Campeão duas vezes pela Mangueira e indo para o seu sexto carnaval como carnavalesco, Leandro Vieira é, hoje, o principal nome da festa e tem causado na mídia por conta de seus enredos críticos. Apesar de ter dois campeonatos ele explica que não trabalha pensando no título e que a liberdade artística é primordial para a realização de trabalho em uma escola.
Leandro conversou com a reportagem do site CARNAVALESCO e falou sobre o desafio de fazer duas grandes escolas, Mangueira e Imperatriz, e sobre a permanência na verde e rosa.
Qual o maior desafio de, ao mesmo tempo, buscar o bi na Mangueira e buscar um campeonato no grupo de acesso?
Leandro: “O desafio… Assim, eu nunca trabalhei pensando em campeonato. Então, não é muito a minha onda, olhar para, simplesmente, o campeonato. O desafio de fazer duas escolas, para mim, o principal, é me apresentar como dois Leandros. Embora eu seja um artista que tem um interesse na manutenção de algumas características que são próprias do meu trabalho, o desafio é me apresentar para uma escola como a Mangueira, apresentar um perfil visual e estético para a Mangueira, e, também, apresentar um perfil visual e estético para a Imperatriz. São escolas distintas, e que precisam de coisas distintas. Então, o maior desafio é ser dois, sendo um”
Você sempre agradece o Chiquinho da Mangueira. Você acredita que isso é fundamental para o sucesso do seu trabalho?
Leandro: “Total. Na verdade, eu sou extremamente grato à figura do Chiquinho da Mangueira. Nós temos todas as divergências políticas possíveis, mas nós temos todas as afinidades que me qualificam a ser o carnavalesco que eu sou hoje. Eu só estou carnavalesco da Mangueira porque isso foi uma decisão do Chiquinho da Mangueira que, inclusive, em 2016, foi muito criticado pela direção da escola ao apresentar um carnavalesco tão jovem. E, mais do que apresentar um carnavalesco tão jovem e sem nome nenhum, ele não só me colocou carnavalesco da Mangueira como também comprou tudo o que eu queria fazer na Mangueira. E, acho que tudo que eu faço na Mangueira é muito diferente. Eu quis romper essa tradição exacerbada do verde e rosa, encontrei muita resistência e ele comprou a minha ideia. Eu quis caminhar por enredos distantes de alguns enredos patrocinados e ele comprou a minha ideia. Eu quis assumir um perfil um pouco mais crítico e ele comprou a minha ideia. Então, ele não apenas me deu a oportunidade de ser carnavalesco, que tem pessoas que permitem, mas, talvez, a permissão de ser carnavalesco não seja acompanhada da possibilidade de se fazer o que quer. E, aqui na Mangueira, eu tenho feito o que eu quero, e isso é uma herança que o Chiquinho deixou para mim como legado. Inclusive, eu sou respeitado pelo atual presidente da Mangueira, que não é mais o Chiquinho, pelo legado de confiança que o Chiquinho deixa em mim”
Ter essa liberdade é uma condição para você estar na escola?
Leandro: “Total. É difícil realizar carnaval na Mangueira. As pessoas de fora não imaginam como é difícil fazer carnaval competitivo na Mangueira e o quanto é sacrificante fazer. O meu sacrifício, pelo menos, é recompensado com a liberdade artística, porque é o que me motiva a fazer carnaval. Eu não faço carnaval ganhando tanto dinheiro”
Você tem Iza e Evelyn como rainhas. Duas mulheres empoderadas e que inspiram. Por que você acha que os sambistas, em sua maioria, não participam de políticas e questões sociais no Rio?
Leandro: “Porque desfile de escola de samba é uma coisa careta. As pessoas são caretas no desfile de escola de samba, no carnaval, sobretudo porque se acostumaram com o apoio dos órgãos oficiais. Então, escola de samba, de uma forma geral, ela prefere se manter no centrão, vamos dizer assim. Escola de samba é de centrão, não à toa apoiaram o Crivella. Se posicionar… não tem como você se posicionar sem desagradar, e eles procuram não desagradar ninguém. E aí são isentos, né? É difícil, não é fácil, não”
Seu trabalho transcende, muitas vezes, a Avenida, e anda por todas as classes sociais e intelectuais. O que você sente com isso?
Leandro: “Eu acho isso bacana pra caramba. Os desfiles das escolas de samba perdeu muito tempo preocupado, restritamente, em como uma atividade que acontece no carnaval. Ficou muito focado no dinheiro que tem que ter para fazer o desfile, e aí esvaziou o sentido, virou uma atividade mais festiva e televisiva. Antes era uma atividade que a TV tinha interesse em televisionar. Hoje em dia virou mais televisiva, quer dizer, atende mais aos interesses da televisão, e isso é uma coisa muito ruim. E o carnaval se preocupa muito com isso. Como ele se preocupa muito com isso, eu acho que ele se desconectou da sociedade, da importância que ele pode ter de propagar ideias e tudo mais. Então, quando eu vejo algumas das minhas ideias saírem do universo carnavalesco eu acho bacana, porque é o carnaval que volta a dialogar com outras possibilidades”
Muita gente diz que você quer lacrar e não aceita mais críticas. É verdade isso?
Leandro: “Eu não aceito críticas? Não, nossa. Isso é conversa fiada. Lacrar, de forma nenhuma, até porque esse termo lacração é um termo político contemporâneo que ficou associado à esquerda, vamos dizer assim. Nem sempre eu tenho oportunidade de falar sobre isso e acho importante, porque é uma oportunidade de falar. Hoje em dia, com um país polarizado politicamente, a discussão do carnaval político virou uma coisa esquerda e direita, bolsominion e Lula livre. Virou uma coisa assim. Isso é uma tolice. Reduzir a importância política, a discussão política brasileira entre esquerda e direita, ou bolsominion e Lula livre é de um vazio intelectual gigante. Então, assim, eu não consigo enxergar o que eu faço como algo de esquerda ou direita. Eu acho que o que eu faço é algo engajado culturalmente. Só que eu sou engajado culturalmente a serviço de uma comunidade favelada. Eu não posso ficar engajado culturalmente estando a serviço de uma comunidade favelada, minoritária, apresentando enredo que não vá encontrar os interesses de grupos minoritários e favelados e que de alguma forma o Estado vira as costas. Então isso não é ser esquerda ou direita. Isso é estar em sintonia com a comunidade que eu represento. Então, o carnaval de 2018, por exemplo, que era um carnaval que se colocava a favor do carnaval e da liberdade do carnaval, e contra o corte de verbas que já se mostrou infundado, já se mostrou infundado, porque ele já cortou a verba, não vai mais dar verba para o carnaval, e a cidade do Rio está falida, não tem mais saúde, não tem nada… Então, a Mangueira tem que se posicionar a favor, porque o carnaval é válvula que produz o orgulho do morro da Mangueira. Então ela tem que se posicionar, isso não é ser de esquerda nem oposição. A bandeira que se coloca em 2018 para defender o carnaval é a Mangueira comunidade, pobre, preta, favelada, que se orgulha de fazer carnaval e que se orgulha de fazer carnaval. A Mangueira de 2019, que defende índios, negros e pobres, não é Mangueira nem de esquerda nem de direita. É a Mangueira que defende, de fato, quem forma aquele território, porque aquele território do morro da Mangueira foi morar descendentes de índios, de negros e de pobres. Então, defender índios, negros e pobres, defender o protagonismo de mulheres negras, de homens pobres, defender que a história oficial deu ênfase a nomes da alta sociedade e abaixou nomes de mulheres e homens das classes mais baixas, não é ser de esquerda nem de direita. É defender os interesses da comunidade que eu represento. Apresentaram um Jesus negro, periférico, não é ser de esquerda nem de direita, é apresentar um Jesus próximo a comunidade que eu defendo. A comunidade que eu defendo produz o carnaval para Mangueira, é uma comunidade negra e pobre. É bonito eu dizer para eles que Jesus era um homem preto e pobre. Então, eu não vejo lacrar, de jeito nenhum, porque a lacração estaria se eu estivesse pensando em fazer carnavais partidários, e eu não faço isso. Não faço carnaval de partido, eu faço carnaval engajado com a comunidade para quem eu faço carnaval. Não é partidário, não é para defender o político A ou B. O Brasil contemporâneo reduziu o debate político, ficou tudo nessa pasta vazia, e não é. Você acha que tem como eu produzir carnaval para uma comunidade preta, pobre e favelada, que se orgulha de fazer carnaval, e não apresentar o que eu apresento? Isso não é política. A Mangueira tem que entender que eu tento produzir coisas que tem a ver com a Mangueira. Só que é preciso ter uma consciência do que se canta. As pessoas tentam ver uma ideologia partidária onde não tem, porque eu não tenho esse interesse. Tenho interesse em orgulhar a comunidade. Apresentar carnavais que venham a apresentar que o ato do componente que desfila tem que ser motivo de orgulho”
Tem muita gente critica, diz que você não tem que ser tão crítico nas suas fantasias e alegorias. O que você diz para essas pessoas?
Leandro: “Eu acho que isso é gosto. Tem os que gostam e não gostam, acho que é normal. Eu tenho muita consciência disso. Eu não dito e não quero ditar moda no carnaval. O que acho bacana é que tenha eu, mas que tenham outros, que façam outras coisas. É importante ter um repertório, para que o dia do desfile seja um dia de apresentação de repertórios múltiplos. Não sou e nem quero ser unanimidade. Acho que tem que ter os que gostam e os que não gostam, para que os que gostam do meu trabalho não gostem de outros, ou para que os que gostam de outros não gostem dos meus, ou gostem de todos… Acho que é possível que gostam e que não gostam. A gente, enquanto artista, oferece um repertório. Tem quem gosta e quem não gosta”
Tem muitos carnavalescos que opinam e até mandam na comissão de frente. Como é essa relação com o Rodrigo e Priscila?
Leandro: “É maravilhosa. Priscila e Rodrigo estão na Mangueira porque foi eu que trouxe. Eu trouxe com carta branca do Chiquinho da Mangueira, que me autorizou a conversar com eles. Tanto que eu conversei com eles antes do Chiquinho. Então, isso, para mim, é muito bom, porque são pessoas queridas, e trabalhamos em conjunto. Não mando em Comissão de Frente. Nunca mandei, na verdade. Se eu soubesse fazer Comissão de Frente eu era carnavalesco e coreógrafo, e eu só sou carnavalesco”
Existe, hoje, um rótulo que colocaram em você de crítico e político. Você gosta disso?
Leandro: “Eu não gosto disso. A Rosa eu sei que não gosta disso, e o Renato eu também sei que não gosta disso. É muito ruim, para qualquer artista, ganhar esse tipo de rótulo. Primeiro porque eu só tenho cinco carnavais, e cinco carnavais não me definem como artista. E um rótulo é uma coisa que te define, né? Então, assim, eu tenho cinco carnavais, mas as pessoas colocam muito rótulo. Eu já tive muitos. O do carnavalesco que só faz enredo religioso, o rótulo do carnavalesco dos tons pastéis, agora eu estou com o rótulo do carnavalesco crítico e político porque apresentei dois carnavais críticos e políticos. Se eu fizer mais cinco carnavais, e os próximos não forem críticos e políticos, vão procurar um outro rótulo. Acho que em 2019 eu fui o carnavalesco crítico, em 2020 eu sigo sendo um carnavalesco crítico, mas 2021 eu posso ser um carnavalesco água com açúcar. Então, não acho legal essa definição, para ninguém. O Renato e a Rosa têm décadas de atuação, e aí você reduzir… Por exemplo, pra mim, o Renato é quem melhor representa a temática afro no carnaval carioca. Como é que um cara que melhor trabalha a temática afro no carnaval carioca pode ser taxado de Hightech? A estética afro não tem absolutamente nada a ver com a estética High Tech. Então, são rótulos que muitas vezes são determinados pelo sucesso que, em determinado momento, esse carnavalesco alcançou. Ele ficou associado a isso por causa da Mocidade dos anos 1990, quando ele experimentou essa estética, que nos anos 1990 era vanguarda. A Rosa ficou conhecida como a carnavalesca com estética barroca porque, nos anos 1990, a experimentou uma estética que, na Imperatriz Leopoldinense a possibilitou esse rebuscamento. Mas, depois, a Rosa já fez uma série de coisas que não foram barrocas, e ela continuou sendo considerada barroca. Talvez, o sucesso do carnaval de 2019, para mim, tenha me rotulado, neste momento, como um crítico político. Mas depois pode não ser. Eu compreendo, mas não é uma coisa legal para nenhum artista. Eu ainda tenho muito o que fazer e aprender”
Muita gente diz que o desfile de 2017 foi o grande desfile de Leandro Vieira. O que você sentiu quando perdeu aquele ano?
Leandro: “Não senti nada. Primeiro que eu não acho que o desfile de 2017 seja meu grande desfile. Eu acho que meu grande desfile com a Mangueira foi o carnaval 2019. As pessoas têm uma tendência a julgar desfile por estética, porque o olho é traiçoeiro. O olhar da gente tem uma tendência a se encantar pelo visual, pela beleza. Então, eu acredito que o carnaval de 2017 talvez tenha feito que as pessoas enxerguem dessa forma, porque ele se debruçava sobre um material plástico muito comum, a estética religiosa brasileira, a questão do barroquismo religioso é muito bonito. Aquilo é muito ligado ao gosto médio, as pessoas gostam daquele visual. Então, talvez aquilo encante. Mas acho que meu melhor trabalho na Mangueira é o de 2019, primeiro porque a produção artística é o mais próximo do que eu acho que seja o carnaval. Acho que a produção artística das escolas de samba deve se manter distante dessa questão luxuosa e dependente de verba. Cada vez mais eu acredito menos no carnaval emplumado. Então, acho meu carnaval de 2019 um carnaval de produção artística com vigor. Tem um vigor diferente do carnaval, e é isso o que eu acredito. E, aí, o meu enredo teve um poder de encantamento no meu componente que proporcionou um desfile arrebatador via componente. Então, o trabalho de um carnavalesco, e o meu, eu acho que começo a entender o meu papel como carnavalesco mais em 2019. O meu papel não é fazer a Mangueira ser bonita ou feia, mas se reconhecer como identidade, como massa que desfila. E acho que 2019 a Mangueira não deixou dúvida nenhuma do que estava fazendo e cantando”
O maior desfile que você viu e o maior enredo que você gostaria de fazer?
Leandro: “O maior desfile que eu vi na Sapucaí foi o desfile de Angola, da Rosa, de Vila Isabel. Eu assisti lá, eu estava lá, achei aquilo de uma loucura estética… Não tinha nada de barroca, aquilo é incrível, divino. Tive uma inveja branca daquele negócio. Na Mangueira, eu acho que eu gostaria de ter feito Chico Buarque, o desfile campeão de 1998”
Os enredos e os sambas da Mangueira avançaram para fora da quadra e da Avenida. O que isso representa para você?
Leandro: “Acho que isso é uma das coisas que têm a ver com o meu entendimento que o meu maior desfile na Mangueira é o de 2019. Porque não é só fazer bonito, entendeu? É propor algo que extrapola, que vá para a sala de aula. Depois do carnaval teve gente estudando, ensinando criança a história do Brasil com o enredo, com o samba, com imagens da Mangueira. Eu acho que é isso. Acho que por isso 2019 é tão grande, porque desfile de escola de samba não é só alegoria bonita, é um conjunto. O nome é desfile de escola de samba, não é desfile de alegorias, de fantasia, porque isso aí é São Paulo Fashion Week. É legal quando você propõe algo que extrapola, né?”
Sobre seguir ou não na Mangueira… Só após a quarta-feira de cinzas ou até quando o presidente permitir que você fique?
Leandro: “A última vez que eu decidi antecipadamente, se eu ia ficar mais de um ano na Mangueira, foi quando o Chiquinho da Mangueira, esse presidente que eu falo sempre, chegou pra mim e conversou comigo, disse que não aguentava mais o assédio e que, enquanto ele fosse presidente da Mangueira, eu seria carnavalesco. A gente apertou a mão e eu resolvi com ele que, enquanto ele fosse presidente da Mangueira, eu seria carnavalesco de lá, e isso eu cumpri e foi feito. Depois disso eu não tenho esse acordo, esse compromisso, não recebi esse convite. Então, a última conversa que eu tive com a Mangueira era para ser o carnavalesco 2020. Se ela vai querer que eu seja o carnavalesco de 2021 a Mangueira vai ter que me procurar para falar. Eu não tenho nem contrato, meu contrato com a Mangueira é com a ponta da língua. São cinco anos sem contrato assinado, e eu cumpro a minha palavra”