GINGA: CORPO, ARTE E CULTURA DE RESISTÊNCIA NA UPM 2020

Nome do enredo: GINGA
Nome do carnavalesco: Fábio Ricardo
Nome do pesquisador e autor da sinopse: Marcos Roza

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Reconhecida por grandiosos desfiles que trazem a cultura como tema, a Unidos de Padre
Miguel levará para a avenida em 2020 o enredo “Ginga”, assinado pelo carnavalesco Fábio
Ricardo, que pela primeira vez apresenta um enredo totalmente afro, e com sinopse e
pesquisa realizada por Marcos Roza.

Quando a escola divulga o título do seu enredo, gera uma expectativa de que possa trazer
algum tipo de alusão a rainha Njinga Mbande, no entanto, não é isso que se verifica no
desenvolver da sinopse da escola, que traz um texto sobre a capoeira, prática que tem origem na negritude. E quem conta essa história redigida em primeira pessoa, é a própria Ginga personificada.

Ao fazer a leitura, surge a questão: Por que não dar luz a capoeira em si ao invés de sua
dança? E o texto, aliado a fatos históricos, responde ao mostrar que é o gingado o que dá à
luta da capoeira características de dança, é o que a ressignifica, concatena movimentos, dá
ritmo, permite improvisar, expressar o sentimento e a identidade de cada capoeirista, assim como distrair e confundir o oponente. “Rompendo o silêncio de noites sombrias” ela é “incorporada feito arte matuta, uma espécie de dança, disfarçada entre os afazeres da
labuta”. Era a ginga, o canto e os instrumentos, que possibilitavam a cultura da capoeira
permanecer viva apesar do sistema escravista. Pelo uso da dança xs escravxs conseguiam
enganar seus senhores disfarçando a prática da capoeira, escapando de serem punidos. “Mas é na hora da fuga, usando os pés, as mãos e a cabeça”, que a luta é revelada, para resistir ao opressor.

A Unidos de Padre Miguel desenvolve seu enredo com a protagonista narrando sua trajetória já dando pistas de uma possível inspiração do que pode vir a ser apresentado em sua comissão de frente. Ela abre o texto contando a origem da dança da capoeira, que tem raiz lá no N’golo: luta originada a partir da observação dos homens diante da dança de acasalamento das zebras, onde os machos se confrontavam com golpes de cabeçadas, coices e mordidas.

Essa luta ocorria durante a Efundula, a Festa da Puberdade, onde os rapazes lutavam para
conquistar suas esposas. O texto relaciona Ginga e Okô – divindade da agricultura – apontando para a herança que carrega dos “ritos de mistérios e verdades”, mas o texto não aponta de maneira direta como essa relação se dá, deixando aqui uma curiosidade sobre como isso se desdobrará no desfile da escola. Aparecendo, possivelmente, nos primeiros setores, será que essa referência se revelará na plástica adotada? Das cores que vão prevalecer? Quem sabe, tons verdes e marrons para remeter a agricultura?

Regada de poesia, o texto apresenta uma clara referência ao movimento diaspórico, dando
sinais de que é possível que a agremiação traga algo que remeta aos navios negreiros, onde a personagem central do enredo segue viagem, acompanhada de “dor e lamento”, quando é arrancada do colo de seu solo materno para cruzar “a imensidão dos mares” com destino ao continente americano, às terras brasileiras, onde todo o gingado seria resistência diante dos algozes que açoitavam e escravizavam o povo africano.

Seguindo no texto, ela chega ao Brasil, ganha espaço e começa a compor o cenário das ruas, das feiras, das festas, dos cais e logo começa a ilustrar as telas do realismo. Nesse trecho, o texto, possivelmente, dá mais uma dica do que pode aparecer no desfile da vermelha e branca de Padre Miguel, para marcar o momento em que a capoeira se torna uma expressão que passa a pertencer a cultura local. Ela ganha corpo, começa a carregar consigo não só a dança, a luta, os cantos, mas também adquiri uma filosofia que traz consigo os valores da tradição de Angola.

A protagonista, guardiã da cultura negra em terras estrangeiras, carrega o karma da
perseguição e, por parte daqueles que a negam como cultura, assim como negam a seu povo o direito de existir e resistir, ela é criminalizada. Mas sendo ela uma guerreira, que é nativa de um povo que não esmoreceu à opressão, não tombou diante do açoite, mais uma vez resiste, mesmo sendo censurada e moldada para caber na tolerância do olhar do opressor.

Ginga persiste, ganha espaço e saúda seus heróis, deixando aqui uma expectativa de que esses heróis virão representados no desfile da escola, aqueles que gingaram e a tiveram como expressão da sua história de luta e da formação cultural do povo brasileiro, a possibilitando ganhar reconhecimento, e até o título de Patrimônio Imaterial da Humanidade.

Nos presenteando com um texto poético, carregado de emoção, trazendo um contexto
histórico baseado na trajetória do povo preto do nosso Brasil, a Unidos de Padre Miguel nos
apresenta a ginga personificada, a quem, mesmo sem uma referência direta tendo sido feita pela escola, eu livremente associo a rainha Njinga Mbande, que para sobreviver à opressão política, usou disfarces, adquiriu novas roupagens, se moldou, se adaptou, sem perder sua essência, sem deixar de ser a rainha Angolana e quando necessário lutou, assim como a protagonista do enredo que não deixou de ser capoeira, conquistou seu reconhecimento e segue resistindo e reexistindo.

Esse gingado que é da capoeira, que é do samba, e também do carnaval, mais que
merecidamente recebe essa homenagem. E quando a Unidos de Padre Miguel fizer a curva,
tomar a avenida e tingi-la de vermelho e branco, a escola, que traz consigo a raiz quilombola da vila vintém, vai cantar e ressoar a sua história, a protagonista de seu desfile para o carnaval de 2020.

Ginga, Unidos de Padre Miguel!

Referencial Teórico

FONSECA, Mariana Bracks. Ginga: História e memória corporal na capoeira angola. In
Rascunhos. Uberlândia v.4 n.3 p.124-138, 2017.

Thiago Acacio de Almeida – [email protected]
Ciências Sociais/UFRRJ
Membro Efetivo do OBCAR/UFRJ
Leitor Crítico: Rennan Carmo – [email protected]
História da Arte – EBA/UFRJ
Instagram: observatoriodecarnaval_ufrj

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