A fria noite da última sexta-feira teve uma importante revelação no Bom Retiro, Centro de São Paulo. Na data, os Gaviões da Fiel anunciaram o enredo que apresentarão no carnaval de 2026 – além, é claro, de revelar os nomes que farão parte da escola no desfile do próximo ano. Intitulado “Vozes ancestrais para um novo amanhã”, a Torcida Que Samba terá na temática originária/indígena a força para buscar o quinto título no Grupo Especial em sua história.
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História e escola na avenida
Em entrevista ao CARNAVALESCO, Julio Poloni, um dos carnavalescos dos Gaviões da Fiel, revelou que, na cabeça da dupla que executa a função na agremiação (Rayner Pereira está ao lado dele), um tema originário é debatido desde 2025: “Só estávamos esperando a oportunidade. A gente já estava ali, com esse enredo na manga e com essa noção, mais ou menos, de que neste ano a gente poderia partir para esse enredo. Não teve um primeiro estalo porque a gente já estava bem preparado, bem engatilhado. O enredo em si surgiu há dois meses: ele nasceu no coração da gente. O Rayner fez essa proposta no passado, de a gente fazer um enredo de temática indígena. A gente veio amadurecendo e, neste ano, a gente já sabia que ele estava ali, mais ou menos, engatilhado”, destacou o profissional.

Rayner afirmou que a dupla já está pensando em como a Torcida Que Samba estará no Sambódromo: “No nosso formato de trabalho nos Gaviões, a gente pensa primeiro em como seria o desfile para poder procurar como seriam as justificativas para a gente fazer essa defesa depois. O nosso primeiro passo é montar toda a escola, apresentar essa montagem para a diretoria e para a direção de Harmonia. A partir disso, a gente começa a aprofundar mais cada setor, cada ala que a gente vai abordar. Isso tudo é um processo muito rápido. Depois disso, a gente chega com uma coisa muito mais concreta para finalizar a nossa sinopse, que é o que a gente está fazendo agora. Isso é um processo que a gente testou no ano passado, viu que deu certo e a gente conseguiu fazer umas coisas mais rapidamente com isso. A gente já começou nesse formato neste ano. O resumo de tudo isso foi o que a gente já apresentou hoje: o resumo do nosso enredo e do que a gente vai apresentar no Anhembi”, comentou.

Celso Ribeiro, um dos integrantes da direção de carnaval dos Gaviões da Fiel, destacou outra característica do desfile da agremiação em 2026: “Acho que São Paulo, depois da pandemia do coronavírus, diminuiu muito o próprio carnaval. Eu senti que, em 2025, todas as escolas (inclusive os Gaviões) vieram com o intuito de trazer um espetáculo maior para o carnaval de São Paulo. Creio que a própria Liga-SP está fazendo um trabalho para todas as escolas apresentarem algo melhor, um trabalho grandioso. Os Gaviões não vão ficar atrás. Os Gaviões vão vir pesados, vão vir grandes e vão vir bonitos, que é o mais importante para trazer um ótimo espetáculo – independentemente de resultado”, prometeu.
Retorno à voz das minorias
O carnaval de 2025 foi marcante não apenas pelo excelente resultado dos Gaviões da Fiel na apuração. Apresentando máscaras africanas, o enredo “Irin Ajó Emi Ojisé – A Viagem do Espírito Mensageiro” conquistou a terceira colocação – a melhor da agremiação do Bom Retiro desde 2003, quando o quarto título da instituição no Grupo Especial foi conquistado. Antes disso, a “Torcida Que Samba” optava por tratar de temas mais abstratos – como o amor, o infinito, a fé e a intolerância.
Na visão de Poloni, voltar-se a minorias diversas é algo que está encrustado na história da instituição: “É mais que uma tendência, eu diria que é uma vocação dos Gaviões da Fiel. É uma vocação a gente defender causas importantes, causas justas. Os Gaviões da Fiel nascem disso – é claro, em prol do Corinthians. No entanto, em tudo que a instituição precisou se posicionar, ela sempre se posicionou por justiça social. E é disso que a gente vem tratando. A gente vem tratando de justiça social, de cultura, de valorização cultural. Isso é uma vocação dos Gaviões e o carnaval de 2025 foi uma prova disso: a gente viu o tamanho do casamento e da potência que isso gerou na avenida durante todo o processo. A gente tem buscado seguir essa vocação dos Gaviões para aumentar a força daquilo que a gente vai cantar na avenida”, pontuou.
Vale destacar que a agremiação, surgida em 1969, nasceu para protestar nas arquibancadas contra dirigentes que utilizavam o clube como massa de manobra política em tempos de ditadura militar. Os resultados em campo, enquanto o Corinthians vivia o maior jejum de títulos da história alvinegra, colaboravam para a força obtida pelos Gaviões quase que instantaneamente entre os torcedores alvinegros.
O próprio carnavalesco faz um paralelo entre o enredo apresentado na sexta-feira à comunidade e o de 2025: “O enredo das máscaras africanas este ano deu muito certo porque ele é muito potente, e esse casamento Gaviões e África se mostrou uma força muito relevante. A gente sabe da força que têm os Gaviões da Fiel e a gente aposta novamente nisso. A gente está unindo o grito de resistência dos povos originários com o grito de resistência dos Gaviões da Fiel – que têm essa tradição. A gente aposta muito que isso também vai dar a potência que esse projeto precisa para ser um projeto campeão”, afirmou.
Filho da terra
Nascido em Parintins, cidade amazonense mundialmente conhecida por conta do Festival Folclórico que opõe bois-bumbá, Rayner Pereira tem lugar de fala para tratar de temáticas originárias em manifestações culturais. Para ele, além da defesa do povo amazônida como um todo, a satisfação em tratar de tal tema na escola de samba em que atua hoje é ainda mais especial: “Acredito que foi uma grande oportunidade, através dos Gaviões, de falar de um assunto que vem sendo muito debatido há algum tempo. Esse enredo nasce a partir disso, a partir dessa valorização, desse respeito, uma das coisas principais que eu tenho como pilar de criação”, comentou.
Na sequência, Rayner relembrou a própria infância e exaltou a agremiação que lhe deu oportunidade de tratar de temática tão cara a ele: “Eu fui criado através de uma educação dada pelos meus avós, pelos meus pais, por todos os professores que eu tive dentro dessa questão de causa indígena. A partir disso, eu tive a oportunidade de sair para estudar e, em São Paulo, tive todo esse processo de amadurecimento profissional. Hoje, sendo carnavalesco dentro de uma escola do tamanho dos Gaviões, que têm esse respeito com toda essa questão social, com todas essas defesas, essas qualidades culturais que a gente tem dentro do Brasil, é uma questão de orgulho para mim. É uma questão de muita satisfação poder mostrar um pouco mais de como eu aprendi tudo que a gente vem conversando dessa forma, como a gente vem elaborando o desfile de escola de samba para uma escola de samba como os Gaviões da Fiel. É muita emoção, é muito orgulho, é muito cuidado com tudo que a gente vem fazendo – e, também, respeito a todo mundo que vem nos ajudando nesse desenvolvimento”, destacou.
Aprovação imediata
Celso aproveitou para ratificar que um tema originário já era debatido nos Gaviões desde o ciclo anterior: “A gente tinha pensado em dois temas, não em um só. Isso fortaleceu bem o enredo que virá agora em 2026. Quando a gente começou a conversar, nós começamos a viajar bastante na arte deles. Eles são bem criativos e isso facilitou bastante para a comissão de carnaval. Quando eles começaram a colocar para a gente o que realmente queriam apresentar na avenida, nós começamos a viajar junto. Como a gente confia muito neles, a gente abraçou com tudo. Vamos para cima em 2026, os Gaviões prometem”, pontuou, aproveitando para elogiar a dupla de carnavalescos da agremiação.
Outro elogio veio logo na sequência. Ao ser perguntado sobre como o trabalho da dupla é visto pela diretoria de carnaval, Celso só teve elogios a fazer tanto para os demais diretores quanto para Poloni e Rayner: “A nossa diretoria hoje, juntamente com a nossa presidência e com os vice-presidentes, deixa a gente muito à vontade para fazer o trabalho. A gente tem tempo de raciocinar como deve ser o nosso próximo carnaval. E a gente abraçou a criatividade dos carnavalescos com a viagem toda do enredo – que, depois, vocês vão conhecer com mais profundidade. A gente vai fortalecer tudo que eles precisarem para poder fazer um carnaval brilhante”, finalizou.
Como foi o evento
Após um DJ recepcionar os presentes, a bateria esquentou toda a comunidade para que a festa, de fato, começasse. Sempre com o hino do Corinthians sendo a primeira música a ser tocada, “Agradeci a Deus”, famoso alusivo dos Gaviões, também foi executado – tal qual sambas-enredo históricos da agremiação, como “Xeque-Mate” (de 2002) e “A Saliva do Santo e o Veneno da Serpente” (de 1994, reeditado em 2019).
Depois das músicas, chegou a hora de apresentar a equipe da agremiação para 2026. Um a um, Ernesto Teixeira foi anunciando quem fará parte da equipe para o próximo ciclo carnavalesco – e ele, vencedor do Estrela do Carnaval (prêmio organizado pelo CARNAVALESCO) de Melhor Intérprete do Grupo Especial de 2025, em uma quebra de protocolo, foi anunciado por Rafael Malva, o Rafa do Cavaco, diretor musical da agremiação, sendo muito aplaudido.
Robertinho, mestre-sala mirim que se despediu da escola na noite de sexta-feira, foi homenageado com uma placa e por todos na quadra. Ele, inclusive, começou a noite dançando com Carolline Barbosa, primeira porta-bandeira dos Gaviões, defendendo o pavilhão principal da agremiação alvinegra.
Veio, então, a apresentação do enredo. Em cerca de meia hora, uma oca foi formada e uma série de danças indígenas foi realizada – com direito a show pirofágico e toadas de bois-bumbá. Um vídeo, narrado por Edmundo Oran, apresentador do boi Caprichoso, também foi exibido no telão para que todos soubessem o nome do enredo dos Gaviões para 2026.
A noite foi encerrada com o “Samba do Presidente”, grupo que executou sucessos do samba e do pagode para a Fiel.