Por Gabriella Souza

Moacyr da Silva Pinto é o nome de batismo. No mundo do samba é mestre Ciça. Um dos mestres de bateria com mais história do carnaval do Rio, ele relembra com nostalgia e orgulho. “São 32 anos nessa caminhada e nunca fiquei de fora do carnaval”. Ciça inovou, trouxe técnica e seriedade para as baterias que passou. Retornou para Viradouro em 2019, onde já realizou desfiles marcantes e que garante estar fazendo um trabalho de nível altíssimo para 2020. Na série ‘Entrevistão”, ele conta seus momentos inesquecíveis no carnaval, das amizades que fez, declara seu amor à Estácio, elogia os jovens mestres de bateria e se diz orgulhoso de sua história com altos e baixos. Mas, claro, sem nunca desistir do carnaval.

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Você acha mais importante a bateria se apresentar pensando na nota ou no público?

Mestre Ciça: “No carnaval de hoje nós temos essa preocupação com os jurados. Tecnicamente, eles estão muito mais exigentes. Eu gosto sempre é de fazer um desfile também pensando no público, isso é muito importante, afinal, eles pagam para ver o espetáculo. Claro que nunca deixando de ser técnico na hora da apresentação, eu faço meu desfile para os dois”.

Aquele momento no desfile das campeãs com a Grande Rio em 2014, quando você fez aquele gesto para os jurados, você temeu pela sua carreira ali?

Mestre Ciça: “Na hora foi um impulso mesmo, um momento que eu tive, mas que não me prejudicou em nada. Quando eu saí de lá fui logo acolhido pela Ilha onde construí um belíssimo trabalho. Agora estou de volta junto da Viradouro e continuando minha história na escola e no carnaval”.

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Como é hoje a sua relação com a Estácio?

Mestre Ciça: “É a escola do meu coração, ainda moro no bairro do Estácio e sempre quando posso vou no ensaio de rua deles e na quadra. Lá, eu aprendi muito do que sei hoje de samba, onde me criei e está a minha família. Tenho uma história grande e bonita dentro da escola, fiquei lá por quase 12 anos na frente da bateria, fomos campeões em 92 (Paulicéia Desvairada – 70 anos de Modernismo) o único título que a escola tem e eu participei. Fico muito feliz vendo a Estácio no Especial, dando a volta por cima, uma escola grandiosa que é, um celeiro de sambistas. As pessoas às vezes não tem noção do quanto de sambistas essa escola cria, pessoas que fazem história no carnaval mesmo que em outras escolas, mas que começaram lá. É a minha escola, torço muito. Até ficava triste quando ela estava no Acesso, mas agora estou na esperança de que possa fazer um grande desfile”.

Muitos dizem que você recuperou a bateria da Ilha. Como você está vendo o trabalho do Keko e do Marcelo na escola?

Mestre Ciça: “Fui muito bem sucedido na Ilha. Me receberam naquele momento complicado em que eu saí da Grande Rio. Foi mesmo um desafio para mim no começo, mas realizamos um trabalho de quatro anos com o intuito de resgate da bateria. Eu sempre considerei a Ilha como tendo uma grande bateria no passado e eles não mereciam continuar como estavam passando sem cravar notas boas. Quando eu cheguei, fizemos um resgate unindo o povo da Ilha, que tem muita qualidade. Fiz um grande trabalho com eles e fui muito feliz naquela bateria. Em relação ao trabalho do Keko e do Marcelo eu estou achando muito bom, eles também eram da minha equipe, uma ‘garotada’ muito boa que está mantendo um ótimo nível de trabalho, tanto que ano passado gabaritaram os dez. São pessoas sensacionais, estou sempre em contato com eles e temos uma amizade muito grande, assim como outros diretores de bateria da escola. Foi um momento muito bom que vivi na Ilha”.

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E como você avalia essa geração de jovens mestres que vem ocupando um novo espaço?

Mestre Ciça: “Tem uma ‘rapaziada’ muito boa agora comandando as baterias e estou gostando de ver, eles são muito bons, não vou citar nomes porque posso esquecer de alguns. Eles estudam música e isso é o diferencial, na minha época quando comecei em 87 nós não tínhamos muito essa cabeça para pensar nisso. Mas gosto, eles aprendem comigo e com certeza eu com eles. Acho que eles tem que ainda ter equilíbrio em algumas coisas, mas no nível que vejo é elevadíssimo tanto no Especial como no Acesso. Se a pessoa souber organizar a bateria tudo saí da melhor forma, você pode ver que quase não se tem mais erros nas baterias hoje porque o nível está muito alto. Eles estão de parabéns, é nesse caminho mesmo. E vai se manter no cargo quem tiver humildade para conseguir ficar tantos anos no meio. Eu estou fazendo 32 anos agora de Sapucaí e ininterruptos, nunca fiquei de fora do carnaval e essa é uma marca legal que eu acho. E espero mesmo que eles também possam alcançar isso, sem ficar pelo caminho, com a qualidade boa que todos possuem”.

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Você já desfilou com as rainhas mais importantes da história do carnaval. Como você vê as rainhas de bateria? 

Mestre Ciça: “Eu acho bacana, faço uma interação legal com elas. O que eu costumo dizer sempre é que não basta só ser famosa, tem que ensaiar. Já falei isso para a Luma, Juliana Paes, Paola Oliveira, Cris Vianna, Camila Pitanga e todas que passaram junto comigo. Eu entendo que elas possuem diversos compromissos profissionais, mas sempre pedi que pudessem não deixar de ensaiar e de participar com a bateria, estar ciente com os desenhos e paradinhas para poder dançar em cima disso. Não é só sair sambando na frente da bateria e sim ter uma participação ativa com a gente, até porque no momento do desfile elas precisam estar atentas na apresentação para os jurados e isso vem com o ensaio. Acho muito legal a participação delas, todas que trabalharam comigo são minhas amigas e sou muito feliz de ter participado da história dessas rainhas. Hoje eu trabalho com a Raissa na Viradouro, uma grande rainha de bateria também. Quando ligo para avisar do ensaio ela sempre vem ensaiar e participar com a comunidade. Esse é o caminho”.

Ainda tem contato com a Luma de Oliveira?

Mestre Ciça: “Tenho contato com ela sim, Natal e Ano Novo agora estávamos nos falando. Se encontro por aí sempre conversamos, tenho um carinho muito grande por ela e ela comigo, sempre muito bacana”.

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Qual a sua opinião sobre não ser mais obrigatória a parada da bateria nos módulos de julgamento? Você vai parar?

Mestre Ciça: “Na história do samba nunca foi obrigado a parar, não tem isso no regulamento da Liga, é uma questão até polêmica. A gente para mesmo com o intuito de mostrar o nosso trabalho de acordo com o que é combinado com a direção da escola. Mesmo não estando constando no regulamento, os jurados se sentem prestigiados se você para a bateria e faz uma apresentação. Eu nunca fui obrigado mas eu sempre paro e viro para os jurados, gosto de me apresentar para eles. Sem problemas, é legal se apresentar tanto para os jurados de bateria como os de quesitos que ficam lá, eles gostam. E até a escola mesmo se prepara para podermos fazer esse trabalho de parar”.

Se você tivesse como apontar o melhor desfile de uma bateria sua, qual seria?

Mestre Ciça: “Difícil, eu tenho vários desfiles. Um que me marcou muito foi aqui na Viradouro em 2007 (“A Viradouro Vira o Jogo”) quando eu botei a bateria em cima do carro alegórico, não ganhamos o título ali, mas com certeza ficou na história. Foi uma emoção que o público nos passava, eu não acreditava que estava vendo toda aquela vibração, me marcou muito. Fiquei sem dormir direito uma semana antes do carnaval pensando naquilo, porque quando fui conversar com o Paulo para fazer isso ele topou a ideia e sabe como ele é, adora isso. E fizemos um grande carnaval naquele ano, todo mundo relembra esse desfile, quando encontro as pessoas que desfilaram na escola esse ano sempre falam disso. Não posso esquecer também do campeonato da Estácio que marcou demais a minha vida e história. Cada escola eu tive um momento especial, na própria Grande Rio em 2010 (“Das arquibancadas ao camarote número 1, uma Grande Rio de emoção, na apoteose do seu coração”) achei que foi um desfile maravilhoso e a bateria estava tecnicamente incrível, na minha opinião foi uma das melhores baterias que já passou na Avenida. Na Ilha em 2017 (“Nzara Ndembu – Glória ao senhor tempo”) estava muito boa, ganhamos todos os prêmios e em 2018 (“Brasil, bom de boca”) melhor ainda, a bateria estava em um grande momento. Na Viradouro eu tive vários momentos como em 2008 (“É de Arrepiar!”) a bateria estava maravilhosa e em 2003 (“A Viradouro canta e conta Bibi, uma homenagem ao teatro brasileiro”) também foi uma grande bateria. Esse ano a bateria da Viradouro vem muito forte tecnicamente, impossível ela perder algum décimo porque o trabalho está muito bom e superior ao ano passado”.

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