Presente na vida da Unidos da Tijuca desde os anos 80, José Fernando Horta de Sousa Vieira, o presidente Fernando Horta, tirou a escola de uma fila de mais de 70 anos. A escola só havia sido campeã uma vez antes do dirigente, em 1936. Português de nascimento, mas carioca de coração, Fernando Horta deu a primeira chance ao carnavalesco Paulo Barros no Grupo Especial em 2004, sendo vice-campeão neste ano e no ano seguinte revolucionando o carnaval. Essa parceria que teve muitas idas e vindas levou a escola aos títulos em 2010, 2012 e 2014, mudando o patamar da Amarela e Azul do morro do Borel. Próximo dos 70 anos, o presidente da Tijuca vai completar 21 anos seguidos no cargo, e teve ainda outras duas passagens que somadas completam 30 anos só como presidente, fora a marcante presença em outros mandatos de 1987 para cá.
Em entrevista ao site CARNAVALESCO, o empresário português do ramo da vidraçaria, natural de Felgueiras, comentou o tão esperado tombamento da quadra da escola, explicou sua relação com o carnavalesco Paulo Barros, expôs seu pensamento sobre a sucessão a frente da Unidos da Tijuca, revelou os bastidores da decisão de colocar Wic Tavares como microfone principal da agremiação ao lado do pai Wantuir, e por fim, se disse totalmente confiante em um grande desfile da Unidos da Tijuca no Carnaval 2022.
Após tanto sufoco o que representou para você e para a Tijuca o tombamento da quadra?
“Representou muito, isso nós estamos lutando desde 1992. Agora a escola ficou com uma situação mais tranquila, temos que resolver o resto, mas acho que foi bom para mim, até porque eu queria quando acabar o meu ciclo na Unidos da Tijuca deixar a escola mais bem estruturada. Foi importante para mim pessoalmente e mais para a escola. Acho que foi uma coisa justa até porque aquilo ali praticamente é terra de ninguém. A Tijuca está implantada ali desde 1992. A Tijuca não invadiu, pagava um aluguel anos e anos, era do Clube dos portuários, depois passou para administração das docas, depois venderam para o Porto Novo, e depois venderam para o fundo da Caixa, uma confusão danada, e a Tijuca tinha um contrato feito com a União, com as Docas, e a Tijuca estava se propondo a adquirir aquele espaço que ocupava, 2800 metros quadrados, com um contrato separado, com todas as instalações separadas. E nós tentamos fazer um acordo que foi aquilo que eu sempre lutei, e agradeço pela votação na Câmara de Vereadores, praticamente unânime, e agora a luta continua porque agora a gente tem muito mais segurança para fazer uma adaptação melhor, de reforma, de melhores instalações. A Tijuca gastou ali uma fortuna, mas sempre fazendo puxadinho, nada em condições daquilo que eu sonho em deixar para a Unidos da Tijuca”.
Qual é seu desfile inesquecível na Tijuca? E por qual motivo?
“É o mesmo carinho sempre, quando eu começo a fazer um carnaval, para mim o carinho é sempre igual. Até porque a hora que eu perder esse ânimo, eu estou fora. Agora logicamente tem uns que acontecem mais do que os outros, isso é natural. Agora o meu carinho é sempre igual para cada desfile”.
Era possível imaginar que um português se tornaria um dos maiores dirigentes de uma escola de samba do Rio de Janeiro?
“Não, primeiro que eu assumi a escola sem querer. Não tinha pretensões nenhuma. Não tenho agora. A escola faz eleições. Dessa época que eu milito na escola já teve três ou quatro presidentes. Claro, eu sempre junto. Eu mesmo não sei explicar. Eu era jovem, me empolguei. Logicamente que a Tijuca era uma escola de médio porte e eu sempre na vida, tudo aquilo meu, de pequeno se tornou grande, então a Tijuca hoje é uma escola grande. Grande que eu digo, não quer dizer financeiramente, a gente luta todo ano para fazer carnaval. Agora, eu sonhar que eu queria ser grande, eu não queria não. Eu entrei por acaso, entrei porque estava envolvido, a escola teve um fracasso, me achei um pouco responsável, houve um pedido muito grande da comunidade para eu assumir a escola, e a gente está aí. E eu me considero tão carioca quanto você ou qualquer um. Eu vim para cá jovem, tinha 11 anos, eu amo esse povo e essa cidade. Muitas pessoas que estão aqui no Brasil estão por que tem que estar, eu teria outras opções de vida graças a Deus, talvez mais confortável e com mais tranquilidade, e continuo aqui. Eu sempre andei envolvido na arte do carnaval e foi acontecendo”.
Vamos voltar lá atrás em 2004. Em algum momento, você ficou preocupado com o que seria o desfile quando olhava o trabalho do Paulo Barros no barracão? Aliás, você fala sempre do carinho pelo Paulo Barros e ele, por você. É o maior artista da história da escola?
“Não, a Unidos da Tijuca tem e teve grandes artistas. Eu acho que a única que não passou por aqui ainda foi a Rosa. Já passou o Renato, passou o Paulo Barros, acho que eu tenho mais carinho pelo Paulo Barros do que ele tem por mim, mas tudo bem. Mas eu tive um grande artista aqui que foi uma pena ele ter falecido, que foi o Oswaldo Jardim, que começou a modificar a cara da Unidos da Tijuca. Foi o maior carnavalesco que a Tijuca teve, na minha concepção. Agora, o Paulo Barros foi muito importante na vida da Unidos da Tijuca, até porque foi uma aposta minha. Paulo Barros só tinha feito um ano ou dois de escola do Grupo de Acesso. Foi uma aposta que na minha cabeça eu pensava que o carnaval estava muito igual. Era cada um apresentando mais luxo do que o outro. E eu via a dificuldade de competir pelo financeiro. Então apostei em fazer alguma coisa diferente. Ninguém apostava e achava que a escola ia para o buraco em 2004 quando viram aquele carro do DNA, mas antes em 2000 a escola fez um grande carnaval que tirou o quinto lugar, ela vinha fazendo grandes carnavais. Para mim, o carnaval de 2004 , 2005, 2006 a escola merecia ter ganhado o campeonato. Foi uma coisa nova que o julgador que era mais conservador não entenderam muito bem o recado da Tijuca”.
Uma vez na premiação do Estandarte de Ouro, no antigo Canecão, você desabafou e disse que não deixariam um vidraceiro português ser campeão do carnaval. E você foi campeão. Foi complicado colocar a Tijuca nesse patamar em que esteve de 2004 até 2016?
“Foi uma grande luta porque quando a partir dos anos 2000 que as condições financeiras começaram a ser melhores para as escolas, logicamente que a Tijuca deu o pulo do gato. Tivemos alguns anos de sufoco tremendo, então a Tijuca foi campeã em 2010, 2012 e 2014, mas já merecia ter sido campeã antes. Nos anos 2000, a Tijuca fez grandes carnavais, e não ganhou por questão de décimos. Eu perdi dois campeonatos por muito pouco. Acontece. Mas de 2000 para cá a Tijuca sempre faz carnaval para disputar. A nossa mentalidade é essa”.
O desfile de 2020 não foi o esperado. O que houve?
“Embora seja um grande artista, eu não vou culpar A, B, ou C, houve algumas falhas de alguns quesitos e também da concepção do enredo no geral. Mas, a culpa é sempre minha e aconteceu o que tinha que acontecer”.
Muita gente questiona o resultado de 2019 na Tijuca. Você ficou chateado com a colocação? Merecia voltar nas campeãs?
“Não merecia tirar a colocação que tirou. Em 2019 por exemplo, como era um enredo religioso, eles entenderam de outra maneira, jamais eu poderia perder ponto em alegorias ou perder em samba-enredo, mas faz parte”.
O que você sentiu quando houve o acidente em 2017? Foi seu momento mais difícil na escola?
“Aquilo foi uma das grandes decepções porque a Tijuca vinha com um carnaval para ganhar títulos. A Tijuca brigaria ali na ponta. E eu afirmo, depois de estudos feitos, sem ser de cabeça quente, nós fomos sabotados ali. Alguém sabotou o carnaval da Unidos da Tijuca. Lógico que foi internamente, mas profissionais externos. Alguém fez alguma coisa porque não tinha como acontecer aquele acidente e realmente atrapalhou a disputa do carnaval. A Tijuca vinha bem, a Tijuca vinha forte. Mas, em outras escolas já aconteceram acidentes e perderam carnaval assim dessa maneira. Acontece. Ninguém pode dizer hoje que vai ganhar, porque o carnaval é disputado dentro da pista. Ninguém está livre de um acidente”.
Tivemos vários anos que a Tijuca era apontada como rival da Beija-Flor no canto da comunidade. Hoje, as pessoas dizem que a escola precisa resgatar isso. Concorda?
“Eu acho que as escolas têm resgatado isso. Até porque a primeira escola que começou com isso não foi a Beija-Flor, foi a Unidos da Tijuca. A Unidos da Tijuca começou lá atrás com as alas de comunidade financiando 100 por cento. E depois a Beija-Flor veio muito bem, logo em seguida, fez um trabalho muito legal. E hoje, todas as escolas estão fazendo esse tipo de trabalho. Até porque quando eu entrei no carnaval, as escolas tinham compromisso de fazer baianas, passistas, velha guarda, alguns segmentos, o resto era tudo ala comercial. Embora tenha ainda algumas escolas com alas comerciais, elas começaram a investir muito nas de comunidade. Quando eu falo em comunidade, não falo só do Borel, são comunidades, pessoas, o cara pode até morar na Vieira Souto, mas ele participa da ala de comunidade. Tem muitos casos desses, as pessoas que se dedicam a vir aos ensaios, a fazer treinamento. Quando o cara compra uma fantasia, sabe que o cara fica sem compromisso nenhum. E tinha muito estrangeiro também. Eu acho até que a Liga deveria deixar participar, de repente com uma ala no fim da escola sem ser avaliada”.
A Wic, filha do Wantuir, é cotada como uma das maiores revelações do carnaval. Quando surgiu na sua cabeça que ela assumiria o microfone principal ao lado do pai?
“A Wic já havia saído no ano passado na escola, ela também saía na São Clemente, e esse ano, eu já vinha prestando atenção nela. Logicamente que é muito difícil você colocar uma mulher como voz principal. Desde que eu estou no samba só aconteceu uma vez e mesmo assim não deu muito certo. Ela foi contratada pelo samba vencedor, e eu conversando com o pai dela eu falei ‘que tal colocar a tua filha junto com você? ’. Porque geralmente nenhum cantor quer. Geralmente o cantor pensa ‘eu sou o número um e acabou’. Outras escolas que tentaram fazer, saiu faísca. Como foi até um pedido dele também, ficou numa boa. No fundo ele abriu uma janela para mim também. E foi por méritos dela, ela não está lá por favor nenhum. A escola não faz isso, todo mundo que está é por méritos. E a Wic está lá porque ela tem capacidade para estar. Agora dizer que ela vai ser a voz 100 por cento da Unidos da Tijuca é uma coisa a se pensar, se ver, porque as experiências que foram feitas lá atrás não deram muito certo. E o pai dela também já está com idade, eu gosto muito dele, é um bom profissional, ele estava aqui com uma carreira muito boa, cismou de ter saído, depois queria logo voltar mas ficou de castigo. Agora está aí, é um cara fácil de lidar, dedicado, mas todo mundo tem um fim. É que Jamelão só teve um, cantou até o final. E o Neguinho que está aí, e ele ainda está longe dessa idade. E na vida existe renovação. E vai ter comigo. Fernando Horta só tem um. Amanhã e depois eu vou assistir o desfile lá na frisa ou arquibancada”.
Você tem um dos melhores mestres de bateria do carnaval. É fácil manter o Casão na escola ou o assédio de outras agremiações é complicado?
“Casão não vai. Já não é novinho, mas é cria minha. O Casão não pensava nem em ser diretor de bateria. Ele vivia na bateria, sempre foi lá da comunidade, embora já não mora mais lá há muito tempo, mas ele além de tudo era meu funcionário, era vidraceiro. É um mestre de bateria que tem méritos para isso. A maioria da rapaziada que está na bateria são meus amigos, conheço a maioria desde criança. O Casagrande teve uma vez que lá atrás, uns 4 anos ou 5, ele foi assediado por uma escola, ele veio falar comigo e eu falei ‘oh, meu filho, tu é que sabes ‘. Mas ele mesmo recuou, falou que não é dele, o Casagrande vai se aposentar na Unidos da Tijuca. Igual a mim. Logicamente também deve ter passado necessidade porque pegou essa situação toda, pouco show, pouco trabalho, mas com ele eu fico absolutamente tranquilo. É muito mais fácil, eu largar a escola do que ele sair. Se ele chegou ao que é, é justamente por ser um cara muito trabalhador. Ele tem a bateria totalmente controlada, ele briga demais pela bateria. Além de ser meu diretor de bateria ele é meu amigo”.
O que o Horta pensa dos rumos/futuro dos desfiles das escolas de samba, após quatro anos de Crivella e dois anos de pandemia?
“O carnaval vinha muito bem, eu me recuso falar esse nome (Crivella). Foram três anos praticamente, porque o outro ainda estava sendo administrado pela administração passada. Sufoco, uma má vontade, um cara que era completamente contrário ao carnaval. Além de não ajudar, ele incentivava para ninguém ajudar. Foram uns anos muito difíceis. A mim, ele não enganou. Tanto que alguns presidentes de escolas de samba optaram em apoiar ele, eu não. Chamei ele de mentiroso em uma reunião que ele marcou 7h da manhã que ele achou que a gente era vagabundo e não ia comparecer. Ele falou que não ia mexer em nada no modelo de carnaval e que se não pudesse fazer melhor ele ia igualar pelo menos o que estava. Nesta reunião, ele perguntou ‘Horta, você não fala nada?’. E eu falei ‘ não vou falar nada porque você é mentiroso’. É para esquecer. E depois logicamente que a pandemia veio derrubando muito mais. Não foi a questão de a gente não fazer carnaval, ficar um ano sem ter carnaval, não tem recurso, mas também não faz o desfile, mas no caso da Unidos da Tijuca e outras, nesta pandemia ela deixou de trabalhar, ela deixou de fazer apresentações, ela deixou de fazer situações que ela faz na quadra, empresas que alugam. Porque o dinheiro que vem para o carnaval, eu aplico no carnaval, para fazer carnaval, mas a escola para sobreviver ela vive destes eventos que ajudam muito. Nós estávamos esperançosos com esse carnaval, infelizmente teve que ser adiado, quando se colocou os produtos à venda houve uma alavancada, e depois do adiamento houve um recuo muito grande. A gente não sabe se pode contar com a receita que nós estávamos contando para fazer um carnaval melhor e você pagar o staff. Você gasta um dinheiro grande com a logística, leva mais de 150 profissionais para a Avenida. Você não gasta menos de 300, 400 mil reais para fazer essa brincadeira”.
E sobre seu sucessor. Pensa em formar alguém e como ficará a Tijuca no dia que você não estiver mais presente?
“Eu não sou muito de ‘vamos criar fulano’. Até porque eu já participei de outra diretoria em clube de futebol. Você tem um grupo de pessoas que ajudam, que apoiam, não estou nem falando financeiramente, que ajudam dentro da elaboração do carnaval. Mas, a liderança, ela nasce. Dentro daquele grupo que existe, tem que surgir. Aqui não é uma escola que o sucessor vai ser preparado, um parente meu, não. Ele tem que surgir dentro do nosso grupo, eu penso dessa maneira. Não se prepara, cada um nasce com liderança, capacidade administrativa. Tem uma turma que está aqui na escola há muito tempo e na hora certa a gente vai avaliar qual o que eu sinto que tem mais capacidade para eu indicar. E indicar, porque aqui é uma escola democrática, tem eleições. A Tijuca não é falada em época de eleições, ninguém sabe, até eu mesmo às vezes me esqueço, mas a gente abre de três em três anos, bota edital, coloca lá na comunidade, e infelizmente nunca apareceu nenhum candidato. Só apareceu uma vez, aí a votação começou 9h, quando era 10h ele quis desistir. O cara ficou com vergonha e eu falei ‘agora você vai ficar até o final’. E eu já fiquei três ou quatro mandatos sem ser presidente. E para ser presidente o cara tem que querer também, tem gente que se arrepia todo se você perguntar, tem medo de assumir, são bons, mas tem medo da responsabilidade “.
O que falta para a Unidos da Tijuca voltar ao sábado das campeãs?
“Falta boa vontade de alguns e é assim mesmo, você tem que saber que você está em uma disputa que tem 12 escolas, e 12 escolas muito fortes. Tem que ser realista, vem ali 8 ou 10 que querem ganhar. Então aquilo é um jogo só. Você perde um décimo, perde dois décimos, ganha ou perde com essa diferença. O carnaval é muito equilibrado. Até os anos 2000 era feito com aquelas escolas que tinham um poder financeiro muito maior, depois que começou a equilibrar as verbas, aí começou a ter mais escolas fortes. Aquilo que a Tijuca quer, todas querem. Aquele negócio de o cara achar que vai ganhar todo ano, já era. Pode até ganhar, mas é uma coisa difícil. A grande maioria corre atrás do mesmo objetivo. Não tem campeão antecipado, carnaval é lá na Avenida”.
Por fim, o que esperar do desfile de 2022 da Tijuca? O que você responde quando colocam a escola brigando para ficar no Grupo Especial?
“Algumas pessoas que não entraram no barracão ficam falando besteira. Mas eu sei aquilo que a escola tem e o que vai fazer. E a concepção do carnaval que eram 10 quesitos, eu brigo para voltar esse último que tiraram, que é o conjunto. Eu acho que o conjunto é necessário. Mas uma escola para se ganhar o carnaval tem que defender nove quesitos, então quem faz esse tipo de análise, tem que começar a analisar quesito por quesito. Alegoria é importante, empolga, mas é um quesito. Eu estou altamente tranquilo, sabendo que levo um carnaval respeitando as coirmãs, mas para disputar. E pode ter certeza que a Tijuca vai fazer um carnaval diferenciado e para agradar”.