O sol já raiava forte no céu da Marquês de Sapucaí quando a União da Ilha entrou na Avenida. E o calor e cansaço não foram impedimentos para uma grande apresentação do chão da comunidade, com a escola apresentando bom canto, evolução com fluidez e espontânea, além do samba literalmente fervendo na boca dos foliões e na alegria do público. Uma pena que a hora afastou um número maior de pessoas para acompanhar nas arquibancadas. Já nos demais quesitos a escola foi irregular, mesclando bom gosto nos quesitos plásticos, mas com alguns problemas que devem custar décimos para escola, como um queijo tombado no Abre-Alas, que passou dessa forma em mais de um dos módulos de julgamento. O casal de mestre-sala e porta-bandeira David Sabiá e Fernanda Love também não teve uma boa estreia, aparentando uma certa insegurança e com um erro técnico do mestre-sala que teve um escorregão quando se apresentava no último módulo. Na evolução, o final do desfile foi corrido com a bateria não parando na última cabine para não estourar o tempo. Com o enredo “Ba-der-na! Maria do Povo”, a União da Ilha encerrou seu desfile com 55 minutos.
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Comissão de Frente
Desde 2023 à frente da Comissão de Frente da Ilha, Márcia Moura trouxe para a Sapucaí o desembarque de Marietta Baderna no Rio de Janeiro, pela Baía de Guanabara num olhar de encontro ao povo carioca no Passeio Público do Cais do Porto. Na apresentação, a dualidade entre o povo, tratados no enredo como verdadeiros reis e rainhas da nação, e a falsa burguesia da época, no enredo, retratada através do monarca Dom Pedro I. No bailado, os passos do Lundu, dança e canto de origem africana que se mistura com a cultura europeia ibérica, a protestar pela inclusão dos mais pobres Na apresentação, os componentes utilizaram de um elemento cenográfico, “O cais de uma Ilha encantada”, que representou, inicialmente, um cais de porto que sintetizou três atos vividos por Marietta Baderna com o povo carioca. Seu desembarque, encontro com os mais convalescidos e resilientes do povo e os casarios habitados pela falsa elite imperial. Havia um tom de picardia na apresentação que a deixava mais leve, que aconteceu quase todo o tempo de cabine no elemento cenográfico.
O grande mote estava nas piruetas dos componentes e na figura da bailarina que se destacava com uma enorme saia puxada com um pano grande colorido representando Pernambuco onde a artista foi muito feliz profissionalmente, com a abertura de guarda-sóis das demais bailarinas remetendo ao frevo. No meio da apresentação, a personagem central é erguida e tem interação com o componente vestido de monarca. A comissão é divertida, tem muito do que o enredo pede, mas faltou um pouco mais de movimento, melhor uso do tripé e um clímax maior. Um outro ponto técnico, foi um chapéu de um dos integrantes que caiu no último módulo.
Mestre-sala e Porta-bandeira
A fantasia de David Sabiá e Fernanda Love “A realeza Lundu” se inspirou nos figurinos da realeza das ruas cariocas no desembarque de Marietta Baderna e o encontro operístico do Cais do Porto. Na indumentária, estampas africanas e os detalhes do cortejado preto dos Lundus, mostrando tudo aquilo que encantou a bailarina homenageada no enredo. Na coreografia, o casal apostou em passos mais marcados, coreografados, ainda que também tivesse o bailado tradicional do mestre-sala e da porta-bandeira, com giros, mesuras. Um ponto positivo foi a busca que a dupla fez sempre um do outro. Mas os passos marcados engessaram um pouco a coreografia e faltou um pouco mais de intensidade, nos giros da porta-bandeira e no riscado do mestre-sala. No último módulo, o principal problema, o mestre-sala David Sabiá teve um pequeno, mas muito perceptível, escorregão na coreografia que deve gerar despontuação do quesito.
Harmonia
Tem-Tem Júnior voltou a emprestar sua voz como cantor principal na Série Ouro a uma escola cheia de tradição. E fez isso muito bem. Com o sol já rolando, o cantor mostrou muito vigor, entendimento com o carro de som e correção no canto do samba. O artista estava à vontade fazendo seus cacos e vocalizações e o bom samba lhe permitiu fazer um trabalho de excelência, fazendo com que a obra puxasse ainda mais o desfile pra cima. As vozes de apoio também cumpriram um bom papel. E, a quem a gente precisa parabenizar muito nesse desfile foi a comunidade insulana, que mesmo debaixo já de sol forte e calor, cantou muito, forte, com excelência, não deixando em nenhum momento o andamento da obra cair e mantendo o desfile quente mesmo com os problemas. A harmonia foi sem dúvida o melhor quesito da União da Ilha.
Enredo
De volta ao acesso, depois de passar bons anos no Especial, Marcus Ferreira manteve a sua predileção por enredos que falam muito de Brasil, mas desta vez trazendo uma personagem estrangeira, como pano de fundo também para falar sobre desigualdade, folia, arte periférica, entre outros temas importantes. O enredo, apesar de não ser uma história tão conhecida, trouxe elementos de fácil leitura como os teatros, o balé e questões como a desigualdade que perduram desde aqueles tempos até hoje. No primeiro setor, a Ilha mostrou o desembarque da bailarina em um Rio de Janeiro ainda primitivo, em que Maria Baderna encanta-se com a natureza vibrante, destacando-se as matas que cincundavam a Baía de Guanabara. Também neste setor, Marcus Ferreira apresentou a artista encantada com o que chamou de “Ópera Popular do Cais”, encenada pelo povo preto e pelos indígenas Tamoios, em uma visão nativista da operística das ruas cariocas. Por isso um abre-alas com as matas e a primeira ala trazendo referências indígenas.
Já no segundo setor, a União da Ilha apresentou as primeiras manifestações culturais do Teatro Imperial, casa que abrigou a Companhia Lírica Italiana, grupo que a bailarina fazia parte. E, seguida, em um momento de maior tensão do enredo, a Ilha trouxe, no terceiro setor, os problemas que Marietta Baderna enfrentou em relação ao Governo Imperial, como a falta de salários, mas, também o seu encantamento pela dança Lundu em Pernambuco. O final do desfile da Tricolor Insulana aconteceu trazendo o espírito que reside nos corações de cada baderneiro carioca, de cada baderneiro insulano, o espírito também de Marietta Baderna. Enredo bem apresentado.
Evolução
A União da Ilha começou o seu desfile com um rendimento muito bom na sua evolução, com fluidez e espontaneidade, mas as apresentações da comissão e do casal fizeram com que o tempo fosse passando e a escola não avançasse o que gerou um final de escola muito corrido impactando por exemplo na bateria que teve que passar pelo último módulo sem parar para os jurados. A Ilha terminou o seu desfile faltando poucos segundos para estourar, mas ainda assim passando no tempo regulamentar. Essa parte final do desfile nos últimos módulos pode gerar alguma perda de décimos por uma evolução irregular.
Samba-enredo
A obra da União da Ilha que passou na Sapucaí nesta primeira noite é de autoria de Romeu D`Malandro, Diego Nicolau, Carlinhos Fuzileiro, Geraldo M. Felicio, Inaldo Botelho, Richard Valença, Paulo Beckham, Fernando Tetê, Fábio Sol e Igor Leal. O samba encaixou muito bem com o estilo da Ilha mais cadenciado, com mais balanço, ajudando, inclusive, no trabalho da Baterilha. O refrão de baixo “Hoje o sol nasceu mais cedo pra te ver…” segue uma linha melódica de outros bons sambas que a Ilha levou para a Avenida nos últimos anos. A linha melódica, aliás, tem realmente um gostinho de nostalgia.
Sem correrias, a primeira do samba dá andamento e ritmo à obra sem muitas quebras até o refrão do meio “A gente da ralé….” que também segue a mesma linha do restante da obra, com um pouquinho mais de balanço. Na segunda do samba, destaque para o trecho “Inebriado no Lundu, o talento arrebatou/ E a Veneza do Brasil dançou” pela melodia e pela identidade métrica e rítmica que permitiu a baterilha a colocação de uma bossa bastante interessante nesta volta do refrão do meio. Com todos esses requisitos, o samba foi um grande fio condutor para escola fazer um desfile quente mesmo com o cansaço dos desfilantes e o público diminuído nas arquibancadas pelo horário. O samba foi destaque
Fantasias
É preciso dizer que no geral o trabalho de fantasias de Marcus Ferreira é muito bonito, tem o atributo concedido aos carros de primar pelo bom gosto. Mas no início da escola algumas questões chamaram a atenção. Na primeira ala, ”A opera do cais” que tinha relação intrínseca com o Abre-Alas, a fantasia deixava exposta de forma muito latente nos componentes o short, bermuda ou roupa de baixo, atrapalhando no visual. A fantasia das baianas “Damas-pretas doceiras” que representava mulheres pretas alforriadas que sobreviviam vendendo quitutes e doces na porta dos Palacetes da burguesia, tinha uma parte de cima muito bem feita e bastante bem acabada, mas na parte de baixo deixava muito amostra das pernas das baianas, em um conceito que não está necessariamente errado, mas que pode ser debatido pelos julgadores. No segundo setor, Marcus acerta em cheio em fantasias como “as odaliscas” e “a marimba”. O artista mantém este padrão de qualidade no último setor com fantasia como “a marcha das pateadas”, em que passa a ser destacado o figurino inclusive pelo sol.
Alegorias
O conjunto alegórico da União da Ilha apresentado foi de muito bom gosto, com soluções estéticas bem desenvolvidas, boa utilização de cores, mas acabou por perder um pouco da magia por não destacar a sua iluminação visto o horário que a escola desfilou e o sol que já estava forte no céu. Fora esta questão, o Abre-Alas “Theatro Nativo São Pedro de Alcântara” que apresentava o Rio de Janeiro nativista passou com um problema relevante em sua estrutura por um queijo passar claramente tombado em mais de alguns setores e a estrutura do segundo andar não estar tão firme. A alegoria, de muito bom gosto, trouxe a natureza que permeou as cúpulas do teatro que recebeu a Companhia Lírica Italiana. No carro, a Mata-Atlântica estava acomodada a elementos afro-indígenas e menções aos tocadores de lundu.
Os outros carros podem compensar esse problema com mais nota pois tinham muita qualidade estética. A segunda alegoria “Theatro Nacional do Último Reinado”, mostrou a Ópera em que a bilheteria foi dedicada a libertação de um cativo de dois anos de idade. A segunda alegoria da União da Ilha do Governador unificou elementos arquitetônicos do Theatro Provisório, com a carruagem das Marcha das Pateadas, por isso os belíssimos cavalos dourados vinham à frente deste elemento. No último carro “Sociedade Carnavalesca Baderna Infernal”, a Ilha encerrou seu desfile constituindo a “República Badernista”, através de ideais libertários de Marietta Baderna, representada pelo entrudo como principal folguedo carnavalesco realizado pelo povo. No alto da alegoria, a imagem de uma bailarina, em uma alegoria. Bom conjunto alegórico, mas os problemas sugerem uma nota irregular no quesito.
Outros destaques
A Baterilha, de mestre Marcelo Santos, veio como “a incendiária orquestra nacional brasileira” e vestiu uma réplica do primeiro fardão da Orquestra Nacional Brasileira, que era o grande amor da vida de Marietta Baderna. Os passistas “O Lundu D’Amarrua” vestiram os figurinos folclóricos de príncipes e princesas negras, que se apresentaram aos paços do Lundu na Ópera D´Amarroá. Todos esses, figurinos de destaque. A rainha Graciele Bracco, a Chaveirinho, já foi madrinha e musa da escola, mas dessa vez, teve o gostinho especial de vir à frente dos ritmistas como “Rosina Stoltsz”, a primeira grande estrela da Companhia Lírica Italiana, e principal rival de Marietta Baderna no Theatro Provisório. No esquenta, Tem Tem Jr cantou “Festa Profana”, entoado pelo público ainda em alto e bom som. No final do desfile, o tradicional arrastão foi com a União da Ilha até a Praça da Apoteose.