Ilha dos Morros, Ilha de Jorge, Ilha da Mãe Negra: Filhos Insulanos da Esperança
Nome do enredo: Nas encruzilhadas da vida, entre becos, ruas e vielas, a sorte está
lançada: salva-se quem puder!
Nome do carnavalesco: Fran Sérgio, Cahê Rodrigues, Larrisa Pereira, Anderson Netto,
Allan Barbosa e Felipe Costa.
Este texto é um ensaio livre de possibilidades da Ilha para o Carnaval 2020, visto
que a agremiação não divulgou seu texto mestre para a próxima edição dos desfiles na
avenida Marquês de Sapucaí.
Por ser um ensaio, a preocupação que me comove é o de analisar a propositura
do enredo por meio das suas condições de produções, a saber: a entrada de Laila nos
quadros da Escola, logo do enredo e a letra do samba que ecoará em seu desfile.
Laila com toda sua força e história de importância no Carnaval carioca, nos
últimos anos, vem empregando esforços para emplacar novidades nos desfiles, algo de
ruptura, que seja sua marca nesta era tecnológica de espetáculo na Marquês de Sapucaí.
Para 2020, Laila inovou propondo que os compositores tivessem liberdade no processo
de composição do samba, e com isso, a agremiação não entregou uma sinopse de enredo
para a comunidade do samba.
A logo de enredo disponibilizada pela Escola alcança uma propositura de texto
misto (linguagem verbal e não verbal), dando voz a uma mulher negra e grávida, tendo
um de seus seios pintados com as cores da Ilha, o que se repete, nos mesmos tons, em
um de seus dos braços e também na barriga. A jovem está em meio a uma janela de um
“barraco” em uma comunidade e ao seu lado estão dois senhores e dois meninos sob um
céu luminoso que serve de fundo para a escritura do nome do enredo. Ao fundo desta
cena está o cenário pobre de uma comunidade com seus casebres. Sob este cenário se
posiciona o nome da Escola em um céu estrelado perante a lua de São Jorge, com ele
representado em seu cavalo.
Com estas informações da logo, como analista do discurso, recebo sopros de
interpretações. A União da Ilha apresenta a negritude como elo central de sua narrativa.
O deslizamento de sentido opera em metáforas. A Ilha se mostra como mulher grávida
de esperança (do título), no aguardo da criança (do título que está gestando), que vai
alimentar (gerenciar/cuidar) e carregar no colo (exibir para todos), com amor o tão
desejado nascer de um campeonato. A favela é o seu lugar de pertencimento. Na Ilha
que se cerca de crianças (o futuro) e de idosos (os griôs), a fé é guardiã e São Jorge é o
seu padroeiro. Se ainda está noite e está tudo triste nas trevas e na escuridão, o samba
explode dizendo que “é hoje, o dia da comunidade, um novo amanhã, num canto de
liberdade”.
E por falar em samba… a obra musical assinada por Márcio André, Márcio
André Filho, Rafael Prates, J. Alves, Daniel e Marinho também confirma que a
agremiação é uma mulher grávida, isso se revela no trecho “senhor, eu sou a ilha e no
meu ventre essa verdade que impera”….e também em “sou mãe, dignidade é meu
destino, rogo em prece meus meninos…”.
O samba-enredo aponta uma agremiação pronta para denunciar em suas
alegorias, fantasias, comissão de frente e em diversos setores a discriminação, a morte
de crianças e jovens moradores das comunidades do Rio de Janeiro, assassinados em
conflitos, vítimas do perigo, vítimas do abandono e vítimas do desalento. Isso fica
nítido no trecho “inocentes culpados, são todos irmãos, esse nó na garganta, vou
desabafar, o chumbo trocado, o lenço na mão nessa terra de Deus dará”.
O enredo da União da Ilha 2020 apresenta-se em duas vertentes, uma mais de
cunho interno, que trabalha a motivação do insulano, grávido de esperança do título, e o
outro de cunho mais social, político, com viés de denúncia em tom de emoção. Ambos
retratam mães negras.
Se a Ilha apresenta uma proposta maternal, a agremiação nos deixou cheios de
orfandade ao não lançar a propositura de um texto mestre. Válido ressaltar que o nome
do enredo da Escola é o maior de sua história, e isso se tornou característica nas
agremiações em que Laila tem desenvolvido suas atividades carnavalescas. Como
linguista sinto que o ótimo nome neste enredo – interpretado como gesto meu -, não
dialoga em sua totalidade com a propositura, dando margem a interpretações múltiplas e
talvez essa tenha sido a estratégia do artista – obra do criador – e isso deve ser
respeitado.
É um Carnaval para se aplaudir porque como diz o samba “será justiça de quem
esperou, o morro desce o asfalto e dessa vez esquece a tristeza”. A Ilha espera justiça
querendo ser campeã do Carnaval e também cantando, clamando para que os humildes,
moradores das comunidades e que pedem com fé (para São Jorge) vençam as agruras
diárias das batalhas urbanas.
Senhor, eu sou Laila e a Ilha também! É hora do show, baterilha! É hora do
show, insulanos!
Autor: Tiago Freitas
Doutorando em Linguística/UFRJ
Doutorando em História da Arte/UERJ
Coordenador Geral/OBCAR
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Instagram: observatoriodecarnaval_ufrj