Casal apaixonado por carnaval, a dupla de coreógrafos, Hélio e Beth Bejani, vai para o seu quatro carnaval à frente da Comissão de Frente da Grande Rio. Com rápida identificação com a escola e com uma relação muito próxima com os carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, o casal foi fundamental no tão sonhado primeiro título do Grupo Especial. Hélio é regente do Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e diretor da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa. E Beth também é coreógrafa dos casais de mestre-sala e porta-bandeira da Grande Rio.

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Em entrevista ao site CARNAVALESCO, antes do desfile campeão de 2022, Hélio e Beth Bejani falaram sobre o desafio e a possível cobranças às comissões de frente contemporâneas, comentam a relação profissional de muitos anos com Renato e Márcia Lage e com outros carnavalescos, relembraram comissões importantes e explicaram as correlações entre o popular e o erudito.

Qual é o maior desafio hoje da comissão de frente ser a síntese do enredo ou um espetáculo impactante de abertura?

“Eu acho que é uma mescla das duas coisas. A comissão de frente tomou uma proporção que ela virou realmente um espetáculo de abertura ali na frente da escola. Mas, no nosso caso, a gente sempre curte a ideia de fazer a síntese do enredo, ou de estar bem ligado à cabeça da escola. A gente ser o início do abre-alas, por exemplo. O início do enredo, de como os carnavalescos estão contando essa história. A gente já tinha essa ideia, esse formato de comissão desde a época do Salgueiro, a gente aprendeu muito com o Renato Lage. E foi um formato que deu certo e a gente leva esse formato para todos os carnavalescos com os quais a gente já trabalhou”, disse Beth.

“Que fique bem claro que é uma fórmula bem completa para a gente. A gente não traz críticas ao trabalho de ninguém, porque a gente respeita o trabalho de todo mundo, a forma de trabalhar, e eu acho que isso é bacana e que dá a diversidade no universo do carnaval. Mas, eu vou além e penso na cabeça da escola inteira, uma ala que vem ali atrás e o abre-alas, para que a gente tenha uma coesão que já dê o impacto na abertura da escola, porque é ali que você já prende a atenção do público. Quando você tem coisas muito quebradas ali na frente você perde um pouco da atenção do público”, declarou Hélio.

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Foto: Site CARNAVALESCO

Sem ser a de vocês, qual a comissão que vocês adoram? Podem citar até três.

“Eu vou citar a primeira comissão que eu vi na minha vida dentro do carnaval, que foi quando a gente trabalhou lá na Imperatriz que foi uma comissão do Fábio de Melo dos cisnes (Imperatriz 2005). Aquilo para mim foi de uma poesia, eu olhava aquilo, eu via aqueles cisnes voando, dava um sentimento tão bacana. Gosto muito do segredo (Tijuca 2010), aí não tem jeito, porque o segredo foi um trabalho que tirou todo mundo da zona de conforto, ele teve uma posição de quebrar um carnaval que já vinha daquele jeito. No ano seguinte todo mundo saiu da zona de conforto, casal, comissão, carnavalesco, virou o carnaval”, revelou Hélio.

“Eu também amo essa do Fábio de Melo, quando a gente viu aqueles cisnes, nossa, marcou muito, a gente é muito fã dele. A gente estudou muito o trabalho dele. Inclusive a Imperatriz do último carnaval a gente fez baseado em trabalhos dele. O Leandro disse que queria resgatar a Imperatriz, então em forma de resgate a gente fez uma homenagem a ele no carnaval de 2020. O segredo sem dúvida virou a página do carnaval. Paulo Barros revolucionou naquele ano, já vinha, mas foi campeão praticamente com a abertura da escola, com aquele ‘boom’ já foi campeão, quase que não precisava passar o restante da escola. Além dessas, eu gosto muito da Savana da Vila Isabel (2012) que foi do Marcelo Misailidis, acho que tinha as onças, os animais, tinha um grupo afro se apresentando, ela tinha dois atos, achei bem criativa e com soluções bem interessantes”, declarou Beth.

O elemento cenográfico é tão fundamental assim no Grupo Especial? Sentem que na Série Ouro o trabalho coreográfico é mais relevante?

“O elemento cenográfico precisa proceder com o trabalho que vai ser realizado, precisa ser necessário ao trabalho. Quando ele está ali só como um efeito a gente não curte muito. Mas, quando ele faz parte de um contexto como um todo, dentro do enredo, a gente acha super plausível. Mas, ao mesmo tempo, a gente não curte os elementos cenográficos que tampam o Abre-alas, que tampam o casal, que escondem parte do que está vindo atrás. A gente acha que quebra um pouco a beleza do próprio desfile da escola. A gente tenta sempre fazer os elementos cenográficos o mais baixo possível. Às vezes não dá, como foi em 2020 que foi gigantesco, mas todo baixo”, disse Beth.

“O elemento cenográfico, é uma cenografia, ele ajuda muito a você contar a história. Você tendo essa ideia, o que incomoda mais é a questão da altura. Mas na Série Ouro acontece isso, eles liberam, mas não tem condições de você fazer o trabalho adequado ao que você precisa. Ah podia ter, mas a gente tentou fazer, é mal feito, não tem condições de fazer uma coisa bacana, um tamanho decente. Aí eu fico achando que é melhor que não tenha e você vai buscar criatividade e fica tudo igual para todos. O efeito especial ainda é o ser humano, e isso no Especial também. Quando trabalhamos alguma situação, a gente prefere usar o ser humano para fazer aquela transformação do que trocar elenco, botãozinho. A gente prefere para não esfriar a coisa, porque o mesmo elenco vem quente, ele dá o sangue na frente do jurado”, disse Hélio.

O intercâmbio com artistas do campo erudito (balé e ópera) existe há muito tempo. Qual é o impacto inicial e quais diferenças de trabalho?

“O nosso pessoal são artistas. Não tem nenhum componente que é do Theatro Municipal, nada disso, só eu que sou. Quando começou lá atrás fazendo as audições que a gente desistiu em um determinado momento, em uma audição do Salgueiro vieram 300 pessoas, e eu achei que eles estavam indo ensaiar uma ala. Eu perguntei para eles ‘ você gosta de carnaval?’. ‘ Você sabe que aqui você vai trabalhar de madrugada?’. A primeira pergunta tem que ser essa. Eu acho muito mais interessante os artistas que são mais envolvidos, são mais populares, são envolvidos com a comunidade. A gente procura isso. A gente tem um grupo que está com a gente desde o começo praticamente. O artista erudito é melhor para determinadas situações, um papel específico, um trabalho específico. No nosso caso, eles já sabem o que eu penso, sabe quando a gente está discutindo, que não precisa se preocupar que não vai dar em nada. Mas a contribuição erudita para o carnaval foi muito importante. A troca é muito importante para os dois lados. Não existe esse trouxe mais ou menos, foi uma troca que deu muito certo”, comentou Hélio.

Beth, o seu trabalho com casais é reconhecido. O que você passa para eles sem mudar a dança tradicional?

“É muito importante a questão de preservar a dança tradicional. E, mais importante que isso, preservar as características de cada um. As características de um mestre-sala são totalmente diferentes das características de outro mestre-sala. E não adianta a gente querer que um mestre-sala que é super ágil seja um lorde, com uma leveza absurda, com lentidão que não vai dar certo. É muito importante a gente preservar as características de cada um, tanto do mestre-sala como da porta-bandeira. Existem porta-bandeiras mais dinâmicas, mais fortes, outras mais delicadas, mais graciosas. É muito importante para o trabalho você conseguir identificar essas características do casal e trabalhá-las da forma correta, sem modificá-las, sem que percam a sua essência. Tanto a essência da dança do próprio casal tradicional, como a sua própria essência pessoal”.

Se pudessem, o que gostariam de aperfeiçoar no quesito Comissão de Frente?

“Eu acho que na avaliação precisa ter um olhar bem apurado, bem técnico, tanto na questão coreográfica, quanto da questão do todo que está sendo apresentado com relação à escola, com relação ao enredo. Em relação aquilo que ela se propôs a passar para os jurados e para o público. Se aquilo realmente está sendo passado. A reunião com os jurados eu acho que vai ser muito importante, essa troca para os coreógrafos entenderem melhor o que eles querem ver, e também para os avaliadores entenderem as expectativas dos coreógrafos, o que eles pensam em mostrar para que seja avaliado. Às vezes a gente recebe algumas avaliações dos julgadores em que a gente não consegue identificar o que a gente precisa melhorar para o próximo ano. Ele precisa especificar o que faltou, porque senão você não consegue saber o que você precisa melhorar. Isso para qualquer quesito”, disse Beth.

Hélio: “É um espetáculo aberto, a comissão é um espetáculo que vai mudando, acho que o caminho está certo, é isso aí mesmo, dar liberdade de criação para todos. Eu não falo de jurados porque eu acho que é uma coisa muito difícil, tenho pena dos jurados porque vai tirar ponto, vai ter reclamação. Ninguém quer que falem mal do seu filho, não tem jeito. Quanto ao espetáculo tenta se dar toda a condição, abre-se a Sapucaí para a gente ensaiar, atende os horários de cada um, então não vejo diferença, talvez se fosse possível cobrir a Avenida por conta da chuva, é a única coisa que atormenta a nossa cabeça, é a chuva”, declarou Hélio.

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Vocês trabalham com Renato Lage, Leandro Vieira e agora Bora e Haddad. Quais diferenças deles e intercâmbio de vocês com eles em relação ao trabalho de vocês no quesito?

“Com o Renato foi uma parceria de 11 anos, aprendi muito, eu aprendi não só de comissão, mas a visão de plasticidade, de bom gosto do carnaval. Você vê o desfile dele, a questão das cores, eu acho sensacional. Eu aprendi essa coisa de se você vai levar um elemento alegórico, que as pessoas possam ver todos os lados, que a mesma situação aconteça nos dois lados para que o público possa ver completo esse espetáculo que é feito justamente para o público. Não é para o jurado, o jurado está lá como público, mas dando uma nota. Leandro é uma pessoa que deixa a gente trabalhar. A gente conversa, tem o papo, agora trabalha e segue em frente. E aqui o Gabriel e o Léo, não dá para falar muito porque houve uma química imediata. Isso trouxe um acréscimo ao trabalho, uma positividade. Todos dando palpite, todos discutindo, se reunindo, chamando toda equipe para trabalhar sempre junto. Foi até uma surpresa quando a gente chegou aqui, um ano antes deles, e eles falaram ‘nós somos fãs de vocês’. E, eu falei para com isso! Não vai se liberar não, porque a gente envolve muito os carnavalescos. Tudo que a gente faz, o próprio Leandro que era mais reservado neste sentido, eu fazia as coisas e mandava vídeo para ele, porque o importante é esse. Até porque eles trabalham com o macro, com o todo”, disse Hélio.

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“Com o Renato foi o nosso início, a gente aprendeu muito, a gente deve muito a ele e a Márcia (Lage). A gente teve uma troca muito grande com eles para conseguir acertar. Criou-se uma amizade. Aí depois aconteceu uma coisa diferente que a gente já estava na escola e o Alex chegou, o Alex Souza, já foi um relacionamento muito bom também, mas ele já confiava no trabalho, parecido com o Leandro, ele já entregava na nossa mão. Não que o Renato não confiasse, o Renato confiava muito. Mas a gente teve uma troca maior. Com o Alex a gente começou a querer essa troca também e o Alex ficou meio assustado, ‘comissão vocês não vão fazer a parte, não vão ter a ideia? Só me digam aqui que eu desenho’. E não era, a gente queria essa mesma troca com ele que ficou um pouco assustado com essa questão, mas também deu muito certo e a gente envolveu ele em todo o processo. E aí logo depois o Leandro a gente já havia trabalhado na Série A, e o Leandro é incrível e ele joga na nossa mão e fala o enredo é isso, e o que vocês acham de fazer isso? A gente, perfeito. Ele vê na Avenida, é confiança total. Às vezes tem que chamar, Leandro vem ver, vem ver se está bom. Ele é um querido também. E o Léo e o Gabi, também foi um pouco parecido com o Alex. A gente já estava aqui e eles chegaram. E aí eles falaram ‘o que vocês querem fazer?’. A gente falou não, como é o enredo de vocês para a gente entender e trocar. E aí houve essa química de imediato, e foi tão bom o trabalho e no final a troca era em tudo, não era só na comissão, e eles queriam opinião na baiana, e a gente no final, estava decorando carro com eles, colando”, declarou Beth.

Acham legal que tenha a apresentação apenas na frente do módulo de jurados ou gostariam que a análise fosse igual SP pela pista toda?

“O que eu gostaria é que realmente você fosse avaliado na pista toda porque a gente quer fazer o trabalho para o público para todo mundo, só que como tem essa questão dos módulos a gente é obrigado a parar e se apresentar. E às vezes não dá tempo de a gente reverter o processo e recomeçar para fazer para o público e depois reverte para fazer para o público. Acho que isso engessa muito”, comentou Beth.

“Acho que tem que ser muito bem avaliado isso. Já foi assim. Porque também é complicado você evoluindo sempre e você parar onde você quiser para fazer uma apresentação. Fica igual ao módulo. Chegou a um ponto em que se espera aquele local onde as comissões podem parar e executar seu trabalho, sai e o casal de apresenta, refaz toda a comissão. E o problema maior da comissão de frente não é você provocar um efeito, é você voltar, desmontar aquilo que você montou ali na frente para você montar e se apresentar de novo mais à frente. Acho que tem que ser muito bem avaliado uma mudança. No Rio de Janeiro a gente andaria um passo para trás, eu acho. Você avaliando uma comissão só passando, você não terá mais esses efeitos tão mirabolantes”, declarou Hélio.

A Grande Rio vem com apresentados enredos fundamentais para sociedade. Como isso mexe com o trabalho artístico de vocês?

“Não foi uma exigência, mas foi uma das coisas que a gente colocou aqui na escola para que a gente também estar ajudando nisso. Porque a gente tem que ser claro. Quando a gente não estava aqui, a gente ouvia toda uma história sobre a Grande Rio global. Quando a gente chegou aqui, cadê os globais? Mas ainda assim, havia uma necessidade de um resgate da escola e a gente começou a conversar com os presidentes, a gente começou a ajudar nesse sentido. E sobre os enredos, os dois últimos, fala-se muito ‘ah está falando de novo’, não é de novo, é um assunto inesgotável, ele precisa de muito tempo para se falar sobre ele. Sobre essa questão do preconceito religioso. Porque o Exu nada mais é que o popular. Isso é muito importante. Desmistificar esse preconceito religioso com a figura do Exu. E é importante a gente também carnavalizar, mostrar essa coisa do povo, da Estamira mesmo”, declarou Hélio.

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“Não era nada disso que falaram, ou que a gente esperava encontrar, era uma comunidade linda no ensaio de rua. E o Joãozinho da Gomeia foi um enredo que foi ao encontro da comunidade, toda essa questão da religiosidade, toda essa questão cultural. Toda essa questão do preconceito religioso. Eu acho que isso foi muito forte para a comunidade também. E agora a gente vem com um enredo muito forte, ligação com o lixão lá de Caxias, tem a questão da Estamira, toda essa questão de dar voz aos que não tem voz, aos que a sociedade hoje não enxerga, e isso para gente é muito forte, é muito poderoso para gente trabalhar com essas relações, com essa questão da visibilidade para o mundo, conseguir emplacar isso. Foram dois enredos no ponto, certeiros”, disse Beth.

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