O Baródromo, bar de todas escolas de samba, na Lapa, deixará o reduto de tantos momentos inesquecíveis, mas sua despedida temporária não poderia ficar sem o último afago. Por isso, no sábado, dia 1 de agosto, a partir do meio-dia, acontece a live “Abraço do carnaval ao Baródromo” reunindo cantores das escolas de samba, compositores e fãs do carnaval. A transmissão será feita no canal do site CARNAVALESCO no YouTube e terá a produção da Parole.

O Grupo Arquibancada, que por diversas vezes encantou os sambistas nas feijoadas, estará presente para acompanhar todo o espetáculo. Em um momento de tanta dificuldade, devido à pandemia da Covid-19, haverá uma vaquinha virtual em prol dos cantores que vão participar do encontro.

Por Fábio Fabato

Atribuir características humanas a quem não tem vida é uma figura de linguagem. O nome tem lá o seu charme poético e semântica de enfeite e firula: prosopopeia. Reino em que a fantasia impera nos salões e no asfalto, o carnaval é a própria prosopopeia a elevadíssimas potências. Quando a Mocidade, no antológico campeonato “Ziriguidum 2001” (1985), proclamou “vou fazer todo o universo sambar”… Bem, estava, objetivamente, lançando um foguete de prosopopeias ao espaço sideral! Ora, a vocação do Rio para a rua é sabida. Para o apinhar de corpos. Para a cerveja gelada em roda. Para a cantoria. E para o bar, “berço das grandes resoluções”, como decretou antigo samba da Unidos da Tijuca.

Quando o BARÓDROMO baixou entre os mortais, inanimada criatura com CNPJ, talvez, seus criadores não imaginassem a rápida transformação. Em prosopopeia, é óbvio. Não tardou para que o CNPJ ganhasse, vá lá, um ar todo especial de CPF. O Baródromo virou sujeita e sujeito. Comum de dois gêneros. Gente. De braços abertos, copo americano estendido e a preocupação memorial que os governos elitistas e a lógica racista da sociedade deixaram de lado: contar e celebrar o carnaval. Para os seus. Para todos.

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Foto: Divulgação/Baródromo

Num tempo pautado pelo ódio, estranha é a certeza da felicidade. Mas a danada ostentava endereço fixo. Sim, bem ali, na Lavradio. Bastava chegar. E sinalizada com bandeira na entrada, sonhos e quimeras de um raríssimo esplendor povão, para ninguém – já baqueado pelo álcool – se perder pela Lapa borbulhante.

Na carona de suas ironias de lei, até o xixi, depois de copos tantos, trazia um gracejo a mais: “é no chuê, chuê, é no chuê, chuá…”. Assim estampava, na parede dos mictórios. Bar gente boa que gargalhava, moleque de tudo, com os convivas. Filósofo da brejeirice em paredes musicais.

Para quem conhece do outro lado, seus figurinos e esculturas abusavam do misticismo, ligado a um batismo sem água benta, por terem desfilado na Avenida. Espaço de saberes que nos enredou em afeto e na peculiar alquimia de conversar com o intangível. Museu alternativo. E prosopopeia. Mais uma.

Fato é que jamais a Lapa foi a mesma desde que um engarrafamento de proporções bíblicas se formou, a partir dos Arcos, num fim de tarde. Parou a pipoqueira, o carroceiro, o policial. As garçonetes e garçons de todos os bares correram para ver. O Circo e a Fundição se calaram por breve instante. O sino da Catedral também respeitou em silêncio, registre-se.

O dia que um camelo folião dourado desembarcou na Lapa e estreou no Baródromo… Fez até compositor morto dedilhar sua viola na cova.

Nascia uma estrela. Nascia uma ideia.

E também a maior das prosopopeias.

Selo com um beijo, nada mais.

Fábio Fabato, jornalista e escritor.

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