Quarta agremiação a desfilar nesta noite de sábado, a Unidos da Tijuca emocionou o público da Sapucaí com a bela apresentação da sua comissão de frente, que trazia o renascimento do curumim Kahuê. O início do desfile da escola foi marcado por alguns erros de evolução, mas o forte canto da comunidade tijucana conferiu vigor ao desfile. Bateria e samba-enredo foram outros destaques da apresentação da escola, que veio com um visual estético mais simples. A Unidos finalizou o seu desfile com 68 minutos. * VEJA FOTOS
Comissão de Frente
A Comissão de Frente da Unidos da Tijuca, dirigida por Sérgio Lobato, entrou na passarela representando “A reexistência vermelha”. O grupo exibiu uma coreografia que sintetizou a história narrada no enredo e foi dividida em três blocos. A apresentação se iniciou com o conflito entre Tupanã e Yurupari, entre o sol e a lua, entre luz e escuridão. Seres do A’at e do Waty se combatiam em busca do equilíbrio.
Surgia, então, a figura de Anhyã, uma guardiã, uma sábia e conhecedora do poder das plantas, que foi tocada por uma cobra enamorada e deu à luz a Kahu’ê. Porém, toda a inocência e alegria do menino provocava ciúme e inveja de seus tios. Kahu’ê foi aniquilado, e em seguida, levado pelos braços do Yurupajé, o corpo do menino fez renascer o povo Mawé. A cena do renascimento do curumim emocionou o público.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da escola, Phelipe Lemos e Denadir Garcia, desfilou com a fantasia intitulada “Energia encarnada”, traduzindo em dança toda a força vital que comanda os ciclos da natureza. Os dois realizaram um bailado seguro e correto, apresentando o pavilhão da escola com muita elegância.
O pavilhão azul e amarelo da escola se uniu ao vermelho, pedindo licença aos ancestrais e lançando ao vento uma fábula mítica de luta e ‘reexistência’ indígena. O casal esbanjou sintonia ao interagir no olhar e muita sincronia nos movimentos. Phelipe riscou o chão enquanto Denadir realizava seus giros com o pavilhão tijucano. Por algumas vezes durante o bailado ele ficou na ponta dos pés.
Enredo
A Unidos da Tijuca apresentou o enredo “Waranã: a Reexistência Vermelha”, contando o mito de surgimento da etnia Mawé – os filhos do guaraná, os peles vermelhas do Brasil. A escola narrou a formação do guaraná a partir da saga de Kahu’ê, o inocente curumim, cuja presença breve sobre o plano terreno se dá em face das disputas das forças cósmicas e do embate entre Tupana (o bem) e Yurupari (o mal). As cores da escola se fizeram presente no enredo. O amarelo fez alusão às energias que emanam do reino solar de Tupana. Já o azul em tons mais fechados, referiu-se à noite e às energias soturnas do reino de Yuruparí.
Em seguida, surge o vermelho para caracterizar o povo ‘sateré-mawé’, cuja origem é umbilicalmente ligada ao guaraná, à terra, ao sangue e à vitalidade. A escola também apresentou momentos de explosão multicor, que tiveram como intenção estética conduzir-nos aos domínios do fantástico, do discurso mítico que vai além do real. Os grafismos, presentes nos contos Sehaypóri, gravados no Puratig (ou Porantim), o remo sagrado e símbolo da identidade sateré-mawé, se fizeram presentes no conjunto estético visual da Tijuca.
Alegorias
A escola começou seu desfile no alto céu, de Tupana e Yurupari, cujas forças passam a reger o cosmos, ao sabor dos desígnios de Monan, a energia que equilibra o bem e o mal. A luz do pede-passagem que trazia o pavão, símbolo da escola, não acendeu. Logo depois, abre-alas da Tijuca representava Nusokén, o paraíso segundo a visão Sateré-mawé. O carnavalesco Jack Vasconcelos elaborou uma versão fantástica da terra e seus encantados, em que os elementos dos reinos animal, vegetal e mineral apresentaram formas, texturas, grafismos e cores que se instauraram no campo mítico, muito além do real.
As esculturas de onças representam as Tapyra’yawaras, sentinelas da floresta, espíritos criados por Tupana para proteção da natureza. São elas, banhadas pela luz do Sol e pelo brilho da Lua, que trazem o paraíso de Nusokén para a Avenida. No segundo chassi, trazido por um cágado representando a ancestralidade, havia a imagem maternal de Aynhã, grávida de Kahu’ê. A figura de Aynhã se fundia com a de uma borboleta, símbolo de feminilidade e liberdade. O paraíso de Nusokén constitui Anhyã e todos os saberes da natureza estão com ela.
O segundo carro alegórico se chamava “Renascer e frutificar: a dádiva de Tupama”. Ao lançar os raios da boa aventurança, Tupana espalha a dádiva da fartura. Da terra, brotam as sementes nascidas do olho de Kahu’ê e regadas pelas lágrimas de Aynhã, provendo de vitalidade e energia o povo de pele vermelha. Representada de forma poética e estilizada, Aynhã tinha seu rosto encoberto por uma máscara feita em grafismos, de onde caíam lágrimas regando o solo em que brotava o waranã-sessé, o guaraná bom. A terra preta, a boa terra de plantar, foi representada no piso da alegoria, cuja forração apresentou geometrizações que estilizavam o chão em que Aynhã plantou um dos olhos de Kahu’ê.
A terceira alegoria simbolizava “Os frutos de uma nação”, trazendo à tona a formação da etnia sateré-mawé, o povo do guaraná. Em destaque, estava a lagarta de fogo ‘sateré’ e o papagaio ‘mawé’, que formam o nome da etnia. O quarto carro fazia alusão ao espírito maligno que espalha destruição, medo e ameaça o equilíbrio da vida e foi chamado de “A maldade de Yurupari avança pela floresta”. Na parte de trás da alegoria, paini-pajés oravam pelos espíritos de restauração, pelos benfeitores e pelas crianças. A última alegoria da Tijuca foi batizada de “Erê, essa mata é sua”, celebrando a vitória do amor com direito a guaraná, doces e muita brincadeira.
Fantasias
A primeira ala da Unidos da Tijuca veio com uma fantasia representando o alto céu, com dois figurinos, nas cores da escola, amarelo-ouro e azul-pavão, representando a polarização de energias cósmicas e os ciclos que regem o universo. De acordo com o enredo, durante o dia, A’at (o grande sol), em nome de Tupana (o bem), rege Nusokén, o paraíso segundo o povo sateré-mawé. À noite, Waty (a lua) vem comandar, em nome de Yurupari, as energias más que se revelam quando a luz vai embora.
O falante curumim Kahu’ê, personagem do enredo, apareceu na quarta ala da escola, de cores verde e vermelho, representando a floresta e os seres da mata. A ala “Os olhos do curumim” trouxe à tona, novamente, a questão da dualidade, pois na terra amarela nada se frutificou, mas, na terra preta, surgiu o bom fruto que daria origem ao povo sateré-mawé. “O revoar das borboletas” foi representado na ala de passistas da Unidos, que trazia todo o poder da transformação e da reexistência, colorindo a passarela do samba.
Diversos clãs indígenas foram representados na alas da Unidos da Tijuca, como por exemplo os “Tuxauas”, os “Wanturiá”, os “Koreiwá”, os “Hawariá” e os “Napu’wany’ã”. A ala das baianas da Tijuca fazia referência ao poder da Jurema, que em ritos religiosos, entre danças, cantos e infusões, manifesta-se em incorporações por meio da ingestão da bebida sagrada. A fantasia, predominantemente azul e amarela, trazia um colorido sutil na barra das saias das senhoras. Os materiais utilizados pelo carnavalesco Jack Vasconcelos eram simples, porém tiveram um belo efeito visual.
Evolução
A Unidos da Tijuca apresentou problemas de evolução desde de o início de seu desfile. O enorme carro abre-alas teve alguns problemas na acoplagem, o que levou a abrir um grande buraco em frente ao setor 3. Isso acabou fazendo com que a escola evoluísse lentamente nos primeiros setores. Aos poucos o ritmo de desfile da Tijuca foi se acertando. Alas como “Os olhos do curumim” abriram um espaço um pouco maior do que o necessário entre as fileiras. A escola concluiu seu desfile sem maiores correrias.
Harmonia
A Unidos da Tijuca apresentou um canto uniforme ao longo do seu desfile. A comunidade do Borel cantou o samba-enredo com muito vigor e intensidade, do começo ao fim, mantendo a mesma energia. O refrão “Erê, essa mata é sua… é sua. Erê, vem provar doce mel” foi o ponto alto do samba, que impulsionou a harmonia da escola. Destaque para o canto das alas “A castanheira sagrada”, “Os olhos do curumim”, “Lagarta de fogo Sateré” e “O renascimento da floresta”.
Samba-Enredo
O samba-enredo da Unidos da Tijuca foi um dos pontos altos do desfile da escola. Seu refrão principal, além de ser fácil de cantar, possui uma melodia contagiante que fica na cabeça: “Erê, essa mata é sua/ Erê, vem provar doce mel”. A dupla de intérpretes Wantuir e Wic Tavares, que são pai e filha, estava bem entrosada com o carro de som e a bateria Pura Cadência. A obra é uma composição de Eduardo Medrado, Kléber Rodrigues e Anderson Benson.
Outros destaques
Um pede passagem que trazia o Pavão, símbolo da escola, abriu os caminhos para contar a saga do povo sateré-mawé, que se dá no tempo mítico dos deuses do panteão indígena. A Unidos da Tijuca encerrou seu desfile com uma verdadeira ibejada, a festa dos erês, distribuindo doces para o público que acompanhava o desfile da escola.
A bateria da Tijuca veio vestida de “Ao som do trovão de Tupana”, simbolizando a voz do pensamento bom que restabelece o equilíbrio vital sobre a Terra. Mestre Casagrande representava o “originador”, o primeiro sateré-mawé.