Em 2024, a Mocidade Alegre conquistou o bicampeonato consecutivo do carnaval de São Paulo. Foi o 12º título da Morada do Samba, que assumiu isoladamente o posto de segunda maior campeã da folia paulistana, e a oitava taça obtida sob comando da presidente Solange Cruz Bichara Rezende.
A gestão de Solange começou em 2003 após o falecimento de sua irmã, Elaine Cristina, dando continuidade a um processo de reestruturação que rendera seu primeiro fruto significativo naquele mesmo ano, quando a Mocidade Alegre foi vice-campeã com “Omi – O Berço da Civilização Iorubá’, um enredo acompanhado de um samba até hoje entoado com alegria pela comunidade da Zona Norte.
O site CARNAVALESCO, através deste “Entrevistão“, conversou com uma das mulheres mais vencedoras do carnaval brasileiro. Uma pessoa que, por trás das inúmeras conquistas, revela ser gente como a gente, com suas qualidades e seus defeitos, e com suas esperanças e seus receios em relação ao futuro das escolas de samba.
Quem é a presidente Solange da Mocidade Alegre?
“Estou há 20 anos nessa gestão. Sou uma pessoa brava, detalhista, chata, que pega no pé à beça, mas porque a gente quer chegar à excelência, o que é difícil e às vezes até impossível. Ninguém consegue chegar à excelência, mas a gente trabalha para chegar perto disso. Às vezes a gente dá uma esmorecida, às vezes a gente volta. Acho que eu sou uma Solange decidida no que quer, apesar de ser libriana, o signo da justiça que está sempre ali na balança, mas eu gosto das coisas certas e justas.
Sou mãe, sou avó, sou tia. Gosto muito de crianças e estou sempre cercada dos meus sobrinhos levando para o cinema, para isso, para aquilo outro, uma coisa que faço totalmente fora do carnaval e que às vezes ninguém conhece. Muita gente me vê no Rio, me vê em São Paulo, sempre voltada ao carnaval, sempre em outras agremiações, mas eu tenho minha vida própria também. No dia 31 de outubro comemorei 32 anos de casada com o mestre Sombra. Namorei, noivei e casei em um ano. Não estava grávida. Carlinhos, o Sombrinha, veio depois.
Acho que me tornei um símbolo, no modo de dizer, do carnaval de São Paulo, por ser mulher, uma das primeiras, por estar há 20 anos na gestão e há 17 anos no pódio. Acho que todas essas coisas acabam sendo um sinal de positividade para as coisas que acontecem, mas às vezes tenho receio de as pessoas acharem: ‘ah, a Solange é uma coisa que eu não posso tocar’, que eu posso ficar me endeusando, me idolatrando, achando que eu sou diferente. Não, eu não sou diferente de ninguém. Tenho minhas falhas, tenho meus erros, meus defeitos que não são poucos. É para que todos saibam que todo esse êxito, toda essa trajetória ocorreu porque tem uma equipe sensacional por trás de mim. Tem uma equipe do meu lado, tem uma equipe que quer ver a escola acontecer. Tem toda uma comunidade que quando a gente fala eles escutam, e eles acreditam na diretoria da escola. Isso facilita o nosso trabalho, porque eles acreditam no potencial da direção, e a direção acredita no potencial deles. A confiabilidade, a união, a troca, essas coisas todas fazem com que isso aconteça.
Não sou uma pessoa diferente de ninguém, e às vezes me assusta o fato de como as pessoas me idolatram, me abordam, choram, me trazem lembranças, presentes e tudo mais porque às vezes eu até peço perdão e nas minhas orações eu falo: ‘meu Deus do Céu, eu não sou assim’. Às vezes acho que as pessoas estão me vendo de um outro jeito, e parece que estou enganando minha santa, meu Deus, daquilo que eu acredito na minha fé. Sou uma pessoa comum, cheia de falhas como todo mundo. Claro, tenho meus pontos positivos, mas também tenho os negativos, e é isso. Solange mãe, Solange avó, mãe de todos de uma comunidade grande, gosto disso e amo o que eu faço. Vou falar agora igual o meu amigo presidente Markinho da Tom Maior, muito meu amigo e que Deus o tenha, que dizia que quem corre atrás do que gosta não cansa. Acho que toda essa mistura, quem me fez ser a Solange que sou hoje, é todo esse pessoal que trabalha junto comigo, do meu lado, perto de mim. Eles têm parte dessa construção da Solange.
Muito de mim veio da minha criação, de tudo que eu aprendi. Sempre fui líder desde pequena. Era líder de turma no colégio, tanto na oitava quanto no colegial, e fui inspetora de alunos. Sempre fui dessa coisa do liderar, de estar: ‘ah quem vai falar na formatura?’ Eu adorava falar, gostava de ser oradora. ‘Quem vai ler alguma coisa?’ A Solange, né. Sempre fui muito de estar um pouco à frente, de gostar de me aparecer, de falar, de me expor, nunca tive medo disso, nunca tive esse receio. O mestre Sombra até fala que quando a gente está no supermercado, que o cara tá anunciando as promoções: ‘deixa eu sair de perto que é capaz da Solange pegar o microfone do cara e anunciar as promoções por ele’, de tanto que gosto de conversar, de me expressar, de falar. Quando a gente casou ele me zoava porque falou: ‘gente, casei com uma mulher que ela é meia doida’, porque um dia chegou em casa e só estava eu e ele, eu já estava em casa, ele chegou e ouviu vozes. Ele falou: ’mas meu Deus, com quem que essa mulher tá falando?’. Eu falava com o espelho, conversava com o espelho, me expressava no espelho. Sempre fiz isso. São técnicas de quem trabalha com oratória, mas na época não tinha isso. Não sabia que era isso, mas se eu estiver conversando com você e tiver um vidro, algo que me reflita atrás de você, eu estou conversando com o vidro e não contigo. Tenho muito dessas coisas que me ajudaram a desenvolver a fala, a oratória, essa coisa de conversar, de me expressar.
Convivi muito dentro da Mocidade Alegre para poder chegar aonde eu cheguei, passei por várias etapas dentro da escola. Conheço cada cantinho, cada buraquinho, cada vírgula, cada coisa que possa acontecer aqui ou ali. É onde tomo meus cuidados, é onde dobro meu olhar, essas coisas todas. Sou essa Solange. Meio doida, meio maluca e completamente feliz porque ama o que faz. Eu amo carnaval, amo essa arte da escola de samba. Ela te dá muita dor de cabeça, mas também te dá muitos retornos positivos. Sou muito grata por vivenciar e por viver nesse mundo de magia que é o carnaval, que depois que você entra você não quer mais sair”.
Quanto à grande carga de elogios e exaltação que você recebe, é perceptível a necessidade na sociedade de valores oriundos de pessoas autênticas. Quem é autêntico e vitorioso se destaca mais. Concorda?
“Às vezes a gente incomoda algumas pessoas por ser assim e é o que eu não gostaria. Procuro ser correta comigo e com os outros. Às vezes tem coisas que consigo para que a minha escola possa expandir, e vou lá expando. Não tenho inimigos. A gente tem oponente, adversário na pista, mas não inimigo. Não é um adversário direto, é um concurso. Às vezes as pessoas colocam aquilo com inimizade, mas não é. Nós estamos na mesma batalha, mas cada um com seu jogo”.
Você tem alguma formação superior? De onde vem sua experiência em gestão?
“Sou formada até o terceiro colegial. A vida me formou como gestora. Na realidade, passei por vários colégios porque eu aprontava muito e meu pai ia me mudando de colégio. O último colégio em que estudei é um colégio de freiras, o Colégio Padre Moye, no bairro do Limão. Me identifiquei demais lá porque quando colocavam a pessoa de castigo era na capela. Acho que é por isso que sou tão religiosa, que gosto de tudo isso, e uma das aulas que eu mais gostava era religião. Me dava muito bem porque eu administrava, gostava do oratório, gostava de ouvir, gostava das orações. Virava e mexia, eu estava de castigo e era na capela. Nunca me esqueço dessa irmã, a irmã Niltes, que me ensinou tudo isso, dessa devoção que tenho, e isso foi muito bacana na minha criação. O colégio também me ensinou a como me portar, como reagir, como conversar, como falar, e isso foi muito importante também. É muito engraçado isso porque depois meu filho estudou nesse colégio, e as irmãs de lá têm uma idolatria pela Mocidade Elas vão lá quando tem missa, e quando tem alguma coisa lá no colégio elas chamam a gente para participar. Tem irmãs da época em que estudei, como a irmã Zélia, irmã Mercedes, que ainda estão lá.
Eu tive uma criação onde me envolvi. Não fazia educação física, eu tinha que voltar para trabalhar. Meu pai tinha restaurante e justamente meio-dia era hora de almoço, e no meu colégio a última aula era educação física. Meu pai mandava uma carta para a escola, porque ‘não pode, ela tem que vir trabalhar’. Trabalho desde cedo e aprendi muito com a minha criação. Meu pai e minha mãe tiveram oito filhos e todos nós fomos criados trabalhando. Meu pai sempre teve comércio. A gente morava em Barueri e o comércio era no bairro do Limão. Muitas vezes a gente dormia debaixo do balcão, em cima de mesa de bilhar, aquela coisa toda. Saía correndo para a escola e volta. A vida não foi tudo um mar de rosas para mim, e muitas coisas aprendi na raça. Acho que falo alto porque eu falava: ‘sai um comercial, um sortido, um prato feito’, porque a gente trabalhava com isso, então uma das coisas que aprendi foi a me comunicar com o público. Desde cedo já trabalhava com isso, de servir, de atender e tudo mais. Depois fui trabalhar em marketing, com vendas através de telemarketing, e eu era muito bem comissionada porque falava muito, me comunicava demais. Eu era uma das vendedoras tops e uma das minhas realizações foi trabalhar nesse ramo. Fiz alguns cursos na Associação de Dirigentes de Vendas do Brasil. As pessoas me falavam: ‘não, eu não gosto de não’, e nesse curso a gente aprende a dizer não sem falar a palavra não. São várias coisas que a vida me ensinou e fui aprendendo.
Vivenciei as gestões do meu pai, do meu tio e da minha irmã, e com isso aprendi o que eu achava que gostaria de pôr e o que gostaria de tirar, o que eu gostaria de fazer e o que gostaria de não fazer, e isso também foi muito importante. O fato de ser uma pessoa completamente desinibida, desenvolta, eu subia, pegava o microfone e dava bronca no palco. Várias coisas tive que me melhorar para poder entender que não podia ser daquele jeito. Muitas vezes a forma de falar, que para mim é normal, para as outras pessoas parece ser agressiva, esse meu jeitão, e não é, mas sei que acabo transmitindo isso. Às vezes tenho que me policiar por conta desse meu jeitão de ser, mas foram todas essas coisas que me ajudaram a expandir, que me ajudaram a enxergar, que me ajudaram a ver, que me ajudaram a falar: ‘não, isso aqui dá certo, isso aqui não dá’. ‘Mas a gente quer fazer isso’, e eu falei: ‘isso não dá para o nosso bolso, a gente vai se atropelar, vai ficar devendo’. Quando peguei escola a tirei de uma grande dívida, e fiz tudo isso em um ano, aí no nosso primeiro ano a escola ainda foi campeã. Algumas das coisas que eram prioridades eram pagar as dívidas e fazer carnaval. Tudo isso foi muito louco, mas graças a Deus deu muito certo. Coloquei minha bolsinha debaixo do braço, fui na porta de vários fornecedores e falei: ‘sei que a minha escola deve, mas como é que a gente pode resolver?’, e assim foi. Na época a gente recebia ingressos, e a escola estava acostumada a ganhar. Eu falei: ‘ninguém vai ganhar, nós vamos vender para pagar dívidas’. A gente foi fazendo isso, e graças a Deus deu muito certo e a gente conseguiu passar dessa fase, o que foi muito bom para nós”.
A Mocidade Alegre é uma escola que desde a fundação sempre foi comandada por pessoas da sua família, certo?
“Os três irmãos fundaram. Meu tio Juarez, meu tio Salvador e meu pai Carlos. Meu pai já foi presidente, meu tio Juarez já foi presidente, minha irmã Elaine foi presidente, minha tia Laila foi presidente, meu primo Farid foi presidente. A gente teve toda essa jornada de passagens pela Mocidade Alegre”.
Qual legado que essas pessoas deixaram e que você carrega consigo na sua gestão?
“Vou falar de características de pessoas. Do meu tio Juarez, tudo. Ele era pavão, eu sou pavona. Gosto de brilho, gosto de estar na frente. Quero dançar, quero falar, quero tocar, e meu tio era assim. Por isso que todo mundo acha que meu tio Juarez era meu pai, e na realidade não era. Era irmão do meu pai. As minhas primas falam que elas são filhas do meu pai e que eu sou filha do meu tio porque realmente a gente era muito parecido. A gente brigava, batia de frente e tudo mais. Quando achava que estava errado eu falava, enquanto outras pessoas não. Sempre fui de me manifestar, então no meu tio eu carrego muito isso.
Do meu pai, ele era uma pessoa que estudou somente até a quarta série, mas era um craque em finanças. Fazia conta de cabeça, fazia divisão, era um cara de comprar, de vender, de isso, de aquilo. Hoje todo mundo aqui faz orçamentos, mas quem bate martelo nas compras sou eu. Eu que ligo, que negocio, que choro, peço desconto. Isso é uma das coisas que herdei do meu pai, e acho que do legado dele foi uma das coisas que eu trouxe.
Da minha irmã, ela era uma pessoa muito querida, só que ela era o oposto de mim. Era uma pessoa totalmente meiga, totalmente calma, totalmente na dela. Até tento ser, às vezes, um pouco alguma coisa dela, mas não consigo. Sou totalmente aleatória, totalmente diferente nesse sentido. O que acho que a minha irmã deixou é uma saudade muito grande no pessoal da Mocidade. Ela sempre foi uma pessoa muito querida e muito lembrada por este lado, muito amiga, muito parceira. Eu tento ser isso, mas da minha forma de ser e não da forma como ela era. Entendo que ela deixou essa saudade para todo mundo que é da Mocidade. Dessas três pessoas eu trago um pouquinho de cada um”.
Pesquisando histórias sobre a Elaine, consta que ela ajudou na composição do enredo de 2004 antes de falecer. Pode falar a respeito disso? E como foi prosseguir com esse trabalho que estava em andamento nas mãos dela?
“Quanto a isso daquele ano, a minha irmã sempre foi envolvida nos enredos. Ela era muito inteligente. A minha irmã era formada em administração, estudou até mais do que eu, e trabalhou em escritórios de administração. Ela era uma pessoa que lia demais, lia muito. Ela tinha essa sacada, essa inteligência, essa paciência de contar uma história. Eu, por exemplo, se vou ler um livro, começo do final. Leio o final, e se o final me agrada vou ler a história. Se o final não me agrada, já não leio. Sou uma pessoa muito ansiosa, ela já não. Ela era uma pessoa envolvida nessa parte toda do enredo, e era muito boa nisso. Foi aí que ela convida o Sidnei França para vir ajudar nessas partes, então esse enredo era dela com o Sidnei, e com o falecimento dela a gente deu um andamento e seguiu. Por exemplo, o enredo de 2020 das Yabás era dela também, só que esse enredo estava engavetado. Quando a gente foi trazer o Edson Pereira lá do Rio, eu falei para ele que tinham dois enredos para serem desenvolvidos. Ele escolheu o das Yabás e eu falei: ‘esse é um enredo da minha irmã’, e gente desenvolveu o trabalho em cima desse enredo. Houve aquela correção no Departamento Cultural, da nossa escola e do Edson também, que fez todas as adequações, mas aquele foi um enredo que era dela. A gente trabalhou muito em cima disso. A maioria dos enredos anteriores da Mocidade, mesmo os que foram de outras autorias, ela sempre teve uma participaçãozinha e deu os pitacos dela justamente por conta de ela ser assim, de ser participativa nesse sentido.
Eu já estava bem envolvida na escola. Já ia para o barracão, já fazia algumas coisas e já comecei a sentir como era. Tem coisas que chamam mais atenção. Por exemplo: ‘ah, fez uma fantasia’. Teve a festa dos pilotos (em preparação para o carnaval de 2024). Depois da festa dos pilotos, já teve um monte de coisas que já arrumei porque eu olho aquilo e falo: ‘não, isso aqui não tá legal, me incomodou’. Então, eu vou lá, já voltou: ‘isso aqui você vai pôr perneira, isso aqui você vai pôr não sei o quê, isso aqui você…’, e eu vou mudando. ‘Não ficou bom, tem que ter isso, tem que ter aquilo’. A única coisa que eu pergunto: ‘Jorge, ainda cabe na defesa? Tá dentro do enredo?’ Eu acabo tendo essa visão. ‘Ah, isso aqui vamos fazer assim porque vai acontecer’. Um exemplo, eu olhei uma roupa lá e falei assim: ‘essa roupa tá muito parecida com a da ala’. Eu cheguei aqui na segunda e falei: ‘não gostei dessa roupa, vamos mudar assim, assim, assado para a gente fazer aquilo’. Passou um dia, veio assim: ‘poxa, teve uma pessoa que achou que a roupa…’, e eu avisei aqui. A gente acaba tendo essa percepção, e sabe mais ou menos o que funciona e o que não funciona na Avenida, o que pode nos acarretar a perda de pontos. Por isso que o carnaval vai simplificando. Você fala assim: ‘ah não, não vou pôr isso aqui porque se cair eu vou perder ponto, só vou pôr isso aqui’, e ele vai ficando cada vez mais simples, mais enxuto, e mais: ‘ah, normal isso aí que eu tô vendo’. Justamente por causa disso. A preocupação hoje é não tirar pontos. Você vai se adequando”.
Ao longo desses 20 anos você teve muitos anos de sucesso, mas também teve aqueles momentos em que o esforço e a superação foram postos à prova. Quais foram os maiores desafios que encarou nessa sua trajetória como presidente?
“Às vezes, com o fato de a gente estar em evidência, é natural que os olhos se virem para nós. E é muito natural que a regra passa a ser feita em cima de alguma coisa que você fez. Isso não estou falando só de mim não, estou falando de outras agremiações também. E aí começa a se mudar tudo e vai se mudando, só que parece que a gente vai engessando mais. Parece que a gente vai: ‘ah, eu quero acertar ali’, mas a pessoa não percebe que acertando ali ela está atirando em todo mundo de uma vez, e isso eu acho ruim no carnaval. Quando as pessoas entenderem que a disputa é única e que todos participam, não existirão tantas divergências. As divergências que acabam existindo são por conta do carnaval do outro, não do carnaval em um todo, e isso é muito ruim. Quando você fala assim: ‘poxa, eu achei que a Mocidade merecia ganhar’. Será que você analisou todos os pontos ou você fez só o conjunto? Porque muita gente, quando faz esse tipo de análise, ela faz só do conjunto, e o jurado está ali para olhar só o dele. Muitas vezes acontecem todos esses tipos de situações.
Dificuldades, a escola vem numa crescente, ela vem se adequando. Claro que outras pessoas, outras agremiações, elas foram chegando nesse nível. Algumas até igualaram e outras até ultrapassaram, é natural, e a gente tem que estar sempre se policiando. Por quê? Eu sempre falo: ‘isso aqui é um concurso. O concurso do ano passado já foi, e quero ganhar o próximo’. E aí para isso meu trabalho é triplicado porque dobrado é para quem errou um pouquinho e quer dobrar para chegar e atingir. Eu tenho que triplicar. Não posso me esforçar só para fazer o dobro, porque o dobro todo mundo vai fazer, mas eu fui a campeã então tenho que fazer o triplo. Meu pensamento, não sei se é de todos, mas é o meu. A gente sabe onde a gente tem que se policiar, onde a gente não tem. Falhas vão acontecer, é natural, é normal. É muito ser humano junto por um único propósito. Existem as dificuldades do decorrer, mas fiquei nove anos buscando o troféu que veio esse ano. Batia na trave e voltava, alguns erros foram nossos e outros erros não foram nossos. Mesmo assim, a gente tem que lidar com a perda, o jogo é esse. Faz perder, faz ganhar, te amadurece, te ensina, te recicla, te renova. São várias coisas que acontecem. Nove anos sem ganhar, você fica também querendo buscar algo diferente para sua escola, para sua comunidade. ‘Por que é que nós erramos? Por que é que não tá dando certo? Onde nós estamos errando?’ Isso é natural, e acredito que esse pensamento e essas perguntas todos se fazem. Não é tão fácil quanto se parece. Ter ganho torna mais difícil o próximo ano e a gente sabe disso.
Dificuldades não é uma, são várias. Tudo para o carnaval é difícil. Tudo para nossa cultura é difícil. A Liga-SP teve vários avanços que eu acho incrível, muito bacana. Estar na Fábrica do Samba hoje, estarem as 14 escolas aqui. Estar utilizando outros espaços. Estar ampliando para UESP utilizar, para as velhas guardas utilizarem, para Faculdade Zumbi dos Palmares utilizar, para fazer encontros, como houve o das mulheres. Acho que isso é um grande avanço, que está trazendo o povo da nossa cultura para dentro da casa deles. Isso não é meu, isso é nosso, é para todo mundo que precisar usufruir. Eu só cuido, sou zeladora desse espaço. Sou zeladora, não sou a dona. Todo mundo tem que ter essa consciência de que somos zeladores desse espaço e que tenho que estar de portas abertas para te receber. São várias coisas que a gente vai administrando, vai aprendendo, vai entendendo, vai algumas coisas deixando para lá porque não vale a pena o desgaste. Acho que no nosso caminho, na nossa trajetória, sempre existe algo que nos atrapalhe, não tem jeito. O que a gente precisa saber é lidar com tudo isso. Fácil não é, nunca foi, e nem acho que vai ser daqui para frente. Mas o prazer de conseguir ele é dez mil vezes maior do que a decepção de algumas coisas que acontecem no carnaval”.
E justamente em relação a esse prazer de conseguir, tem algum momento nesses 20 anos que você guarde no seu coração com um brilho maior?
“Acho que o campeonato que mais me deixou com brilho nos olhos é o de 2004, porque fazia 23 anos que a escola não ganhava. Eu tive uma aceitação muito boa da minha comunidade, mas não tive do meu tio Juarez. Ele era o fundador da escola, uma pessoa que todo mundo batia a continência, e quando eu assumi ele nem na escola entrava, ficava do outro lado da rua. No começo ele foi bravo comigo, foi terrível. Esse foi um ano difícil para mim. Foi o falecimento da minha irmã, foi por a escola na rua, foram dívidas para pagar, foram várias coisas que aconteceram. E esse ano ainda foi marcante porque ele teve dois concursos. No desfile das campeãs, teve a supercampeã e a Mocidade ganhou de novo. Trouxeram alguns jurados do Rio de Janeiro para fazer um superconcurso porque eram os 450 anos da cidade de São Paulo. A Mocidade ganhou os dois concursos e para nós foi muito gratificante. Tinha um outro agravante, a Mocidade tinha sido a última desfilar, com dia claro. O nome do enredo foi o Sombra que colocou, ‘Do além-mar à terra da garoa, salve essa gente boa’. Foi um trabalho onde todo mundo quis trabalhar e ressuscitar a escola. Foi muito bacana ter passado por essa vivência depois conversando com o meu tio. Ele me pedindo perdão, ele chorando, falando que a escola voltou para o lugar que merece, e dali para frente ele me apoiou. Isso foi em 2004, e em 2009 ele faleceu, justamente no enredo do coração. Foi lá na apuração, dentro da quadra, que ele foi socorrido. No ano em que a gente falava do coração, ele vem a falecer do coração. E o Seu Juarez sempre disse para minhas primas, para todos nós, que não gostava de assistir à apuração. Ele falava assim: ‘ah, filha, a gente saía, entrava lá naqueles cinemas lá do centro da cidade, assistia o cineminha lá e quando a gente saía perguntava pro lanterninha, que os caras ficavam com o rádio. Sabe aí, quem ganhou o carnaval, quem ganhou o carnaval?’. Ele falava para a gente que não assistia, e justamente nesse ano de 2009 ele foi assistir lá na quadra. Lá ele passa mal, dali é socorrido e não volta mais para o carnaval. A Mocidade tem várias histórias, vários contos, várias coisas que ocorreram, que marcam muito os nossos carnavais. 2004 e 2009 são marcos grandes para mim assim, com lembranças familiares, ligadas à essas perdas. São ganhos misturados com perdas, mas foram coisas marcantes para a escola”.
Uma das características que muita gente lembra de você é justamente em dia de apuração, que você sente bastante emoção. As lembranças do passado vêm nesses momentos?
“Claro. Muito, muito. É muito doido isso. A gente sempre falava aqui na Mocidade, toda vez que chegava o mês de aniversário morria alguém. A Sônia porta-bandeira, meu primo Charles, filho de Seu Juarez, faleceu também em setembro do ano passado. Você vai analisando e a gente fala: ‘ah, a escola vai fazer aniversário, é um mês sinistro para nós, e não sei o quê, e aquela coisa toda’. Você lembra muito de tudo que você passou, de como é hoje, porque sou do tempo que o juizado de menores invadia a quadra. Eles entravam para tirar as crianças e o pai só ia buscar lá na delegacia. Quando o juizado chegava nas quadras a gente já sabia para qual quartinho correr, onde se esconder, porque tudo era treinado. Era debaixo de saia de baiana, era dentro de algum surdo sem pele, todo mundo já sabia o que fazer.
Eu participo de um carnaval que vem lá de trás. Desfilei na São João. Você passa por tantos momentos que você vai vendo e fala: ‘meu Deus, que evolução, olha o ponto que chegou, olha como chegou’. O meu único medo, o meu único receio, é a gente acabar com toda essa tradição. Eu lembro que um ano eu estava no Boi lá em Parintins e um dos bois fez o espetáculo todo voltado com os tecidos laminados, meio carnaval, e perderam vários pontos porque lá é terra de perreché. Eles falavam que lá tinha que ter sido mantida a tradição, que eles trabalham com as coisas rústicas, pintadas à mão, tecidas com a mão, esculpidas, então eles queriam que aquilo prevalecesse, e eles não deixaram essas coisas entrarem. Nós não, nós já passamos por um outro tipo de avanço. A gente quer ver coisas mirabolantes da comissão de frente, e a comissão de frente foi criada para apresentar a escola de samba. Hoje ela já não tem mais esse papel. Você percebe que as coisas mudaram. ‘Ah, essa personagem’. No carnaval passado as minhas baianas saíram de gueixas, e uma preocupação das minhas baianas negras foi: ‘como é que a gente vai pintar a cara de branco? Vão dizer que é escola…’, mas elas estavam representando um personagem. A gente tem muito receio de como isso possa soar.
Hoje nosso cuidado é dobrado para falar da nossa cultura, para falar da nossa arte, para falar daquilo que a gente aprendeu, daquilo que a gente viveu. Não é mais do jeito que era antes. Antigamente você sentava e ouvia as histórias da velha guarda, hoje você não ouve. Tem escolas que não tem velha guarda, tem outras que nem fazem questão, e tem outras que deixam eles lá num canto sem utilização. Eu não concordo, mas ao mesmo tempo para você ganhar, você tem que se adequar a um monte de coisas senão você fica para trás, como algumas escolas tradicionais que estão lá no Acesso 1 e no Acesso 2, e que na minha cabeça não entra. São todas essas coisas que o carnaval nos proporcionou e nos proporciona. Motivos de alegrias e às vezes motivos de tristeza. Mas por que a gente não larga? Porque sambista é um bando de sem-vergonha com muito amor. A gente apanha, apanha, apanha, leva na cara, a pessoa te xinga, mas porque eu amo o pavilhão amanhã estou lá de novo. A gente percebe que esses avanços que chegaram, a tecnologia, esse monte de coisas acaba fazendo parte de tudo isso, mas engessam um pouco mais o carnaval a cada ano que passa. Não que seja proibido você fazer o tradicional, porém você percebe que não é o tradicional que está te dando a nota. Você tem que participar do concurso. Você não entrou num concurso? É isso”.
Uma das tradições que tem se perdido cada vez mais nas escolas de samba são os concursos de samba-enredo. A Mocidade Alegre é uma das que que segue apostando no modelo de eliminatória aberta para definir suas obras. Esse movimento que ocorre te preocupa?
“Totalmente, porque as eliminatórias acabaram em São Paulo. A gente não consegue achar um formato onde todo mundo consiga participar. O CD caiu na graça deles, mas não cai na nossa porque você não consegue ouvir o samba na quadra, com a sua bateria, com as pessoas cantando. Isso é muito ruim porque é uma das melhores fases de uma escola de samba, as eliminatórias”.
O que você imagina que levou à ocorrência desse movimento?
“É o que futuramente também vai acontecer com o carnaval. O excesso de avanço, quanto mais for investindo o dinheiro. Quem tem investe, quem não tem não, e chega uma hora que a pessoa não tem mais para investir. O negócio está ficando cada vez mais caro. Ele vai pondo, ele vai pondo, sai de um carnaval endividado. Daqui a pouco vai virando uma bola de neve, a escola está endividada, isso, aquilo e já era. Eles põem milhares de parceiros para ganhar em todos os lugares para tentar pagar despesas. Mas hoje muita gente também está migrando daqui para o Rio para fazer samba lá, e os caras de lá que fazem samba aqui não põem a cara, só o nome. Aqui em São Paulo tudo fica um pouco mais difícil, não é a mesma vivência que o Rio tem de carnaval. Aqui é uma cidade cinza, que chove. É uma cidade ‘workaholic’, que a gente fala que dorme pensando em trabalho, acorda pensando em trabalho, tanto que olha a hora, olha a hora, olha a hora, olha a hora. São Paulo é uma máquina, ela não para. O Rio vive melhor essa parte por também ser uma cidade turística, já que escola de samba é um passeio turístico. Como tem muita gente que frequenta lá, então o gringo paga a conta daquele que não consegue pagar. Você vende uma fantasia a X preço para um e que já acaba pagando a da comunidade, o que eu acho bacana. O clima é diferente, a cerveja é mais gelada, a praia está ali. Tudo isso faz com que você vivencie aquele carnaval. É diferente daqui, em que você vai sexta, sábado, domingo, segunda, terça… Terça, depois meio-dia, todo mundo vai trabalhar e não tem resquício de carnaval na cidade. No Rio você anda e é resquício por três, quatro, cinco, seis semanas, que são os blocos na rua. É gente em tudo quanto é lado, é na praia. Existe essa diferença, e é natural que esse investimento seja maior até porque o marketing lá é maior. Eles são marqueteiros, eles vivenciam muito isso. A minha preocupação é que com isso São Paulo vá perdendo algumas essências que não deveria perder. O cara fala: ‘ah, mas é difícil concorrer samba-enredo porque o intérprete é caro’, mas ele quer trazer o intérprete do Rio. É transporte, estadia, alimentação, mais o cachê. Concordo, fica caro. A gente precisa achar um meio-termo para saber de que forma conseguir agraciar a todos para poder fazer um grande festival”.
Você imagina alguma maneira de as escolas conseguirem fazer com que o seu produto continue popular e valorizado para que ele siga se perpetuando?
“Não sei se existe algo e que eles possam achar que isso seja retrocesso e não avanço. Eu encaro como avanço. Voltar a ser estudado como sambística, por sambistas, sambisticamente falando, criar conteúdo. Se você analisar, se um cara para na ala e começa a sambar no pé, é ele que está errado porque o resto da ala está fazendo a coreografia, está andando, está fazendo o que todo mundo ia fazer. Então como fazer com que isso tudo mude, volte? Até porque não é proibido, mas a tendência de quem está ganhando não é essa de quem está sambando. Eu, sinceramente, acho que a gente precisa sentar, se reestruturar, se rever e passar por uma sala fechada e entender o que a gente quer. Toda vez que a gente ainda faz isso, começam a vir novas regras e às vezes mais apertadas, e você tem até medo de falar. É melhor não falar, sabe?
Existe outro lado. O presidente da Liga-SP, Sidnei Carriuolo, ele é sambista há muitos anos e isso é muito bacana. Hoje, por exemplo, no quesito mestre-sala e porta-bandeira, a gente chama o mestre Gabi, a gente chama o Ednei, isso eu acho bacana. São pessoas referências no carnaval que podem ter embasamentos, que podem dar embasamento, que mesmo eles dando curso ou passando para o coordenador como seria o curso, a gente também pode utilizá-los para ensinar para todos nós. Eu acho isso legal porque o cara ensina o coordenador que vai dar o curso e ao mesmo tempo ele ensina as pessoas a treinarem aqui para se dar bem aqui. Isso é bacana, mas eu não sei se a gente consegue fazer isso com todos os quesitos. E por quê? Porque o quesito mestre-sala e porta-bandeira é tradicional, então mesmo eles tendo uma história lá atrás, ela continua a mesma história que nós estamos contando hoje relacionada ao pavilhão, à defesa dele e como dançar. Outros quesitos já sofreram muitas mudanças, então talvez um diretor de harmonia lá de trás já não se adequa agora para nos dar esse curso. Um cara de evolução lá de trás, ele pode vir aqui e dar todo o parecer dele, mas não é o que a gente está levando adiante ali. Tem muito disso que a gente precisa entender, avaliar, analisar, mas eu acho que o Sidnei já começou por um caminho legal. Ele está trazendo pessoas para dentro da casa, dando abertura para as escolas falarem, dando abertura para as escolas se manifestarem. Se vai dar certo ou não a gente vai esperar o resultado, mas acho que já foi o início, já foi um pontapé.
Uma outra coisa bacana que acho que o Sidnei vem fazendo é o resgate da velha-guarda do carnaval de São Paulo. A abertura de sexta-feira do carnaval mais todo o trabalho que ele vem fazendo aqui na Liga. A velha guarda está fazendo feijoada, a velha guarda agora tem carteirinha da Liga, e isso é muito bacana. Isso para mim é muito gratificante. Eu creio que meu tio Juarez, meu pai, meus tios, devem estar falando: ‘poxa, a gente não conseguiu, mas eles conseguiram’. É um avanço, isso acho bacana. Essa valorização que vem acontecendo, a gente tem que tirar o chapéu para ele sim porque ele é uma pessoa que está vivenciando esse outro lado e implantando antes que o legado dele acabe como presidente da Liga. Acho isso bacana, esse novo implemento que a Liga está fazendo”.
Quando assumiu a presidência da Mocidade Alegre, você encontrou algum desafio pelo fato de ser mulher?
“Na Mocidade, não. Era muito natural que eu assumisse, a escola meio que já esperava. Quando faço reunião lá, que eu brinco e falo: ‘já tô cansada, tô querendo ir pra velha guarda’, e eles: ‘pelo amor de Deus, presidente, não, não sei o quê, não sei o quê’. Mas não, na minha escola foi muito natural, era muito automático. A escola vive esse lance-família, ela entende que dá muito certo isso. Então, na escola eu não tive. Na Liga, quando eu cheguei, não que eu tivesse restrição, mas existia muito aquela coisa de serem todos homens, e aí as mulheres que estavam chegando lá eram eu e a Angelina porque minha irmã faleceu naquele ano e o pai dela também. No velório do pai dela eu pergunto para ela quem que ia na Liga fazer isso. Ela falou: ‘ah, eu nem sei, acho que eu vou mandar alguém’. Falei: ‘ah não, é meu primeiro ano, vamos juntas. A gente vai juntas, eu não dirijo’. A gente começou a nossa amizade aí. Foi aí que a gente começou a vir juntas para a Liga e essa coisa toda. Já tinham duas mulheres ali, e aí ficava muito isso. Eles falavam quando a mão batia na mesa: ‘ai, desculpa, agora tem mulher’. Eu não gostava da forma como falavam. ‘Gente, é normal para mim. Vocês falam palavrão, eu também sei falar. Vocês batem na mesa, eu também sei bater. E assim tá tudo certo pra mim. Então vamos parar com esse negócio, agora tem mulher, agora tem mulher, porque não muda em nada. Vocês vão gritar, eu vou gritar. Vocês vão falar alto, eu vou falar. Você vai falar que nem homem, eu vou falar igual mulher e tá tudo certo’. Dali para cá eu ouvi, prestei atenção, entendi que hora eu deveria falar e que hora eu deveria me calar, e graças a Deus deu tudo muito certo para minha escola. Sou uma pessoa que me posiciona, não sou uma pessoa que me escondo. Eu não voto para agradar ninguém. Voto em prol da minha escola. Estou lá representando a minha agremiação. ‘Ah, porque a Solange é amiga da Angelina ela vai votar igual a Angelina’. Não vou. Se o voto dela for diferente do meu, ela vai votar o dela, eu vou votar o meu e a amizade continua a mesma. Sou muito determinada e posicionada naquilo que é bom para minha agremiação, até porque estou sentada nesta cadeira representando esta escola. Vou lá para fazer a minha parte, que é ver o que é melhor para minha escola. Muitas vezes eu perco, paciência, mas faço com que registrem meu voto”.
E nos dias de hoje? Como é a sua relação com os outros presidentes das escolas?
“Eu não tenho problema com ninguém, mas também não sei se alguém tem comigo. Sou muito amiga da Angelina e muito amiga do Edu do Tatuapé. São pessoas que frequentam a minha casa, frequentam a minha vida pessoal, são pessoas que já tenho mais proximidade. O Sidnei é uma pessoa que eu considero parceiro, amigo, sempre de boa, nunca tive problema nenhum e é um cara que eu admiro. Carlão é novo, chegou esse ano como presidente da Tom Maior, e fui muito amiga do Markinho. Me dou super bem com o Rodrigo Delduque, que também quando eu cheguei ainda era o presidente Jamil e o Rodrigo passou a vir depois. Conheci o Borjão do Barroca e hoje é o Cebolinha, que eu adoro. Eu adoro Cebolinha, é uma pessoa de uma vibe muito boa, de um astral super legal. A Érica também chegou agora no Especial. Nunca tive muito contato, mas também nunca tive nenhum problema.
Eu estou sempre na quadra de todo mundo. Vou na quadra da Nenê, vou na quadra do Império, vou na quadra da Mancha. Para mim está tudo bem, está tudo certo. Agora, se um dia eu sentir que tem algo diferente, eu não vou, né? Mas até então vou em todos os lugares porque eu gosto. Eu gosto de samba, gosto de bom samba. Gosto de ouvir, gosto de participar. Tem vezes que você fala assim: ‘putz, aquela escola acertou no samba e você não’, e faz parte, se desdobra porque você tem uma coisa a mais para correr. É tudo isso que faz parte”.
Quanto a você estar em todo lado ouvindo bom samba, você foi homenageada em 2022 no carnaval de Santos pela Sangue Jovem e em 2024 foi novamente, agora no carnaval do Rio de Janeiro pela Unidos da Vila Santa Tereza. Como é que você se sente em relação a isso?
“Ah, eu me sinto muito feliz. Você percebe que o seu trabalho está sendo olhado, está sendo visto em outros estados, em outros lugares, isso é muito legal. Estava vendo uma matéria do Marcos Mion esses dias falando de homenagens em vida e poxa, caramba… Já foi muito incrível para mim ser enredo lá em Santos. Eles foram de um carinho, de um cuidado comigo muito grande, mesmo não tendo tantas condições, mas a Mocidade ajudou no que pôde. Foi muita gente nossa para desfilar. Foi incrível, foi muito legal, foi um momento único. E agora vou para mais um. Eu olho para a Santa Tereza, e as meninas são muito fodas, são muito guerreiras, elas são demais. E é tudo mulher, né? Tudo mulher, tudo mulher. E uma correria, uma arruma aqui e uma arruma ali. Acho elas muito porretas, muito determinadas, e eu me identifico. Você percebe a humildade, a realidade totalmente diferente da sua, mas você olha no olho e é o mesmo brilho. É a mesma vontade de chegar aonde a gente chegou, de estar onde a gente está. E elas são bravas, sabe? Me identifiquei muito. Eles fizeram uma recepção para mim no dia que em estive lá que falei: ‘meu Deus’. Foi demais, foi demais. Você percebe que as pessoas se desdobraram para te fazer aquele carinho, aquele agrado. Estou muito feliz. Ganhei a imagem da Santa Tereza quando estive lá e eles foram demais comigo. Somente gratidão”
Para finalizar. Como exemplo de sucesso, de pessoa que valoriza a tradição, qual legado que você pretende deixar para o carnaval daqui para frente? E com base nisso, você tem o desejo de um dia presidir a Liga-SP?
“O legado eu acho que a minha família se faz presente dentro da minha escola, e isso é muito importante. Não só a minha família. É muito louco isso. Vocês estiveram lá no lançamento dos protótipos, o qual a recíproca foi, graças a Deus, muito positiva. Fiquei muito feliz com toda a recíproca. Entrou um garotinho lá de gazeteiro, e a mãe dele está aqui hoje. Então a mãe dela foi porta-bandeira da Mocidade, e ela iniciou na ala das crianças. Hoje ela é da direção de carnaval, e o filho dela está na ala das crianças. Só conta a história que tem para contar. Tem muita coisa se formando dentro da nossa agremiação. É ala de crianças, é pais que desfilam porque as crianças podem desfilar, porque tem muitas escolas que não têm crianças. Então tem toda essa coisa louca. A Mocidade Alegre tem velha guarda das baianas porque elas não querem parar. Tirar a escola delas é como tirar o coração, então tem um lugarzinho para elas. E aí a gente vai criando, a gente vai formando, a gente vai deixando, porque a gente sabe que vai ter muita gente. Por exemplo, a bisneta do Seu Juarez, ela toca repinique. A Lara tem nove, dez anos, e toca muito bem. O bisneto, que é o Pedro, faz aula, o que é engraçado, lá no Rosas de Ouro porque tem escolinha mirim de crianças. A gente tem uma gama de pessoas. O Carlinhos é uma pessoa super, meu filho, o Sombrinha, é completamente dedicado à bateria. Hoje a maioria das coisas ele acaba fazendo, é um menino muito querido. Ele participa da gravação de várias agremiações, participa da gravação da UESP, toca no SP Ritmo, viajou para Portugal tocando, tocou com os Gipsy Kings que eu amo. Ele segue esse caminho que eu acho que é muito bacana, muito legal, que está no sangue.
Pretensão de ser presidente da Liga eu não tenho. Muita gente me pergunta isso, muita gente fala isso, mas eu não tenho. Acho que a Liga requer um tempo muito grande. Não sou a favor de presidente de escola de samba ser presidente da Liga. Sou a favor de um gestor, sempre fui. Quando a gente terminou o mandato do Serginho, a ideia era essa, mas depois ela foi mudando. Acontece, tudo bem, mas não sou a favor. Acho que o presidente de escola de samba tem que cuidar da escola de samba e um gestor cuidar da Liga. Claro que tem assuntos que cabem a nós, presidentes, mas isso não tem problema porque a gente se reúne e decide. Então é essa a questão. Acho que a Liga requer tempo, demanda. Já fui diretora de carnaval da Liga e lá atrás eu já saí porque a minha escola precisou de mim. Depois eu voltei, agora com o Sidnei, e depois saí de novo. Hoje sou presidente do Conselho porque a escola foi campeã, e está lá no regulamento que a escola campeã é a presidente do Conselho, mas se não, não, eu estaria me dedicando hoje à minha escola, que é o que estou fazendo. Hoje acho que a minha escola requer o meu olhar mais intenso para eu poder me dedicar a outras coisas. E tem o lado também de que agora eu virei avó. Meu neto está com oito meses. Já não tive muito tempo na minha gestação e na minha trajetória com o meu filho porque ele teve que acompanhar tudo isso. Ele dormiu muito debaixo de mesa, juntando cadeira e tudo mais. Filho de sambista é assim. Mas quero também curtir meu neto, quero ter saúde para isso, porque é totalmente diferente ser avó. Você pode fazer tudo de errado porque o problema depois é da mãe, não é mais nosso. Também estou vivendo muito essa parte. Eu gosto muito, não nego para ninguém, que gosto muito de carnaval. Gosto muito de trabalhar em prol do carnaval, mas acho que tudo tem que ser saudável e tem que ser para todos os lados, e no momento eu preciso cuidar um pouco da minha escola, que é a minha família”.