Responsável pela comissão de frente da São Clemente desde 2019, Junior Scapin acumula na função passagens, entre outras, pela Estação Primeira de Mangueira, Império Serrano, Estácio, Império da Tijuca, em que desenvolveu a memorável comissão de frente de 2013, no enredo “Negra, Pérola Mulher”, que rendeu a escola o acesso ao Grupo Especial. Na Verde-e-rosa, o artista foi responsável por abrir a apresentação de 2016, ano em que a escola foi coroada com o título no enredo que homenageou Maria Bethânia. No terceiro ano na São Clemente, Junior foi bastante elogiado pela coragem em 2019 em tocar em assuntos delicados com bastante humor representando os dirigentes das escolas de samba e as viradas de mesa do carnaval. Fora do samba, o artista tem trabalhos em programas como “Esquenta” e “Criança Esperança” da TV Globo.

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Admirador do trabalho sem tripés e elementos alegóricos, em entrevista ao site CARNAVALESCO, o coreógrafo admite a dificuldade pelo julgamento ao realizar comissões mais simples, mais focadas nos bailarinos, no Grupo Especial. Na conversa, Junior também relembrou trabalhos marcantes, falou um pouco das ideias para a apresentação de 2022, reclamou do peso dado às bandeiras na hora do julgamento e explicou o tamanho da responsabilidade de produzir uma comissão para homenagear um artista como Paulo Gustavo.

Qual é o maior desafio hoje da comissão de frente ser a síntese do enredo ou um espetáculo impactante de abertura?

Junior Scapin: “Eu penso que hoje em dia tem que ter as duas coisas porque as pessoas falam muito do primeiro setor da escola. De alguns anos para cá, a comissão de frente acabou ganhando muita importância, o início vem ganhando muita importância. Confesso para você que sou da opinião de que a comissão de frente hoje em dia ajuda sim a ganhar carnaval. Se você vem com uma boa frente de escola, acho que já é um chamariz para o que vem atrás, mas acho que juntar a importância da comissão de frente, juntar tudo que você faz durante três meses com o que vai ser contado, com o que vem atrás, acho muito importante. O que eu não gosto, na verdade, é que a comissão de frente seja uma coisa, e aí depois comece o desfile. Isso eu não concordo. Acho que a comissão de frente não pode ser uma coisa à parte. A Comissão de Frente tem que ser tudo junto, tem que existir uma uniformidade, desde o primeiro setor que é o nosso, até a última ala que vem na escola”.

Qual é a comissão inesquecível da sua carreira? E qual foi a que podia ser melhor na hora para valer?

Junior Scapin: “Eu costumo dizer que eu tenho três comissões muito boas e que eu não consigo escolher. Mas, obviamente, uma muito importante é o Império da Tijuca de 2013 que foram as mulheres negras. Eu digo que foi um divisor de águas na minha vida, existe um Júnior Scapin antes da Tijuca 2013, e outro depois. Acho que uma comissão de frente muito importante que eu tive também, que na verdade eu nem sei o que deu errado porque no meu julgamento os julgadores falaram tanta coisa e coisas que na verdade não aconteceram, foi Mangueira 2017, porque foi a primeira vez que eu comecei a trabalhar com teatro, comecei a ver a comissão de frente muito mais teatral do que dançada. Como eu fui bailarino durante muitos anos e hoje em dia eu sou coreógrafo, a gente tende, quando está começando a fazer comissão de frente, a deixar tudo muito dançado e esquece um pouco da teatralidade. Na verdade, nesse ano foi muito mais teatral do que dançado. Foi uma comissão de frente muito importante, uma comissão de frente que todo mundo fala, foi bem bacana. Os julgadores citaram que a minha comissão não teve interação com o carro, sendo que a minha coreografia era totalmente relacionada ao carro. E, 2019, na São Clemente, que tinha tudo para dar errado, tinha tudo para ser muito mal falada no sentido que eu estava falando dos dirigentes das escolas de samba, da virada de mesa, e na verdade, a surpresa grata que eu tive foi que todo mundo falou muito bem, todo mundo entendeu a comissão de frente, e essa era uma preocupação minha, porque a arquibancada não tem o livro Abre-alas, então você tem que olhar e entender o que está sendo contado. Fiquei muito feliz também com a repercussão deste trabalho”.

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Sem ser a sua, qual a comissão que você adora? Pode citar até três.

Junior Scapin: “Gosto muito da comissão do Patrick (Carvalho), dos pretos velhos (Paraíso do Tuiuti 2018), eu acho que é uma comissão simples, e é uma comissão de um efeito absurdo, de uma emoção absurda, o Patrick foi muito feliz naquela comissão de frente. Gosto muito da comissão de frente do Hélio Bejani, agora da piscina, dos orixás, enfim, gosto muito (Grande Rio 2020). Eu gosto de todas as comissões do Marcelo Misailidis, eu sou apaixonado por ele. É a minha grande referência no mundo do carnaval, é o Marcelo Misailidis e o Hélio Bejani, o Hélio eu já trabalhei, comecei no carnaval sendo bailarino dele em comissão de frente, mas eu gosto da savana do Marcelo Misailidis (Vila Isabel 2012), que foi incrível, todo mundo ficou encantado, apaixonado. São três comissões assim da atualidade que eu acho bem bacana e bem importantes”.

Se pudesse, o que aperfeiçoaria no quesito Comissão de Frente?

Junior Scapin: “Gostaria muito que um dia os coreógrafos do Grupo Especial não fizessem comissão de frente com o tripé, enfim, essas coisas, eu prefiro trabalhar sem tripé, por isso que eu gosto de trabalhar muito no Grupo de Acesso, porque eu me sinto muito mais desafiado quando não tem um elemento cenográfico para me debruçar. Eu acho que exige muito mais da sua criatividade como artista e é por isso que a gente vê no Grupo de Acesso comissões lindas, comissões super interessantes, porque como você não tem esse artifício para se debruçar, você acaba tendo que exigir muito da sua criatividade”.

O elemento cenográfico é tão fundamental assim no Grupo Especial?

Junior Scapin: “Hoje em dia, acho que é praticamente um critério você ter que usar um carro, você ter que usar um elemento cenográfico. Porque parece que se você vem sem um elemento cenográfico, você já entra na Avenida com 9,9. Assim, já tendo um tripé, um elemento cenográfico, já é difícil você tirar nota máxima, imagina sem. Eu tento, obviamente, nos meus elementos cenográficos, não ter eles como a atração principal. Para mim, a atração principal sempre é o meu material humano, que são os meus bailarinos. Eu tento agregar o meu trabalho com esses tripés e eu acho que eu consigo. Confesso, que já trouxe alguns muito grandes, mas eu acho que foi necessário para o que eu queria mostrar. Mas, gostaria que não tivesse. Eu tiraria esse tripé um ano talvez só para ver como funcionaria essa coisa da criatividade dos profissionais”.

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Acha legal que tenha a apresentação apenas na frente do módulo de jurados ou gostaria que a análise fosse igual São Paulo pela pista toda?

Junior Scapin: “Acho muito importante a apresentação para o jurado porque você tem condição de fazer uma coreografia especial, parar e se apresentar. Eu já fui chamado para fazer o carnaval de São Paulo, eu não pude aceitar porque eu estava no carnaval do Rio, mas, quando eu fui chamado fiquei me perguntando, ‘gente será que eu consigo fazer um trabalho que eu vá me apresentar para o jurado andando assim no decorrer da Avenida? ’ É muito difícil. Acho que eles têm até um trabalho muito bacana de estrutura, de como você vai desfilar, acho que o trabalho da direção de carnaval, direção de harmonia deve ser muito bom lá, mas eu como coreógrafo eu sinto a necessidade de parar, de virar, de me apresentar, de agradecer e de ir embora. Isso é importante para que o jurado de fato consiga ver o que você quer apresentar”.

Não haverá mais a obrigatoriedade de se apresentar para o público do setor 3. Você vai manter? E faz algo para o setor 1?

Junior Scapin: “Eu sempre faço no setor 1, acho que o setor 1 é o grande termômetro se seu trabalho vai dar certo, se seu trabalho vai dar errado. Se você escuta gritos, escuta aplausos, tende que seu trabalho dê certo ao longo da Avenida. Para o setor 3 eu não sei qual a importância disso, até mesmo para a escola. Se a escola me pedir que eu faça, eu faço, mas eu me sinto um pouco prejudicado, porque na verdade a gente larga de um portão e já tem que virar no setor 3 para poder fazer a apresentação. Isso come tempo, isso atrapalha um pouco a harmonia da escola. Mas, se eu tiver que fazer, eu fiz ao longo de todos anos, não tive problema nenhum porque soube me adequar ao tempo ali da escola, mas não acho importante. Acho importante sim a apresentação para o setor 1. Porque é uma galera que não vai poder ver a apresentação, é uma galera que só vê as pessoas passando correndo ali e muito rápido. É um carinho com a galera que está ali”.

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A sua comissão de frente em 2013 pelo Império da Tijuca foi histórica. Por que uma comissão como aquela dificilmente seria aprovada pelos jurados do Especial?

Junior Scapin: “Acho que aquela comissão de frente para o Especial, hoje em dia, por mais força que elas tivessem, por mais garra que elas tivessem, por mais emoção que elas tivessem, eles iriam tocar no ponto não teve um clímax, não teve um ápice, não teve um elemento cenográfico, embora, a gente tivesse uma menina que vinha com uma asa, enfim. Mas, eu acho que os jurados hoje em dia eles iriam interferir nesse momento do ‘ cadê o clímax?’. Acho que para eles não é só emoção, eles precisam ver uma mágica acontecendo, uma pessoa sumindo, uma pessoa voando, uma pessoa trocando de roupa, uma pessoa mergulhando. Eu acho que precisa esse ‘Q’ de ‘Broadway’, de ‘Las Vegas’ na comissão de frente para que você consiga tirar os 40 pontos, para que você consiga ganhar prêmios. Só por esse lado. Pela emoção, pela garra, as pessoas iriam se encantar, iriam se emocionar, pelo fato de ela ser simples aos olhos de quem está julgando, poderia tirar um 9,9”.

Te incomoda quando você faz um belo trabalho e na hora do julgamento tem o peso da bandeira? O que você sente?

Junior Scapin: “Me incomoda. Eu acho que as pessoas tinham que respeitar o pavilhão da escola. Independente se a escola tem muitos títulos, se não tem nenhum título. Existe muita diferença, até, de dinheiro dentro das escolas. Tem escolas hoje em dia que não fazem carnaval só com a verba da prefeitura. Elas têm patrocinadores, escolas de outros municípios ganham de outros municípios. Eu acho até injusta a comparação porque no caso do meu quesito comissão de frente, é muito diferente um trabalho que custa 500 mil reais para um trabalho que custa 180 mil. É muito difícil. Por isso, acho que cada escola, cada envelope tinha que ser lacrado quando você vê a apresentação da comissão de frente. Assistiu a apresentação da comissão de frente de tal escola, dá a sua nota, lacre seu envelope, e entrega para quem tiver que entregar. Porque esse comparativo de notas eu acho muito injusto. Existem escolas com mais dinheiro, escolas com menos dinheiro, o empenho é o mesmo, mas a gente sabe que carnaval não se faz só com dedicação e empenho. A gente sabe que precisa de dinheiro para colocar o carnaval na rua. Infelizmente o preconceito das bandeiras existe sim, tanto da escola que sobe do Grupo de Acesso, que geralmente é a escola que cai, e geralmente é a escola que tem menos bandeira, quanto com as escolas que sempre estão cotadas para descer. O Carnaval acaba e já tem escola cotada para descer no carnaval seguinte. É um absurdo, mas eu graças a Deus faço meu trabalho, não penso sinceramente nesse lance se a bandeira da escola vai me prejudicar ou não, eu espero quando estou me apresentando, que realmente quem está me julgando veja o meu trabalho, veja o meu empenho, veja o empenho da minha equipe, dos meus bailarinos, da minha apresentação, e que me dê a nota mediante aquilo que eu estou apresentando naquele momento”.

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O que representa na sua carreira fazer a comissão de frente em homenagem ao Paulo Gustavo?

Junior Scapin: “Eu conheci o Paulo, eu fui coreógrafo do programa ‘Esquenta’ da Regina Casé. A Regina é muito amiga do Paulo e o Paulo vivia no programa. A gente tinha uma troca legal quando estava lá no programa, ele sempre muito engraçado, sempre muito educado. E artista. Eu acho que é uma perda precoce, ninguém esperava. O Paulo tinha toda uma rede de apoio do lado dele quando ele ficou doente e a gente vê o quanto essa doença é ingrata, independente de classe social, independentemente de você ter dinheiro ou não, se você contrair esse vírus, e se infelizmente estiver na sua hora, você vai acabar indo embora. Fazer uma comissão de frente que vai trazer a alegria do Paulo, essa luta LGBTQI+ que o Paulo tanto lutava. Eu como homem, gay, coreógrafo, me sinto muito feliz e muito honrado de poder estar representando na Avenida uma pessoa que foi tão importante, que morreu tão precocemente, mas que vai ser lembrado aí por muito tempo, e graças a Deus também ser lembrado por esse carnaval que a São Clemente vai fazer”.

O que o público vai sentir quando olhar a comissão de frente da São Clemente?

Junior Scapin: “Eu acho que primeiro eles vão se divertir muito. Acho que o primeiro olhar do público, eles vão se divertir demais. As pessoas estão pensando muito no óbvio. E, na verdade, eu procurei fugir do óbvio. Mas, a gente vem falando de um momento muito especial na vida do Paulo. É um momento muito divertido. As pessoas vão se divertir muito nesse primeiro momento. E, eu acho que a minha apresentação para o jurado começa com toda essa alegria, começa com todo esse deboche que o Paulo tinha, e a gente divide a apresentação da comissão de frente em dois momentos: alegria e emoção. Eu quero que as pessoas se divirtam muito, mas eu quero também que as pessoas olhem da metade para o final da minha apresentação e se emocionem muito com tudo que está acontecendo ali”

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