Originalmente marcada para o dia 25 de agosto, a final do samba-enredo dos Gaviões da Fiel foi remarcada por conta do luto. No fim de semana anterior, sete integrantes da torcida organizada de mesmo nome morreram após um acidente na rodovia Fernão Dias. O concurso aconteceu na última sexta-feira, em uma data extremamente convidativa: o aniversário do Sport Club Corinthians Paulista, instituição que uniu os torcedores e fizeram com que ele se tornasse uma das grandes potências do esporte brasileiro.
O Corinthians, querendo ou não, está presente em tudo que envolve os Gaviões da Fiel. E isso ficou evidente no evento citado, com cobertura do CARNAVALESCO: a quadra, localizada no Bom Retiro, Centro de São Paulo, teve um telão para que componentes assistissem o duelo entre os times masters do Timão e do Real Madrid. Após shows, roda de samba, esquenta da bateria, o hino do Corinthians e mais alguns sambas-enredo e alusivos, enfim os sambas começaram a se apresentar.
O primeiro deles foi o samba quatro, composto por Nando do Cavaco, Bruno Jaú, André Filosofia, Vitor Blanco, Valêncio Gonn e Grego. Depois, veio o Samba Um, escrito por Grandão, Sukata, Guga Pacheco, Claudio Mattos, Juliano, Souza da Cuíca e Japa Ovelha JB. Por fim, chegou a vez do Samba Dez, obra de José Rifai, Biro Mascarenhas, Chris Xavier, Jorginho Vini, Beto Rica e Maurição Guinê.
Gol não: campeão
O escolhido foi o Samba Quatro, o segundo a se apresentar. E os componentes deixaram clara a satisfação ao vencer a eliminatória. “Essa emoção é a mesma coisa de o Corinthians ganhar um título. É o meu terceiro samba que eu ganho aqui apesar dos problemas e de pessoas que não aceitam a nossa vitória, mas vamos respeitar ele. É um sentimento de quem perde. O nosso sentimento de quem ganha é maior que o deles”, comentou Sukata.
Sem tirar peso algum das próprias costas, Japa Ovelha foi enfático. “É uma sensação inexplicável ver toda a torcida cantando o nosso samba. Já sabíamos que éramos os favoritos, estávamos tensos e agora não temos palavras para explicar”, destacou.
Aproveitando para emendar para com a longevidade da parceria, Sukata destacou que o “entrosamento” entre os compositores está bom. “É uma coisa emocionante. Você chega a chorar, como foi no ano do Ronaldo, em 2014, no ‘Basta’, em 2022 na junção. É um negócio legal e muito emocionante. A gente tem uma parceria que estamos juntos há uns cinco anos. Muda um ou outro, mas a base é sempre a mesma. As pessoas que vem com a gente acreditam no nosso trabalho”.
Japa Ovelha concorda – e acredita que o tempo de trabalho juntos deixa tudo ainda mais simples. “Somos uma parceria de alguns anos, ganhamos há dois anos atrás, voltamos a ganhar agora, cada um tem a sua responsabilidade dentro do que vai fazer”, comentou.
Aprovações
Como normalmente acontece em escolas de samba, a canção foi elogiada por diversos segmentos da escola. Sem entrar em muitos detalhes, Ernesto Teixeira, intérprete dos Gaviões, depois de conhecido como vencedor, passou a ser “Eu entendo que todos os intérpretes trabalham da mesma forma. Nesse concurso de samba-enredo, nós temos que nos envolver, participando como autor ou não – e, como intérprete, totalmente. Temos que acompanhar todas as músicas, independentemente até do gosto que possamos ter. Na final, estava atrás do palco cantando os três sambas, pegando o clima e o espírito do carnaval de 2024”, afirmou.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira da “Torcida Que Samba” também aprovou a escolha. “Gostei, com certeza! Casou perfeitamente com a proposta do enredo. Acho que, com esse samba, os Gaviões prometem ainda mais”, comentou Gabriela Mondjian – que foi seguida por Wagner Lima. “É isso! A porta-bandeira fala e a gente obedece. Tirando a brincadeira, o samba casou com o enredo e com a proposta que queremos levar para a avenida. É um hino bacana para colocarmos nossa força na avenida com ele”, destacaram.
Uma das principais escolhas pela canção, Marcelo Temporini, um dos diretores de carnaval dos Gaviões resumiu: “Sim, gostamos do samba escolhido. Qualquer um dos três que estava na final, para nós, qualquer um que fosse escolhido teria seu mérito. Mas, o melhor para os Gaviões no momento, foi o samba um”, comentou.
Por fim, Julio Poloni, um dos carnavalescos da agremiação, destacou a ligação de melodia e história a ser contada no Anhembi. “O samba que os Gaviões escolheram retrata de forma maravilhosa o nosso enredo. Desde o início a gente queria um samba que não só narrasse o enredo, mas que fosse capaz de chamar o público para fazer essa grande viagem fantástica e lúdica que é o nosso enredo. É uma viagem que nós vamos criar. O que a gente queria era um samba que fosse capaz de arrebatar as pessoas para isso. E acho que conseguimos”, afirmou.
Voz da experiência
Mais longevo intérprete do carnaval paulistano (e sempre dos Gaviões), Ernesto Teixeira desconversou quanto perguntado sobre a receptividade da Torcida Que Samba em relação à canção – sem, antes, tentar explicar a situação. “Nessa hora, você nem consegue captar muita coisa. O pessoal já cansado, cada samba se apresentou por mais de meia hora… agora, é ir para o nosso primeiro ensaio, no dia quinze de setembro, para sentir efetivamente como o trabalho vai começar a ser desenvolvido”, disse.
Outro comentário que chamou atenção (agora, pela humildade) foi ao responder sobre se um dos motivos pelos quais é um dos grandes intérpretes da história do carnaval paulistano, ele preferiu olhar para os pares: “Eu entendo que todos os intérpretes trabalham da mesma forma. Nesse concurso de samba-enredo, temos que nos envolver, participando como autor ou não – e, como intérprete, completamente. Temos que acompanhar todas as músicas, independentemente daquele gosto que possamos ter. Na final, estava atrás do palco cantando os três sambas e pegando o clima, pegando o espírito para o carnaval 2024”, vislumbrou.
Olhando para o futuro
Com o samba-enredo já definido, nada mais natural que começar a pensar no futuro. Foi o que fez Julio Poloni: “Consigo imaginar o samba inteiro na avenida. Isso vai ficar bem nítido. Têm algumas partes especiais, mas prefiro soltar aos poucos. Eu estou aqui em três carnavais e estou vendo uma coisa totalmente diferente dos últimos anos. Não é segredo pra ninguém que enfrentou diversas dificuldades que impactaram no carnaval da escola, mas esse ano estamos com mais foco, especialistas na área e eu acho que estamos trabalhando com outra situação. Está nos permitindo fazer um carnaval competitivo”, disse.
Pensando menos no samba-enredo e mais na escola como um todo, Temporini deu datas para a comunidade se programar. “Quanto ao planejamento, estamos com os pilotos das fantasias prontos e vamos apresentar para os nossos componentes no dia 07 de setembro. Agora, os próximos passos são seguir com a fantasias no ateliê, graças a Deus estamos adiantados nesse ano. Os Gaviões da Fiel têm gestão, trabalhamos não um ano para fazer um carnaval, trabalhamos três anos para fazer um carnaval agora. Os dois primeiros anos viemos para nos manter e, agora, vamos fazer um carnaval de verdade”, finalizou.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira não fica atrás quando o assunto é planejamento e pensamento no futuro. “Na verdade, já temos um esboço da coreografia, só estávamos esperando a escolha do samba para casar os últimos ajustes. Podemos falar que o nosso trabalho está bem adiantado nesse ponto, estávamos esperando apenas o samba para dar continuidade”, destacou Gabriela. Já Wagner buscou ser mais lúdico. “É como se fosse um Lego, um quebra-cabeça. Um depende do outro, uma peça depende do outra. A gente já tinha a coreografia e sabemos o que faremos na avenida. Mas precisávamos de uma peça fundamental, o samba-enredo para levar para a pista – e, assim, encerrar o nosso trabalho”, pontuou, relembrando que ambos já estão ensaiando duas vezes por semana e, com o samba-enredo definido, irão para três encontros semanais.
De dentro para fora
Muitos se perguntam como uma escola de samba escolhe uma canção – e isso muda de agremiação para agremiação. Temporini explicou como todo o processo feito: “O samba está totalmente dentro do enredo, é importante destacar isso. Ele foi escolhido da seguinte forma: vem o voto da bateria, outro voto do carnavalesco e um da direção de carnaval – que é composta por onze pessoas. Aí, foi levantado quem gostou de cada um dos sambas. A maior votação foi no Samba Um – e, juntando com o carnavalesco e a bateria, ele venceu”, afirmou.
Por fim, Sukata observou uma movimentação especial no momento em que a canção escrita porá ele foi a favorita “Acho que a torcida maior não é a nossa e sim a quadra. É a comunidade e o canto. Sem saber, sem entregar uma letra e sem fazer nada. Qualquer torcida é contratada, mas o vale é a comunidade e hoje o que aconteceu foi isso”.