O Salgueiro vai mostrar em seu desfile as diferentes crenças usadas pelas pessoas para pedirem proteção. O título do enredo, “Salgueiro de corpo fechado” (do carnavalesco Jorge Silveira com sinopse de Igor Ricardo), já adianta um tema de fácil assimilação e que conversa com o dia-a-dia da população. Quem não tem um amuleto, um ritual, uma forma de se sentir protegido?

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Foto: Allan Duffes/CARNAVALESCO

É um assunto também muito próximo das religiões afro-brasileiras com as quais o Salgueiro está acostumado a dialogar, mais do que isso, sempre as teve dentro de si. É natural, portanto, que o enredo e o samba mergulhem fundo nestas crenças. A obra de Xande de Pilares, Pedrinho da Flor, Betinho de Pilares, Renato Galante, Miguel Dibo, Leonardo Gallo, Jorginho via 13, Jefferson Oliveira, Jassa e W.Correa já começa jogando pesado ao evocar tais rituais. Para isso cita vários artigos e personagens, especialmente Xangô (padroeiro da Escola) e Exu, para compor o cenário de uma abertura de desfile que vai trazer toda essa religiosidade. “Prepara o alguidar, acende a vela / Firma ponto ao sentinela, pede a benção pra vovô / Faz a cruz e risca a pemba / Que chegou Exu Pimenta e a Falange de Xangô / Tem erva pra defumar, carrego o meu patuá / Adorei as almas que conduzem meu caminho / Ê Mojubá, Marabô invoque a lua / Que o povo da encruza não vai me deixar sozinho”

Na sequência os autores começam a desfilar a história proposta na sinopse, que conta sobre a chegada da “Bolsa de Mandinga” ao Brasil através dos escravizados do Mali (aqui chamados de malês). Eles eram islâmicos e traziam citações ao Alcorão em pequenas bolsas penduradas no peito (um tipo de bolsa muito na moda hoje) que serviam como forma de proteção. Eles aproveitam para citar alguns itens que aos poucos passaram a ser incluídos nas tais bolsas em substituição aos dizeres islâmicos conforme os brasileiros passaram a adotar este patuá. “Sou herança dos malês / Bom mandingo e arisco / Uso a pedra de corisco / Pra blindar meu dia a dia / No tacho arruda e alecrim / Bala de chumbo contra toda covardia”.

Salgueiro 2025: ouça a versão oficial do samba-enredo

Chega o refrão do meio, para mim um dos trechos de melodia mais bonitos do carnaval 2025. É a parte do enredo em que o samba se refere a um integrante do bando de Lampião, Moreno, que lidava com todas as proteções espirituais do bando. Ele não foi morto com os demais e viveu até os cem anos. O verso “Feito moreno eu vou viver” é uma delícia de cantar. Refrão muito bem encaixado. “Tenho a fé que habita o sertão / De Lampião, o cangaceiro/Feito Moreno eu vou viver / Mais de cem anos / No meu Salgueiro”.

A segunda parte segue com a mesma pegada melódica da primeira. E essa é uma questão do samba. Ele não tem aquele “respiro” tradicional. É todo com a pegada lá em cima. E segue sendo muito fiel aos elementos presentes na sinopse, chegando a encaixar uma frase inteira* do texto original no trecho em que passa pelo universo indígena. “Sou espinho qual “fulô” de Macambira / Olho gordo não me alcança / Ante o mal a pajelança pra curar / Sempre há uma reza pra salvar*/ O nó desata, liberdade pela mata…”

Volta para os cultos afro-brasileiros, que dominam a maior parte do enredo, para pedir proteção ao Zé Pelintra – enredo da escola em 2016 em “A Ópera dos malandros”. “E os mistérios do axé, meu candomblé / Derruba o inimigo um por um / Eu levo fé no poder do meu contra egum / Salve Seu Zé, que alumia nosso morro / Estende o chapéu a quem pede socorro / Vermelho e branco no linho trajado / Sou eu malandragem de corpo fechado”.

O refrão forte reafirma os rituais de fé do povo salgueirense com algumas boas sacadas e letra como o verso “Quem tem medo de quiumba, não nasceu pra demandar”, uma releitura muito bem adaptada do clássico ditado popular “Quem não pode com mandiga não carrega patuá”. Para depois fechar com um aviso importante. “Macumbeiro, mandingueiro, batizado no gongá / Quem tem medo de quiumba, não nasceu pra demandar Meu terreiro é a casa da mandinga / Quem se mete com o salgueiro acerta as contas na curimba”.

Um samba muito potente, energizado, carregado de axé. Feito com alma de Salgueiro. O desafio é encontrar o andamento e o tom ideais para que a escola consiga cantar a extensa letra de forma confortável sem perder a empolgação. E o Salgueiro tem gente gabaritada para resolver isso sem dificuldades e impulsionar um grande desfile.