Sétima escola de samba a desfilar, o Império da Tijuca iniciou a sua passagem pela Sapucaí já com os primeiros raios de sol da manhã de domingo. O enredo “Cores do axé” foi desenvolvido pelos carnavalescos Junior Pernambucano e Ricardo Hessez; e teve a sua inspiração nas pinturas do artista argentino Carybé, que era um verdadeiro apaixonado pela Bahia e a cultura de seu povo.
“O primeiro risco do artista é caminho aberto do axé, onde linhas se encontram feito uma encruzilhada entre tinta e o papel”, já diz a própria sinopse. A agremiação do morro da Formiga exaltou a energia criadora que colore os rumos da vida: o Axé, constante e circular. Segundo o enredo, “A cada embalo da bandeira desfraldada, ecoa pelo vento o Axé da ancestralidade do samba”.
Regina D’Ogum, 78 anos, desfila no Império desde os 8 anos de idade e estava emocionada durante concentração da escola. “O axé é tudo pra mim”, expôs Regina, que desfilou na ala das baianas com a fantasia “Oferendas”. Ela comentou a importância desse enredo cultural, que serve “Para mostrar para muitas pessoas que são desentendidas o que é cultura, o que é religião. Saber diferenciar uma da outra. Eu sou do axé, feita há 68 anos. E hoje, não só a minha religião, mas também o mundo do samba, é a minha saúde. Se hoje eu tenho energia, agradeço muito estar no mundo do samba, porque isso aqui é uma terapia. Ainda mais durante a pandemia, que eu tive depressão, diabetes… E depois que voltou eu estou outra pessoa, graças ao samba”.
Regina ainda rebate às criticas que muitas pessoas tem feito ao carnaval: “Aqueles que criticam é porque não conhecem… Todos deveriam ter conhecimento de saber o quanto isso aqui ajuda, não só financeiramente, mas em relação a saúde. Muitas idosas que hoje estão aqui, se tem saúde é por causa disso. Porque se a gente depender do INSS, de um posto de saúde a gente morre”.
A passita Mariane Caldas, 23 anos, desfila no Império da Tijuca desde 2019 e também enxerga o samba como uma espécie de terapia. “O samba melhora a nossa vida de todas as formas, porque através dele a gente se cura, a gente cura o outro, leva alegria pras pessoas, então pra mim o samba é uma forma de axé e resistência”. Ela ainda completa: “A gente é um povo que tem muita luta, mas também tem muita alegria. Não é só tristeza e dor. A gente, apesar disso tudo, consegue resistir e ser feliz…”. As passistas vieram com uma fantasia branca que representava a “Lavagem do Bonfim”, que ocorre em Salvador, Bahia.
Mauro Jorge, 41 anos, é o diretor do naipe de timbal da Sinfonia Imperial, que foi inserido justamente por conta do enredo “Cores do Axé”. Ele falou sobre a emoção de representar os Ogãs, que através do som dos atabaques, formam o ponto de contato entre o Orum (mundo dos deuses) e o Ayê (plano terreno). “A palavra axé tem uma semantica que é inexplicável. Axé é tudo. Principalmente no mundo do samba, no mundo dos negros. Eu que não sou um negro, que não tenho esse corpo retinto, tenho que respeitar toda essa cultura negra. Acho que o axé é isso, e está embutido em tudo que a gente faz no meio do samba. Falar de samba e não falar do axé, não combina”.
Chris Essombe, de 30 anos, nasceu em Camarões, no continente africano, cresceu no Canadá e agora mora no Brasil. Para ela, que fez a sua estreia na Sapucaí, o Axé “é uma parte central de tudo, nas energias da ancestralidade. Acho que é muito importante entender essas energias para poder usá-las bem e contribuir com coisas positivas”. Chris ainda complementa: “acho que só as escolas de samba podem passar para as gerações futuras essas pautas, para poder construir um futuro que tem sentido pra todo mundo, com raízes na compreensão do passado”.
Luiza Conceição, 32 anos, é iniciada em uma religião de matriz africana e desfilou na ala 6 “Iaôs”. Ela ressaltou a importância da resistência do samba: “Para permanecer com essa festa, que se mantém até hoje. Só a força de uma comunidade, a resistência e a resiliência da família, do sangue preto”. Ela complementa: “O axé é o sangue que pulsa. Sou filha de Iansã, então está sendo uma grande emoção sair numa ala coreografada de Iaôs, que é a feitura do santo, então é uma honra muito grande. Sem as cores dos orixás a gente não tem nada”.
Luiz Claudio, 38 anos, tambem desfilou pela primeira vez na Sapucaí pela Verde e Branco da Tijuca. Sua fantasia era “O padê abre caminhos”, representando o xirê que se inicia tocando para Exu. Empolgado com o enredo da escola, ele afirmou: “A resistência do samba mais do que nunca tem a ver com o axé, e faz parte da conquista de espaço, importância, força, aceitação…”.