A presidenta da Mangueira conversou com o site CARNAVALESCO sobre as expectativas para o Carnaval de 2023, gestão da verde e rosa e a influência de ex-presidentes. Guanayra Firmino está em seu primeiro ano de gestão como presidente, mas tem uma longa trajetória dentro da Estação Primeira de Mangueira. Trabalha ativamente na escola de samba desde a gestão presidencial de seu pai, Roberto Firmino dos Santos, entre 1992 e 1995. Responsável pela aproximação da agremiação com a comunidade, a presidenta diz que o povo do Morro da Mangueira a vê como liderança.
Ao site CARNAVALESCO, Guanayra falou sobre sua relação com os ex-presidentes Elmo José dos Santos, Álvaro Luiz Caetano, o Alvinho, Chiquinho da Mangueira e Elias Riche, além de comentar sobre os recursos financeiros da verde e rosa e a importância de se posicionar politicamente.
O que representa para você ser a presidenta da Mangueira?
“Além da honra, de tudo que a Mangueira representa para mim, para os meus ancestrais, para minha família, é o maior desafio da minha vida. É um desafio. Eu sou uma pessoa que sempre estive e sempre estou envolvida em algum movimento, alguma coisa popular. Estou na Mangueira desde o início da gestão do Chiquinho, sendo o braço direito dele ou, como ele dizia, ‘o braço direito e o esquerdo’. Fui vice-presidente do Elias. Então, dentro da Mangueira, eu já fui presidente de ala reunida, presidente de Comissão de Carnaval. Eu digo, dentro da Mangueira e para minha vida, [ser presidenta] é o maior desafio de eu me superar no que faço, no que eu acho que sei fazer”.
Pós-desfile de 2022 os mangueirenses ficaram preocupados com muitas saídas, mas depois o clima melhorou. Como aconteceram essas mudanças e por qual motivo?
“Na verdade, a Mangueira teve mudanças porque as pessoas pediram para sair. E foi bem antes da minha eleição – nada contra minha pessoa. A gente ia entrar em um processo eleitoral e aí carnavalesco resolveu sair, o coreógrafo da comissão de carnaval. As saídas maiores foram as pessoas que procuraram sair. Foram sentidas, mas a Mangueira segue, tem que seguir. Fechei com a porta-bandeira, a Squel, depois ela me procurou dizendo que ia parar. Também foi uma surpresa grande, mas no mesmo dia eu consegui uma ótima porta-bandeira. E os outros que foram diretor musical, mestre de bateria, são coisas que eu por estar aqui há nove anos na gestão fui vendo, fui pensando: ‘se eu fizer assim, se fizer assado’. E aí assumi a presidência e eu resolvi colocar minhas teorias na prática”.
Doeu a saída do Leandro Vieira ou foi o fim de um ciclo que deu certo, mas que sempre tem uma mudança para oxigenar?
“Leandro é uma pessoa querida. Chegou na gestão do Chiquinho e a primeira pessoa que abraçou ele fui eu. Me dou com ele, já fui na minha casa sem ser pela escola de samba, era muito amigo do meu filho. Doeu sim, mas vida que segue”.
A Annik já passou pelo Especial e o Estevão vai estrear. Com vocês chegou aos dois nomes?
“Eu sou uma pessoa admiradora do grupo de acesso. Eu prefiro até ver esses desfiles na televisão. Eu não gosto de ver carnaval por ver, eu gosto de estar olhando ‘esse trabalho aqui, esse carnavalesco, esse mestre de bateria’. Eu gosto muito de ficar em casa vendo acesso. Eu ficava aqui entregando fantasia de comunidade nesses nove anos, mas corria para casa para ver. Aí eu me encantei pelo trabalho dos dois assistindo o desfile, como também foi o caso da Cintya (porta-bandeira). A Annik eu já conhecia até de nome, o Guilherme ainda não. Me encantei com o trabalho deles e estavam aqui na minha cabeça. Já havia uma possibilidade de eu ser candidata [à presidência], mas claro que, se o Leandro estivesse aqui naquela época, eu não ia pensar em trocar. Como aconteceu do Leandro falar que ia sair, eu já tinha na minha cabeça essa ideia. Conversei com eles, os dois tinham ideias de enredo muito parecidas. Todos que entrevistei eu perguntava: ‘Se hoje você fosse me apresentar um enredo, qual seria?’ Eu sou encantada por enredos falando da brasilidade e da África, nem se fala. Eu sou um entusiasta desse tipo de enredo. Até a Mangueira faz muito pouco. Aí os dois me apresentaram ideias muito parecidas e eu estava querendo já montar uma dupla: bateu, casou. Conversei com um se aceitava o outro e começou o namoro. Agora já estão no noivado. Se dão muito bem”.
É falado nos bastidores que a Mangueira terá um pouco mais de “conforto financeiro” do que nos últimos anos pelo apoio da Bahia. É por aí o caminho?
“Nenhum centavo. Até que a gente está tentando, mas até hoje nada. Quando se fala de um estado, de um país, todo mundo acha que entrou um dinheiro. Eu estive na Bahia semana passada e me disseram que nós ganhamos R$ 2 milhões da prefeitura. [Quem disse] Isso foram amigos nossos de blocos, que vão até participar. Eu falei ‘quem dera, a gente está aqui buscando isso’. Nada, nada. Nem um real. Esperamos que chegue alguma coisa a tempo”.
Hoje, a Mangueira vive melhor financeiramente ou ainda tem que pagar dívidas de gestões passadas?
“A Mangueira não tem uma dívida como lá em 2013. Tem muita coisa paga nesse período. Eu peguei a escola que tem umas dívidas já organizadas, parceladas. E a gente segue pagando. A Mangueira não é uma escola rica e continua não sendo. A Mangueira não tem um patrocinador e continua não tendo. O que eu tenho feito é tentar otimizar a forma de usar os recursos. Só isso. Mas com toda dificuldade que a maioria ou todas escolas têm, a gente está colocando o Carnaval na rua. Não está sobrando dinheiro, continua faltando, mas a gente vai tentando administrar os recursos da maneira que a gente acredita que dá para ser. E tentar otimizar mesmo os processos”.
Nos ensaios de rua é possível ver a comunidade atuando o que não estava acontecendo ultimamente. Qual foi o caminho para trazer o pessoal do morro novamente para dentro da escola?
“A comunidade já está assim há muito tempo. Eu comecei um resgaste da ala da comunidade na gestão do meu pai em 1992, porque eu tinha um ressentimento de que a Mangueira se dizia uma escola de comunidade e não tinha uma ala de comunidade. Até saíam pessoas [da comunidade], mas nas alas comerciais. A gente começou timidamente com 300 pessoas na ala da comunidade e as alas comerciais tinham que doar 10% para a escola colocar pessoas da comunidade. E foi legal. Acabou a gestão do meu pai em 1995 e eu me afastei dessa parte, veio outra diretoria. Aí na gestão do Elmo e do Alvinho foi aumentando. Quando veio agora a gestão do Chiquinho, com o poder que eu tinha que fazer as coisas, eu voltei a mexer na comunidade do jeito que é hoje. E ela já vinha assim há bastante tempo, mas esse ano o pessoal está especialmente envolvido. Acho que tem muito a ver com o enredo. Em especial com a ala da comunidade, tem muito a ver com o fato de eu ser presidente ou presidenta, porque eu sou a pessoa responsável pela ala da comunidade. Ainda sou. Eu cuido de tudo. Tenho minha equipe que é a coordenação da comunidade, mas continuo coordenando a coordenação da comunidade. E eles têm uma conexão muito forte comigo, eu vejo a alegria deles, o abraço quando passo, o choro. Teve até choro lá no início. Eles se sentem bem representados pelo nosso enredo, pela presidenta preta da comunidade, que era e é ainda a liderança deles e da escola. Acho que deu um pouco mais de gás”.
Você sempre se posiciona politicamente. Qual é a importância da presidenta da Mangueira falar sobre assuntos que vão além do desfile e da escola de samba?
“Eu sou uma pessoa que me posiciono politicamente desde os meus 14 anos de idade. Eu acho importante porque eu acho que o Carnaval é político, o samba é político, a escola de samba é política, nós somos seres políticos, queiramos ou não. Acho que a Mangueira, com a representatividade que ela, na minha gestão, tem que se posicionar, mas não do jeito só que eu penso, mas se posicionar do lado do povo, que é também o meu pensamento. E aí eu me posiciono enquanto presidenta, como pessoa e como Mangueira porque eu acho que a Mangueira tem que sempre se posicionar do lado que a gente acha que é certo para o povo. A Mangueira é uma escola do povo, é uma escola extremamente política. A fundação da Mangueira, lá atrás, é extremamente política, aquela resistência do samba. A Mangueira tem que se posicionar da maneira que o povo acha e, hoje em dia, tem o toque da minha opinião também”.
Dentro da Liesa, a Guanayra fala ou prefere mais ouvir?
“Ouvir, até porque estou chegando agora na Liesa”.
Falam também que você não foge da responsabilidade, mas que também cobra os segmentos. Como é a Guanayra presidenta?
“Eu gosto muito de delegar, mas acompanho todos os processos como falei antes, faço questão. Acompanho a parte de comunicação, dou opinião, peço para fazer assim. Delego e vou acompanhando. Dentro do que eu acho que tem que ser, do que eu acredito, se eu achar que está faltando alguma coisa eu vou lá dou esse toque. Isso com os carnavalescos. Só não me meto na parte artística porque não tem como. Mas um toquezinho ‘olha isso aqui não está descascando’, ‘não tem que ver isso antes da Avenida’. Eu tenho esse olhar. Eu gosto de trabalhar assim. Eu gosto de ter uma equipe muito grande, eu não sou sozinha. Sempre para onde eu vou na vida eu carrego muita gente comigo. Dando poderes, mas acompanhando, afinal de contas a responsabilidade é minha”.
Qual seu samba e seu desfile inesquecível na Mangueira?
“2016. ‘Menina dos olhos de Oyá’. É o carnaval da minha vida. Um carnaval de superação. Eu sou amiga do ex-presidente Chiquinho há uns 33 anos, coisa que a gente construiu dentro da Mangueira. A gente trabalhou muito com o social dentro do Morro da Mangueira. Eu acompanho o trabalho lá desde o início do programa social da Mangueira. Quando o Chiquinho assumiu, me chamou para estar com ele. A gente vinha de uma escola com um processo eleitoral bem complicado naquela época e a gente tentou unir; a Mangueira não vinha de boas colocações apesar de ter estado nas Campeãs. E aí foi um carnaval de superação mesmo, de muito trabalho. O terceiro [da gestão do Chiquinho], a gente já estava mais estruturado. Com todas as dificuldades que a gente vinha, a gente conseguiu vencer aquele Carnaval. Quando saiu o resultado lá na quadra e eu achei que ia morrer. Me abaixei, me bati, foi uma coisa terrível. A minha afilhada dizendo: ‘Deixa ela!’. Mas eu tinha que tirar aquele nó gritando ‘Vencemos! Vencemos!’. Eu achava que a Mangueira merecia mais do que ela estava passando. Dali para cá estamos indo bem, a gente está sempre aí. Ganhamos mais um Carnaval. Sempre nas Campeãs. Esse ano não deu, a escola veio de uma gestão Elias-Guanayra difícil, pandemia, falta de recurso maior do que já é e foi até um bom resultado”.
Você é filha do ex-presidente Roberto Firmino. Qual lição sobre a Mangueira você aprendeu com ele?
“Meu foi presidente em uma época que era completamente diferente, entre 1992 e 1995. Nosso barracão era na Praça XI, a escola tinha bem menos recursos, recursos humanos, mão-de-obra. Naquela época, em termos de aprender para Carnaval, essa parte de barracão, de ateliê. A primeira vez que a Mangueira teve um ateliê próprio para fazer suas próprias fantasias de baiana, bateria, foi na gestão do meu pai e foi eu que criei. Era aqui no galpão de um artista plástico que eu acho que ainda existe. Aluguei um pedaço do galpão dele, fiz lá. A lição disso: de trabalhar com poucos recursos. Nós fizemos carnavais, independente de colocação, bonitos. A lição de agregar pessoas, meu pai era assim também. Eu sempre digo, e vou nesta entrevista, não achava meu pai um bom administrador na parte de gestão. Ele era sambista, entendia de samba, de harmonia. Meu pai foi o primeiro diretor de samba, de harmonia, mas essa parte de gestão não. Isso eu tenho bem diferente dele, porque eu sou gestora na vida. Eu faço gestão desde os 14 anos. Meu pai era aquele homem do samba, de harmonia, diferente. Então, nessa parte eu achei que ele não foi um excelente gestor, mas essa parte estrutural, de trabalho dentro do barracão, aprendi tudo com ele, na gestão dele, e com outras pessoas também. Meu tio Sinhozinho foi presidente também, eu era criança ainda. Lá em casa a gente tem esse sangue. O pai do meu tio, o seu Júlio, foi o segundo presidente, depois de Saturnino. Foi o primeiro diretor de harmonia, meu bisavô. É uma coisa que vem de família”.
A Mangueira tem diversos presidentes vivos e que foram muito importantes na história da escola. Como você lida com eles na sua gestão?
A gente vem em um grupo desde a gestão do Chiquinho composto no apoio a ele dos ex-presidentes Elmo e Alvinho. O Chiquinho virou ex-presidente e junto com Elmo e Alvinho veio apoiar a gestão do Elias. E, hoje em dia, eu tenho apoio dos quatro na minha gestão e participam. Ontem [terça-feira, 12 de janeiro] mesmo estava aqui o Elias e o Alvinho. Chiquinho está sempre aqui também. O Elmo está aqui toda hora. A gente fala muito, me orienta. Eu costumo dizer que eles são meus mentores. É bom ter o respaldo de presidentes tão importantes para a história da escola já que meu pai não está vivo. É muito bom ter o apoio deles, a participação e a parceria, é importante”.
Vocês criaram uma cerveja, entraram no Metaverso, o que mais você projeta de inovação?
“Tem muitas ideias, mas muitas coisas que não estão concretizadas e aí vou falar. Depois do Carnaval, a gente quer realizar bastante coisa. Agora a gente está muito focado no Carnaval. A gente tem muita ideia porque eu acho que a gente tem unir o tradicional ao novo à parte do Carnaval. As escolas não fazem pirotecnia? Por que não no dia a dia também? A gente tem muitas ideias para colocar em prática, tem coisas que vão acontecer já, mas a gente deixa para a próxima conversa”.
Na gestão do ex-presidente Alvinho sempre tinha uma obra anual na quadra. Você pensa em fazer algo no Palácio do Samba?
“No Chiquinho tinha mais, eram mais obras. Na gestão do Alvinho e do Elias, teve pintura. Nossa pintura está boa. O que preciso fazer agora é recapear aquela parte cinza que está toda estourada, está horrível! Todo dia que eu vejo uma foto de alguém que postou do samba, eu falo ‘Ai meu Deus!’. Mas tinha que parar, só que não podia parar. O carnaval começou em cima, depois veio as eliminatórias da escolha de samba, a gente tem fazer samba, porque o samba não fatura tanto, mas ajuda para uma conta do dia a dia. Não dava para parar, mas a gente pretende depois, nesse período parado, dar uma repaginada. Não é mudança, eu chamo de conservação. Não dá para fazer mudança, a quadra ali já é pequena, não tem o que fazer, aumentar para lá, para cá. A questão mesmo é deixar mais bonita, mais limpa com tintura, pintura”.
O que o mangueirense pode esperar do Carnaval 2023 da Mangueira e de encerrar o domingo do Grupo Especial?
“O mangueirense pode esperar uma escola feliz, aguerrida. Podem esperar da presidenta, ter certeza que eu estou fazendo o máximo para fazer um carnaval bonito, à altura da Mangueira, à altura de todas as escolas do carnaval carioca. Entregar um desfile à altura do nome da Mangueira, como a gente tem feito, mas agora com a minha marca”.