Por Gabriella Souza
Luiz Calixto ou mais conhecido como mestre Casagrande é um dos mais renomados e tradicionais mestres de bateria do carnaval carioca. Doze anos à frente da Pura Cadência tijucana e completando 40 anos de história como componente da Unidos da Tijuca, Casagrande conta, em conversa com o site CARNAVALESCO, um pouco da trajetória em sua escola de coração, do trabalho que desenvolveu e que hoje é referência. Relembra também mestre Marçal, seu grande mentor e fala da nova geração de mestres de bateria.
Hoje o andamento é muito debatido no mundo das baterias. Para você existe um andamento ideal máximo?
“Eu acho que o andamento cada um tem o seu, tem uma bateria que toca para frente ou uma que toca mais cadenciada, como a gente fala, mais para trás. Eu tento chegar no meio termo, acho que o andamento 148, 146 BPM (batidas por minuto) é o ideal que eu, Casagrande, gosto e minha bateria também. Achamos que fica até mais confortável para o carro de som e a gente aqui opta por esse andamento. Mas é isso, andamento é gosto, assim como afinação, cada um tem a sua preferência”.
Você já fez coreografias na bateria. Qual a sua visão sobre esse recurso?
“Eu acho super legal, mesmo porque quem compra o ingresso e está ali assistindo na Marquês de Sapucaí vai para ver o espetáculo e principalmente para ver a bateria, com todo respeito aos outros segmentos, e a bateria tem que dar um show. Quando dá para conciliar as bossas, as paradinhas com a coreografia junto, a gente faz. Mas é aquilo, tem que estar casado com o conjunto e imbuído dentro do enredo, se não tiver no enredo não fica legal. E claro, tem que ser tudo pensando para não prejudicar a escola, porque às vezes tem gente que pensa somente no lado da vaidade, do lado só da bateria e o do pessoal e acaba esquecendo a escola, acaba atrasando e prejudicando a harmonia e todo o andamento e a logística da escola, e isso não pode acontecer”.
Se você pudesse dar uma nota para o julgamento de bateria qual seria?
“Para esse julgamento eu daria nota 10, porque é muito difícil, eu jamais gostaria de estar na pele de um julgador. Se me dessem qualquer dinheiro do mundo eu não julgaria, não seria julgador de bateria, sendo sincero, eu já fui uma vez em Campos e foi uma experiência que eu não quero ter nunca mais. Porque é difícil você julgar aquilo que você sabe que se teve um trabalho do ano todo, ter que dar uma nota, e que às vezes pode ser o que aquele mestre e sua bateria não estão esperando. É difícil o cara estar lá de cima e ter uma audição perfeita nesse lugar, até porque o sistema de som da Sapucaí acaba impossibilitando isso. O ideal seria mesmo é que eles pudessem julgar daqui de baixo, mas não podem, ou até frequentarem os ensaios para realizar uma avaliação melhor do que está acontecendo dentro daquela bateria, mas a gente confia muito que eles são
conhecedores”.
Agora as baterias não precisam parar nos módulos. Você acha isso positivo? Pretende parar?
“Na verdade nunca foi obrigatório parar, nem no segundo recuo tem essa obrigatoriedade de entrar, nunca foi. Mas eu particularmente gosto muito e me preparo para esse momento com o julgador e o módulo para apresentar minha bateria. Não só para o julgador específico, mas também para todos os outros julgadores que estão no quesito. Eu acho que é um respeito, é bem legal e eles gostam também”.
Desde 2008 a bateria da Tijuca conhece muito poucas notas diferentes de 10, mas em 2019 acabou levando um 9.8 de um dos julgadores. O que se vê na Pura Cadência é uma bateria muito elogiada e de referência. O que aconteceu nessa ocasião e qual o segredo para esse sucesso?
“Eu até me sinto desconfortável para falar dessa nota porque até hoje a gente não ingeriu, e não vai, eu tento ser sempre muito cuidadoso para falar desse assunto, até porque eu não estou aqui para falar nada sobre o trabalho dos julgadores ou discutir a nota dada. No caso, eram quatro julgadores e nós tomamos três 10 e um deles foi esse 9,8. Esse julgador que nos deu essa nota, a justificou falando que o meu surdo de primeira, que é um surdo grave, a primeira também grave e ele colocou que estaria tirando um décimo porque o surdo de primeira estaria próximo à afinação do surdo de terceira, o que é humanamente impossível. Mas a gente tem que respeitar, talvez ele tenha outra visão, outra percepção ou outro universo de afinação até porque ele também é um baterista renomado e eu tenho muito respeito por ele. A justificativa que ele deu para o outro décimo foi que ocorreu o desencontro rítmico de todo o miolo de bateria, e essa é uma questão muito grave. Então eu deixo para vocês, para a crítica, a gente só tem mesmo a lamentar, e trabalhar para que isso não aconteça. Se a gente tiver uma oportunidade de conversar com o julgador ou saber o porquê dessa nota eu ficar muito satisfeito. Mas se não tiver também vida que segue e o trabalho continua”.
Não ter ensaio técnico faz alguma diferença para o trabalho da bateria?
“Essa questão tem dois problemas principais. É legal ter o ensaio técnico para você poder ter a bateria completa ali, no meu caso vão os 272 ritmistas para o ensaio. Da para ter uma ideia geral de como vai ser o resultado no dia do desfile e é bem legal. O ruim é que o seu trabalho fica prejulgado, todo mundo acaba dando uma opinião do que viu ali, se o ensaio for ruim, por exemplo, isso acaba virando uma bola de neve e com a internet hoje isso cresce e também afeta o trabalho. É bom e é ruim ao mesmo tempo. Mas é só na Avenida que acontece, muita gente não entende que aquilo ali é um treino que tem uma margem de erro, pode errar para não acontecer no dia”.
Embora seja mestre há 12 anos você é um dos mais antigos integrantes da escola. Como vc viu a evolução da bateria e da escola?
“Faço 40 anos na casa esse ano. São 37 de bateria mais três de ‘agregado’ em outros segmentos, então tenho bastante tempo aqui. Nós escolhemos uma identidade de bateria para desfilar a partir do ano de 1999, visto que já tínhamos essa ideia de andamentos e essa identidade de ritmo que nós queríamos propor, porque, na verdade, antes de eu assumir a bateria da Tijuca ela passou por diversos mestres que eram de baterias de outras escolas. Tivemos aqui o mestre Marçal, que no caso é o meu tutor como mestre de bateria, o Ciça já esteve também e muitos outros. Mas a identidade mesmo foi criada em 99 e de lá para cá nós fomos conseguindo manter até hoje. Graças a deus vem dado certo e hoje a bateria da Tijuca é uma referência e a todos nós ficamos muito orgulhosos disso”.
E hoje? São três anos seguidos afastado das campeãs. É um momento de transição?
“A gente tem que voltar para as campeãs, já está na hora. Mas nesses anos a escola teve muitas perdas também, e é difícil se readaptar. Tivemos que acertar carro de som, casal de mestre-sala e porta-bandeira, comissão de frente, então isso não se firma de um desfile para outro. Mas esse ano esperamos que aconteça e que possamos botar tudo no lugar”.
Quem foram suas referências para montar seu estilo de trabalho na bateria da Tijuca?
“Minha referência de vida é o mestre Marçal, que não está mais conosco, mas que foi mesmo um mentor, sempre vou citar ele em todas as entrevistas. Já tivemos nesse carnaval lendários mestres de bateria e que admiro muito, mas ele foi o cara que me ensinou e eu aprendi tanta coisa. Quando eu olhei para ele falei que queria ser igual, com toda aquela postura dele como um mestre na frente da sua bateria. Ele me ensinou a importância de se manter a disciplina dos seus ritmistas e de ter também o respeito dos seus comandados mas sem ter que apelar para a violência ou arrogância, de ser um líder natural, a elegância dele, a forma de se apresentar ele deixou como referência e eu tento capturar disso”.
Nos últimos anos, especialmente em 2019, jovens mestres começaram a assumir grandes baterias. O que você está achando do trabalho deles? Você é mesmo uma referência para eles, se pudesse deixar um ensinamento, qual seria?
“A rapaziada nova fala isso e me sinto honrado. Para quem está começando, meu conselho é para que principalmente se tenha humildade e foco no trabalho que é feito. Se não tiver isso e vontade para perseverar não se chega a lugar nenhum, mas temos uns mestres jovens que estão chegando ai, fazendo um trabalho bacana e com muita qualidade. Eu e Ciça sempre brincamos com eles, que são nossos “juvenis” e que estão carregando mesmo a nossa chuteira. Temos uma galera boa, o Fafá que sou mais próximo, conversamos muito, gosto muito do trabalho dele e admiro mesmo, o Macaco Branco da Vila também, os meninos do Salgueiro, Guilherme e Gustavo, que são muito musicais e estão lá desde criança e já até desfilaram aqui comigo, os meninos Marcelo e o Keko da Ilha também, que conseguiram resgatar o ritmo da bateria e muitos outros que admiro bastante. A nova geração dos mestres de bateria está muito bem representada”.