacar o trabalho feito por ela. Igor Sena, parceiro de Julia e mestre-sala da agremiação, foi sucinto: “Como a Júlia disse, o samba está muito lindo, está muito emotivo. Ele, literalmente, toca na gente. Vai ser incrível, vai ser bem lindo, vai ser bem especial”, vaticinou.
Para cantar bastante
Um dos pontos mais destacados por muitos que participam de setores musicais da X-9 Paulistana em relação ao samba foi o canto da comunidade logo no primeiro ensaio – após a apresentação, a escola já começou a rotacionar desfilantes. Para Paulo Rogério, o Paulinho Barba, integrante da Comissão de Harmonia da escola, tal característica da obra ainda não chegou no ápice: “Eu já tinha escutado o samba no estúdio, é um samba que vai crescer muito ainda. E um excelente samba, que foge da mesmice do carnaval. Se você pegar a letra dele, ele foge dessa mesmice. É um samba pra cima, bom, o objetivo dele é levantar a galera – e vai levantar a galera lá no dia do desfile”, prometeu.
Mestre da “Pulsação Nota Mil”, bateria xisnoveana, ao lado de Adamastor, Keel Silva filosofou sobre a qualidade da canção: “Eu achei o samba sensacional! O samba não tem o que falar. É emocionante. É um samba que, no primeiro dia, já deu para ver aqui no evento que a gente fez, que a escola já abraçou, a escola já estava cantando. Um samba que a gente tem certeza que vai funcionar na avenida, que vai emocionar muita gente. A mensagem do enredo, a mensagem do samba, ela já é uma mensagem que emociona, que mesmo as pessoas que não são da escola, quando ouvirem, vão refletir sobre a própria vida, sobre o recomeço, sobre as vezes que a gente cai no chão, que a gente tem que levantar, tem que se reerguer. No samba, os caras acertaram na mão. A gente tem um baita samba na mão pra colocar na avenida. Agora é trabalhar”, destacou.
O canto foi o destaque da canção para Daniel Collete, um dos intérpretes da instituição: “Curti muito o samba! Ainda mais por estar junto deles, pelo desempenho que foi e pela resposta que o samba teve. A melhor resposta é o povo: com uma passada só eles já estavam cantando. Se você perceber, nós, praticamente, só fizemos cacos de janela para não atrapalhar o povo do canto”, afirmou. Ele foi acompanhado por Helber Medeiros, parceiro de microfone: “Se você for ver, a diferença você nota no povo cantando. Você percebe a valentia que o samba tem com o povo cantando. Até perdemos um pouco da nossa essência, já que, se deixar, o samba flui naturalmente. Não precisamos nem cantar. O samba é isso, bastante valente”, vislumbrou.
Reestreando de maneira oficial na X-9, Royce do Cavaco elogiou a obtenção de uma identidade para a obra: “Eu fui o último a chegar, então eu comecei a aprender o samba hoje. Quando você começa a aprender, você começa a pegar paixão pelo samba com a essência dele. O interessante é que esse é um samba diferente do trivial que ouvimos normalmente. Ele é diferente, e isso é um ponto positivo. Além de tudo, ele é valente”, comentou.
Música que virou enredo
Pouco a pouco, a ideia de músicas ganharem roupagem de desfile de escola de samba foi se popularizando no carnaval. Em São Paulo, a Dragões da Real, que já tinha feito “Dragões Asa Branca” em 2017, novamente investirá em um clássico do cancioneiro brasileiro em 2025, com “A vida é um sonho pintado em aquarela”. A Mancha Verde, em 2022, foi campeã com “Planeta Água”. No Rio de Janeiro, a junção de duas músicas de Luiz Carlos da Vila foi apresentada em “Nas Veias do Brasil, É a Viradouro em um Dia de graça” pela Unidos do Viradouro em 2015, enquanto “O que é, o que é?” foi a canção do Impéro Serrano em 2019.
Em 2025, a X-9 Paulistana se inspirou em “Clareou”, música já imortalizadana voz de Diogo Nogueira, mas composta por Serginho Meriti e Rodrigo Leite – este último presente na apresentação do samba-enredo.
E, de tão emocionado, ele fez uma comparação nada usual: “É uma emoção inédita, quase inexplicável. A gente está do outro lado do balcão, do outro lado da caneta, a gente recebe o tema e desenvolve, trabalha em cima disso. Todos os dias, com os meus parceiros, nesse caso, o Serginho Meriti, que é meu mestre. Eu estava até falando com o Diogo Nogueira essa semana, ele perguntou se eu gostei do samba e eu falei que não tenho nem muito o que falar. Eu estou meio em êxtase, eu estou sem palavras… é uma notícia que ainda está chegando, eu estou absorvendo ainda. É muita emoção, é um grau muito elevado de emoção. É como um filho mesmo que vai para a NASA, que vai para outro mundo. Foi uma surpresa, é emocionante demais. A gente está muito feliz de poder contribuir para essa volta da X-9, que é uma escola gigantesca. Eu sou paulista, sou daqui, e sei o tamanho da X-9, toda a sua tradição, toda sua história. A gente poder contribuir para essa volta, que eu acho que vai ser certeira, é muito gratificante”, chocou.
Como não poderia deixar de ser, ele também gostou da canção que homenageia uma canção dele próprio, aproveitando para destacar os compositores que criaram o samba-enredo: “”Amei o samba, sou louco pelo samba. Agora já estou até cantando ele! Essa semana, tive o privilégio de ter o acesso um pouquinho antes do que outros pessoas, então já estou decorando. Amo, inclusive, os compositores do samba – que são, na sua maioria, todos meus amigos – Diogo Nogueira, Arlindinho, o Inácio Pires… eu acredito que tenha sido um desafio também enorme: você pegar uma obra e transformar aquela obra numa numa outra obra! Tem sido surreal, tem sido um pouco inexplicável. Mas, não importa o que a gente diga, o que está rolando no coração… é muito forte, mesmo”, comentou.
Ainda sobre o enredo…
Amauri aproveitou para exaltar quem ajudou na criação da temática, estreando na agremiação: “Na verdade foi uma parceria, essa sinopse foi uma parceria com o Leonardo Dahi, nosso enredista. E o samba está completamente dentro do enredo, porque nós preparamos também algo muito didático para o compositor. Como nós já havíamos desenvolvido uma boa parte do trabalho de fantasias, alegorias também, nós escrevemos tudo isso para os compositores. Demos uma cartilha ali e eles, com o talento deles, deixaram muito justo. O samba veio e nós fizemos pequenos ajustes para ficar mais dentro do que a gente pensou, mas o samba, como eu falei, caminha perfeitamente de mãos dadas com o que a gente desenvolveu”, destacou, afirmando que, ao contrário do que muitas vezes acontece, a parte estética já está em desenvolvimento antes da apresentação do samba.
Daqui em diante
Utilizando uma metáfora com o mundo do automobilismo, Adamastor explicou o motivo pelo qual apresentou o samba-enredo apenas no mês de outubro, enquanto muitas outras co-irmãs já estão com as canções há mais tempo oficializadas: “É igual uma estratégia de corrida. Quando você sai correndo muito na frente, você pode perder o fôlego no meio ou mais para o final. Isso é o que eu entendo para o projeto da minha escola. Eu não quis sair muito na frente porque eu sei os potenciais que eu tenho e que não tenho. Eu precisava ter o momento da X-9 Paulistana para dar início no projeto. Eu acredito que eu estou começando no momento correto, que corresponde ao momento da nossa comunidade. O pessoal veio com a quadra cheia, gostaram do samba. E, a partir de agora, nossos ensaios serão de sextas e domingos”, comentou.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira também exalou confiança para falar do futuro próximo: “A gente já deu aí alguns passos, já pensamos em algumas coisas para introduzir e criar o começo do corpo do nosso trabalho. Estamos na expectativa, é um samba bem legal, que abrange muita coisa. Dá para a gente fazer bastante coisa, muito movimento de trabalho. A gente está com uma expectativa muito grande para ser um trabalho bem grandioso”, destacou Julia. Igor aproveitou para fazer uma confissão: “Particularmente, esse é um dos momentos que eu mais gosto: a parte de montar a coreografia. É um samba que exige muito, mas é fácil de se montar coreografia porque tem bastante coisas, bastante palavras, expressões… tudo isso facilita esse processo coreográfico. A cabeça está a milhão já, está explodindo de ideias. Vai ser bem legal”, prometeu.
Com direito a uma brincadeira no final, Keel destacou o quanto a Pulsação Nota Mil já, inclusive, executou bossas e convenções na apresentação: “Como a gente faz umas três semanas que estamos com o samba, eu falei com a galera para a gente preparar alguma coisa para ter algo a mais além do samba no evento de hoje. Por exemplo: o tamborim e o chocalho já estavam fazendo algumas passagens diferentes, o surdo de terceira também. A gente fez a bossa da introdução, do grito de guerra com os três cantores (que, inclusive, está na faixa oficial, quem ouvir vai conseguir identificar), e a gente fez uma bossa especial na faixa que a gente resolveu. Essa bossa dá para fazer, e a gente veio ensaiando há umas duas, três semanas atrás. A bateria executou hoje, deu tudo certo. E tem mais surpresas por aí! A gente vai tentar trabalhar com o samba, sempre ter as bossas, as convenções que a gente vai fazer. Muitas têm algum sentido do que está falando da letra – se não faz sentido para as pessoas que estão ouvindo de fora, para a gente é que faz sentido. Às vezes é uma homenagem para alguém, homenagem para alguém da escola, uma homenagem para alguém que já se foi. A gente sempre tenta trazer coisas que as pessoas vão entender. Se as pessoas da escola entendem, até as pessoas de fora vão entender. Para mim, tudo tem que ter um sentido na bateria. Mas, aguardem: tem bastante novidade poraí, em breve já vai ter vídeo pra caramba, já que hoje em dia vídeo viraliza”, riu.
A dinâmica da Comissão de Harmonia também foi revelada por Paulinho: “Bom, primeiramente, nós somos uma comissão. Nós já fomos a Comissão de Harmonia na escola em 2024, nosso objetivo é fazer o povo cantar – o povo é muito carente de canto. Nós vamos ensaiar especificamente o canto, trazer o pessoal para a quadra, ensaiar o canto indo, por exemplo, em alas que nós temos fora de São Paulo ensaiar com o pessoal lá, trazer o pessoal e distribuir a Harmonia dentro da escola, já desde o começo para cada um saber quem é o seu chefe de ala. Assim, eles vão poder estar interagindo e estar sempre trazendo o samba na ponta da língua”, comentou.
Daniel Collete não se deu por satisfeito ao falar do quanto a canção interpretada por ele pode crescer: “Falta coisa para caramba! Queremos chegar na avenida sem deixar recado para ninguém. Graças a Deus nós temos um grande professor, o Royce do Cavaco, eu vim na bota dele e ele também veio com a gente. Nós estamos colocando várias ideias em prática. Se é bom para a X-9, é bom para a gente”, destacou.
Mesmo sendo interrompido pelos parceiros após fazer uma brincadeira, Royce do Cavaco mostrou a perícia que a experiência traz ao dar uma prévia de quando a obra estará melodicamente pronta: “O trio é eles! Eu vim tirar uma onda. Para fechar a tampa da parte técnica do samba, com visão, melodia e etc, acredito que até meados de novembro já estará fechadinho. Dali até o carnaval, é só ajustar os cacos, ver o que fica mais bacana e legal”, finalizou.