No segundo ano consecutivo trabalhando na Rosas de Ouro, Paulo Menezes, está em seu terceiro carnaval em São Paulo e cada vez se sente mais adaptado com o trabalho em solo paulista. Para 2023, trouxe o enredo ‘Kindala’,na Rosas de Ouro, e a busca de abordar o racismo, mas com um combo extra que será os dias atuais, como está a luta. A Roseira será a quinta escola a desfilar na sexta-feira, dia 17 de fevereiro.
Sete vezes campeã do carnaval, a agremiação da Freguesia do Ó, Zona Norte de São Paulo, venceu pela última vez em 2010. Depois bateu na trave com três vices consecutivos em 2012, 2013 e 2014. Enquanto Paulo Menezes assinou carnavais no Rio de Janeiro, fez parceria com Paulo Barros, e conquistaram o carnaval de 2017 na Portela.
Paulo Menezes em São Paulo
Em 2020, chegou em São Paulo junto com Paulo Barros para assinar o projeto do Gaviões da Fiel, e desde então permaneceu no carnaval paulista. Seguiu para a Rosas de Ouro no início de 2020, mas explodiu a pandemia, carnaval adiado. O enredo de 2022 foi um dos mais premiados, sobre a cura, mas no resultado ficou em 9ª lugar. O carnavalesco Paulo Menezes contou sobre a adaptação ao site CARNAVALESCO.
“Na realidade quando cheguei no Rosas, cheguei em um dia e no dia seguinte começou a pandemia. Então foi um carnaval pensado por causa da pandemia, mas ao mesmo tempo não tinha um conhecimento, não tinha aquela coisa pessoal. Era tudo muito virtual. Então você criar para uma escola, sem conhecê-la presencialmente, para mim não é fácil. Não gosto de fazer um projeto e entregar, gosto de vivenciar esse projeto. Então quando tem essa distância para mim, Paulo, não é bacana. Gosto de estar presente”.
Na nossa visita ao barracão da Rosas em 2022, Paulo Menezes dizia sobre a adaptação ainda estar acontecendo, explicou e disse como está atualmente: “Ano passado quando falava que ainda estou me adaptando era muito por causa disso, foi um período muito difícil. Primeiro não sabíamos se teria carnaval, não sabia quando seria e o pior, não sabia se estaria vivo no carnaval. Foi muito difícil para todas as escolas, e principalmente para os artistas, pois criar com essa pressão na cabeça não é tão simples. Criação precisa de liberdade, de espaço, então é muito difícil para você criar com essa pressão de não saber o que vai a frente”.
Assim como a conexão com a escola: “Agora estamos em casa, conheço a escola totalmente, é claro que o conhecimento é eterno. Tem que estar sempre conhecendo, mas posso dizer que estou em casa”.
Escolha do enredo
Através de um samba vice-campeão na disputa da Rosas em 2005, que o carnaval de 2023 surgiu. Um dos compositores daquele samba foi Arlindo Cruz, sempre cantado na quadra da agremiação azul, rosa e branco. Um dia eis que o carnavalesco parou, escutou e conectou com um enredo que já vinha sendo arquitetado, deu liga.
“Já tinha vontade de fazer um enredo com essa temática há um bom tempo. Tinha umas ideias guardadas, mas quando por acaso escutei o samba na quadra, que é o samba que participou da disputa em 2005 para o Carnaval de 2006. E não foi vencedor. Em uma festa ouvi esse samba cantado na quadra e ele me chamou atenção. Pois tinha muitas coincidências daquilo que eu queria falar no meu enredo. Quando passou o carnaval, a gente sentou e discutiu várias opções. Essa era uma delas, e a gente acabou optando por ela”.
Vale ressaltar que ‘Kindala’, no idioma bantu, significa ‘agora’. No logo oficial do enredo, ainda tem um recado: “Que o amanhã não seja só um ontem com um novo nome”.
Cuidado com a temática
Com muito estudo, Paulo Menezes foi através de diversas personalidades negras do carnaval, do samba, e também fora dele. Tem quem será representada em vida, outras serão homenageadas, e também personalidades que representarão nessas homenagens, caso de Karol Conka, Manoel Soares, Fofão, Fernanda Ross, Adriana Lessa, entre outros artistas e atletas que estarão no Anhembi.
“Não queria que fosse um enredo com olhar de um carnavalesco branco sobre um tema preto. Então o primeiro ponto da pesquisa foi conversar com as pessoas, independente de que camada social ou intelectual que elas pertenciam. O mais importante foi conversar com elas e para sabermos quais eram as prioridades, necessidades, o que seria importante ser tocado. Pois elas foram a fonte maior de pesquisa, daí partimos para pesquisa em livros e principalmente em redes sociais, jornal, televisão. Porque tudo que a gente está falando aconteceu na época que começou a escravidão, e continua hoje em dia. Então é um tema muito atual, não é um fato histórico. É uma história que se perpetua até hoje. Infelizmente ainda é assim”.
Proposta do enredo
Paulo Menezes quer tocar o próprio componente da roseira e trazer um sentimento que talvez seja um pouco peculiar para sua própria escola, mas que simboliza bastante sua ideia em ‘Kindala’.
“São realizadas diferentes, histórias diferentes, hoje a proposta é que quem esteja desfilando sinta vergonha. Que uns sintam vergonha pelos outros. E outros sintam vergonha, pois estou participando ativamente disso que está acontecendo. Ou então não participo, me calo, não faço nada. São maneiras de vergonha diferente, e o que a gente espera é isso. É colocar na cabeça das pessoas um pouco daquilo que estamos falando para que elas se sintam engajadas nesta luta que esse povo tanto briga, tanto luta e corre atrás da sua igualdade”.
Alegorias e fantasias da Roseira
“Tudo é grande. São Paulo gosta de tudo grande. Continuo com meu estilo, fantasias rebuscadas, detalhadas, mas a escola está muito colorida. Mas ao mesmo tempo ela está muito azul e rosa. O azul e rosa estarão presentes na escola inteira. Claro que entram outras cores, entre verde, laranja, tons terrosos, mas o azul e o rosa sempre estarão presentes. Quando Rosas estiver na avenida, as pessoas irão perceber que é uma escola azul e rosa”.
Pesquisa e descobertas
“O mais diferente de tudo é claro, contamos a luta do povo negro, e a herança que deixa para a nossa cultura. Mas a gente começa com África, antes dela ser invadida pelos brancos e antes dos negros serem escravizados. O mais importante do nosso enredo é a parte final dele que é a luta de hoje. Pois a luta de hoje não é uma luta que tenha virado enredo ainda. A escravidão, navio negreiro, sempre passou na avenida, mas o enredo que conte a luta de hoje, como esse povo se organiza para lutar por direito, respeito, igualdade. Não vemos toda hora como enredo de escola de samba, essa é a parte mais importante do enredo. Retratarmos essa luta como ela se movimenta hoje”.
Em três momentos diferentes, Paulo Menezes relatou sobre os quatro setores tradicionais nas escolas: “Para mim são mais setores”. Um dos motivos é: “Tripé tem muitos”. Por fim, o carnavalesco não gosta muito de revelar o jogo, disse: “Spoiler deixamos para a avenida”, sem dar muitos detalhes sobre os setores, mas contou quatro momentos:
Conheça o desfile da escola
Setor 1: Contando brevemente um pouco de cada momento, afinal Paulo Menezes gosta de trabalhar com tripés e mais setores, inicialmente disse: “Mostramos a África antes da chegada do branco”.
Setor 2: Para um segundo momento do desfile, a etapa contada será: “O branco chegando e escravizando”.
Setor 3: “Chegada no Brasil e distribuição do povo preto no Brasil, e a sua luta. Começa a luta pela busca da liberdade e resistência. Mostramos também a influência da cultura africana na cultura brasileira”.
Setor 4: “Por fim como essa luta se perpetua nos dias de hoje. Como mudou o pensamento do povo preto, e como hoje, as armas utilizadas para conquistar seus direitos”.
“Algumas (personalidades) vem representando personagens e outros vem sendo homenageados justamente pela sua história, legado, história de vida e de luta, esses vêm na última alegoria”.
Sobre os homenageados, a roseira tem anunciados personalidades negras em seu Instagram, Paulo falou alguns deles: “Milton Gonçalves, Ruth de Souza”, e do “carnaval de São Paulo serão vivos, tem muita gente bacana, até do carnaval, estamos resgatando”.
Recado do carnavalesco para a escola
“Pode esperar um carnaval lindo, está lindo. Uma escola feliz com o enredo e o que esperamos é que esse enredo plante uma semente na cabeça de cada um. Que as pessoas pensem, repensem as suas atitudes, suas maneiras de olhar o próximo, e o que pode fazer, cada um de nós, para mudar tudo isso que vivemos. Sabemos que é uma luta árdua, que não vai acabar tão cedo. Mas cada um é um grão de areia, cada um lutando, se unindo, sendo um aliado nesta luta, as coisas melhoram muito”.
Ficha técnica
Alegorias – 04
Componentes – 1.600
Alas – 19
Diretor de Barracão – Alexandre Vicente
Supervisor de fantasias e atelier – Binho e Edson