A série “Barracões” do site CARNAVALESCO hoje saúda uma sambista que fez história no carnaval brasileiro. A X-9 Paulistana fará uma grande declaração de amor a Dona Ivone Lara através do seu enredo para o Carnaval 2023. “Dona Ivone Lara, mas quem disse que eu te esqueço?” é o título do desfile assinado pelo carnavalesco Leno Vidal, que recebeu a nossa equipe para uma visita pelo barracão da escola.
Inspiração para o enredo
A ideia de homenagear Dona Ivone Lara partiu da ala de compositores da X-9 Paulistana, através de Marcelo Lipiani e do intérprete Darlan Alves, e foi decidida após uma reunião entre a equipe da escola. Havia outras duas escolhas à mesa, uma do departamento cultural da X-9 e outra do próprio Leno Vidal.
“Eu abracei porque não tem como não abraçar Ivone Lara no Carnaval. Todo sambista que se preze sabe que falar de Ivone Lara é falar da nossa vida, da nossa história no samba e do Carnaval como um todo. Fomos lá no Rio de Janeiro, a família nos recebeu, Dona Eliana Lara com os filhos e netos, e lançamos de lá o enredo, da casa onde viveu Ivone Lara. Já tínhamos começado a escrever a sinopse e li naquele momento. Eu busquei um fio condutor poético que foi o pássaro tiê, que nos iria acordar com Ivone Lara já no samba como a grande Rainha do Samba, já dentro do Carnaval, e depois começaríamos a fazer o sobrevoos de passagem na vida, na obra e no legado de Ivone Lara”, disse o carnavalesco.
Desenvolvimento da homenagem a Dona Ivone Lara
O desfile da X-9 Paulistana falará da vida de Ivone Lara através da sua obra, e se aproveitando de elementos visuais para ilustrar o universo feminino da artista, de acordo com Leno Vidal.
“Começo com Ivone Lara nos Cinco Bailes, já dentro do Carnaval com o primeiro grande samba-enredo dela, mas também já tenho a representatividade dela enquanto baiana, porque ela foi a maior baiana do Império Serrano. Já começo com Ivone Lara sambista, dos anos 65 aos anos 80 no Império Serrano. Eu trago o recorte dessa mãe baiana mãe, porque o meu Abre-alas traz essa alusão ao desfile da Império Serrano de 1973, que é “Mãe, Baiana Mãe”, que homenageou Ivone Lara na lavagem do Bonfim, e “Os Cinco Bailes da História do Rio”. A gente já traz a Ivone e vai passando a vida dela. Tenho o contexto depois da ancestralidade, do jongo. Cada música fui fazendo conexões da musicalidade como representatividade dentro do morro da Serrinha. Sabemos que o jongo é cultura fundamental daquele território. Já traz “Axé em Ianga Pai Maior”. Claro que eu não consegui colocar mais de 180 músicas de Ivone Lara, será preciso condensar. As dez grandes estarão presentes. Além delas, terão recortes de movimentos maravilhosos, como o momento que ela vai para o internato com Lucila Villa-Lobos, que ela vai ter contato com o erudito, a música clássica, que dá uma das coisas dela de sambista que é a melodia, o tom da voz melódica dela, nesse momento em que ela vai supernova. Teremos referência do pai e da mãe dela, que se conheceram no Rancho Flor do Abacate. Vamos ter uma coisa muito interessante que é um link que fizemos com a ala “Loucos pela Xis”, que tem um projeto gigantesco na escola há mais de 20 anos, que são pessoas com deficiência mental, pessoas que tem todo um processo de trabalho pela X-9 Paulistana, numa ala que é um projeto dentro da escola, e que eu fiz a assimilação com Nise da Silveira, que curava a chamada “loucura”, que não é loucura, através da arte com Ivone Lara, através da musicalidade e das pinturas”.
A ancestralidade da sambista também estará presente no desfile junto de referências às grandes inspirações da artista, como Clementina de Jesus. De acordo com o carnavalesco, o objetivo da escola é fazer com que o conjunto do desfile passe a sensação de unidade, ou seja, que todos somos Ivone Lara.
Faço um recorte do samba nessa ancestralidade, e chegamos no segundo carro que é “A Grande Ancestralidade de Angola”, e o samba vem de Angola que é o “semba”. Essa África viva no sentido da cor, da luz, tal qual Ivone Lara era, alegre e sempre para cima, que irá trazer a obra dentro desse grande coração que pulsa através de um bolo que eu chamo de “Bolo do Tiê”, que são crianças ali dentro, mais essa ancestralidade dela. Parte da obra tem referência a Clementina de Jesus, que foi grande inspiração para ela. E a partir daí vai para as músicas. “Sonho Meu”, “O Samba não pode parar”, “Alvorecer”, sempre dando essa articulação com os próprios cantores que cantaram Ivone Lara. E celebrando ela no final, nessa grande celebração do “Eu vou festejar”. Com as resistências que Ivone Lara foi. E nessa grande Apoteose que a X-9 faz, que é o sambista em si venerando e homenageando Ivone Lara. Acho que a grande representatividade de tudo isso somos nós mesmos, quando escutamos o samba e vermos a X-9 passar, o que é que vamos ter. Precisamos sentir o que é Ivone Lara através de todo esse conjunto, porque nós somos Ivone Lara, o nosso corpo está presente em todo lugar tal como ela.
Representatividade, os gostos e as curiosidades sobre Ivone Lara
Leno Vidal procurou usar o máximo das informações que conheceu a respeito de Dona Ivone Lara ao longo de toda concepção do desfile. Da forma como exercia sua representatividade aos gostos pessoais, nada passou despercebido pelos olhos do carnavalesco, que aplicou referências dos mais diferentes tipos.
“Essa questão da identidade e da representatividade dela foi muito curioso, porque ela não se levantava nenhuma bandeira, mas ela em si era. Outras também foi dessa Ivone Lara que gostava de uvas, de orquídeas, de pegar coisas pontuais do gosto da pessoa. Fui trazendo essas pequenas características dentro do enredo. Na ala do erudito, por exemplo, que se chama “Do erudito ao popular”, eu coloquei as uvas de Ivone Lara, porque é dionisíaco porque é Carnaval, traz essa questão clássica e ao mesmo tempo trazer um elemento que ela gostava. Nos Cinco Bailes eu coloquei orquídeas nas perucas. Rosas coloridas diversas, ela gostava de rosas brancas e amarelas, então tem o ouro de Oxum, então descobrimos os orixás de Ivone Lara, e fui conhecendo muita coisa que não conhecia. Um enredo desse nos permite conhecer uma artista como Ivone Lara, que vamos levar para a vida inteira. Aí temos esse carro maravilhoso, todo em pétalas de rosas de Ivone Lara, para deixar esse aroma, nem que seja identificado na imaginação, nós teremos, afinal o universo do Carnaval nos permite isso”.
Uma das canções mais famosas de Dona Ivone Lara, “Tiê”, faz referência a um pássaro da espécie que a sambista teve ainda na infância. A história por trás dos versos mostra como a artista contava, através da música, momentos curiosos da sua própria vida.
“Tem uma coisa muito interessante que é o tiê, que é esse passarinho que a gente descobre que é outro fio condutor. Lá no início, trazemos o tiê como fio condutor, mas descobrimos um dos maiores fios condutores do nosso Carnaval, que é o amor. Esse amor por Ivone Lara, esse amor que ela traz nas essências dela pelo samba. Então imagine as centenas de pessoas cantando “Eu te amo Dona Ivone Lara”, que provavelmente contamine mais uma arquibancada gigantesca do Anhembi com essa frase muito simples. Onde já se cantou tanto amor por algum homenageado? Quem falou isso foi a Fabiana Cozza, que virá representando Ivone Lara no desfile. E o tiê nos traz, por exemplo, que era quando ela ganha um tiê, o tiê não deixava ela sair de perto dele, ela sempre ficava lá, porque toda vez que ela aprontava, a avó dela falava “olha lá oxá”. Esse “olha lá oxá” na verdade era a avó super brava com ela, que virou a música do tiê que o pessoal canta”.
Conheça o desfile da X-9 Paulistana
Primeiro setor: “Iniciamos com a comissão de frente fazendo Os Cinco Bailes dentro da comissão, mas de uma forma contemporânea do estilo Jaime Arôxa. Usamos samba de gafieira, mas trazendo ao mesmo tempo bailar de minuetos e jongo. Depois temos no primeiro casal o amor representado e ladeado pelas Oxum Opará, que era sua grande orixá junto com Xangô e Airá. Depois adentramos com a Fabiana Cozza representando Ivone Lara como a grande baiana. Vamos ter as baianas, que se chamam “O Pano de Oxum na Lavagem do Bonfim da Coroa Imperial”, que condensam todas essas três referências na fantasia, mas de uma maneira bem sutil e muito bonita. Depois temos o Abre-alas “Mãe Baiana Mãe na Lavagem do Bonfim” com diversas representatividades negras que convidamos, como a deputada federal Érica Hilton, Nega Duda, Janaína Simões, baianas convidadas do Brasil todo, todas misturadas porque é a ocupação do espaço de Ivone Lara”.
Segundo setor: “Vamos para o segundo carro, “Os Cinco Bailes” com a Velha Guarda, dois andares com esse céu estrelado e com a coroa imperial nos coroando, desse amor que vem lá de Madureira de Ivone Lara. Aí viremos para a vida dela, o jongo, o rancho Flor do Abacate, as ciganas, porque ela tem uma música cigana e que nós traremos ciganos de fato para a Avenida, que virou um contexto maravilhoso para a gente. A bateria, que será a “Sinfônica Pulsação”, que o Adamastor investiu em um figurino maravilhoso com componentes vestidos com gola rufo. Depois vamos para o Flor do Abacate, Nise da Silveira, o contexto dela com o erudito e o popular. Chegamos no segundo carro de cores explosivas, que é uma África mais moderna, mais atual, mas com a essência da ancestralidade porque é o colorido da África. O carro condensa a vida dela, a ancestralidade e a obra, fazemos essa transição no meio da escola”.
Terceiro setor: “Vamos para a obra de Ivone Lara com as músicas dela. “Alvorecer”, “Sonho Meu”, “O Samba não pode parar”, vai ter “Sorriso Negro”. Temos uma ala, a ala dos compositores, que representarão os cavaquinhos, o instrumento que ela usava. No “Sorriso Negro” nós usamos fotos dos próprios componentes da escola. A Porta-Bandeira, os diretores, pessoas que estão representadas na ala “Sorriso Negro”. Chegamos então no último carro, que é o grande “Vou Festejar” da X-9 Paulistana, onde fazemos essa celebração toda ali, nesse contexto do Bloco da Resistência, onde vem os familiares e essa X-9 transbordando de alegria nesse processo todo. Nesse carro trazemos três tiês, que ficarão na parte de trás, para o lado oposto da Avenida, levando o legado de Ivone Lara adiante para mais sambistas”.
Ficha Técnica
Enredo: “Dona Ivone Lara, mas quem disse que eu te esqueço?”
Alegorias: 3
Alas: 16
Componentes: 1200
Ordem de desfile: Segunda escola a desfilar no dia 19 de fevereiro de 2023 pelo Grupo de Acesso