Por Victor Amancio
Fruto da Mangueira de Cartola, Evelyn Bastos, rainha da Estação Primeira pode ser considerada uma das principais rainhas da história do carnaval. Com seu samba no pé incomparável e sua atuação social, Evelyn é muito mais que uma rainha à frente da bateria Tem Que Respeitar Meu Tamborim. Ela conversou com a reportagem do CARNAVALESCO para a série ‘Entrevistão’.
O que mudou na sua vida depois de ser rainha do carnaval em 2013 e posteriormente rainha da Mangueira em 2014?
Evelyn: “Quando fui rainha do carnaval eu aprendi muita coisa, vivi muitas experiências. Antes, eu só tinha uma visão mais profunda do carnaval da Marquês de Sapucaí, de quadra. De forma geral, me aproximei do carnaval, dos blocos, dos coretos e outros amores relacionados a festa. Ser rainha me fez crescer culturalmente quanto ao samba, quanto a história do samba. Logo depois, quando o Chiquinho me convidou para vir na frente da Mangueira, para retornar as raízes e voltar ter uma mulher da comunidade à frente da bateria vi que poderia usar esse espaço, o meu posto, como manifestação cultural. Eu fiquei pensando de que forma eu poderia valorizar essas raízes valorizando tudo que eu aprendi durante o tempo em que fui rainha do carnaval. Resolvi que seria muito mais que uma mulher à frente da bateria sambando, queria usar esse espaço para falar por tantas outras pessoas”.
Você sempre fala do Alvinho (ex-presidente da Mangueira), como ele ajudou na sua vida?
Evelyn: “Eu chamo de Seu Álvaro (risos), ele é uma pessoa muito importante na minha vida pessoal. Com 11 anos ele me colocou para ser passista da escola e me tornei a passista mais nova da história da Mangueira, é dessa forma que a minha história com ele começa. Durante muitos anos fui bolsista numa escola particular, cara, com livros caros e ele sempre me ajudou pagando os meus livros da escola. Ele tem um significado de pai para mim, e tanto ele quanto a família dele sabe disso, temos uma relação de pai e filha. Tenho eterna gratidão por tudo que ele fez por mim e pela minha mãe”.
Você é uma rainha que se posiciona, você já sofreu algum tipo de censura ou preconceito por conta disso?
Evelyn: “O tempo inteiro (risos), eu sempre fui uma pessoa que expôs o posicionamento, nunca tive medo de contrariedades e elas sempre me fizeram crescer de alguma forma. Sempre achei muito importante se posicionar e gosto de me relacionar com pessoas que se posicionem, mesmo que seja de uma forma divergente ao meu pensamento. Tenho pé atrás com pessoas que ficam em cima do muro. É importante, não só para o momento em que vivemos, mas para vida toda. O posicionamento que a gente defende diz muito sobre quem somos e cabe a outras pessoas gostar ou não, entender ou não, seguir ou deixar de seguir nas redes sociais. É particular de cada um e eu respeito”.
Por conta desse posicionamento nas redes sociais, você coleciona fãs que te admiram não só pelo seu samba mas pelas suas ideias e o que você representa. Qual o tamanho dessa responsabilidade?
Evelyn: “Carrego um cuidado com essa responsabilidade, acredito que seja um grito preso na garganta de muita gente, daí aparece uma louca do carnaval que resolve falar, levantar uma bandeira e as pessoas resolvem segurar essa bandeira juntos. Eu sinto muito isso. Quando falo, nunca falo só por mim. Falo por outras mulheres, outras pessoas negras, mulheres negras, pessoas que são taxadas como faveladas de forma pejorativa e eu trago isso para um outro lado, um lado bom, como um espaço rico de cultura. É falar sobre algo que pessoas acreditam, pensam da mesma forma e ganho essas pessoas do meu lado. Me sinto cada vez mais fortificada quando recebo uma mensagem ou pessoalmente me dá um abraço cheio de energia e me faz acreditar que eu esteja indo pelo caminho certo”.
Você sempre capricha nos figurinos? Como você cria? De onde vem as ideias?
Evelyn: “Tenho uma relação de lealdade com quem faz minhas roupas e quase não opino em nada, acredito que o artista tem que ser livre, em todo tipo de arte. Cada um dentro da sua especialidade tem os seus gostos, tem suas habilidades e eu deixo livres para criar. Não gosto de roupa que me prenda muito para não impedir o movimento mas não escolho cor, ou como tem que ser, quase nunca me intrometo disso”.
O que podemos esperar da fantasia para o carnaval de 2020?
Evelyn: “Eu ainda não fui ao barracão, estou conversando com o Leandro desde de dezembro, não peguei o figurino e a gente não vai desenhar figurino para esse ano. Eu não posso falar muito e eu gosto de falar e acabo dando dicas que não posso (risos), mas vai ser um ano muito especial e muita gente ainda pode não ter entendido a proposta do Leandro para a sociedade. O carnaval da Mangueira vai tocar muito na fé e no particular de cada um. Acredito numa mudança intima em cada indivíduo depois que a Mangueira passar na Sapucaí. Temos estar preparados. Até onde minha fé está preparada para ver Jesus Cristo em outros lugares, em outras imagens, onde nunca poderíamos imaginar. O que os meus olhos são capazes de ver e meu coração de aceitar? Vai ser uma proposta bem tocante e a única coisa que eu sempre peço ao Leandro ou as vezes ele mesmo faz uma indicação é de estar dentro do enredo, abro mão de penas, pedras, luxo, o que for para estar dentro do enredo. Culturalmente ligada a nossa proposta e tema para fazer parte de toda história contada na nossa escola. Em 2020 não vai ser diferente e já é o meu preferido”.
Muita gente critica o Leandro por ele ir muito forte nos temas, o que você pensa sobre os enredos dele?
Evelyn: “Acho absolutamente necessário, o carnaval é uma revolução e precisamos de temas para serem debatidos. Precisamos tirar as pessoas da inércia e fazer as pessoas conversar sobre temas necessários. Eu sou absolutamente fã de enredos polêmicos e digo polêmico porque causam opiniões divergentes. Toda vez que passamos na Marquês de Sapucaí a gente revoluciona e trazemos o olhar do mundo inteiro para cá, por isso a necessidade de falar dos nossos problemas para que eles possam ser consertados ou que ao menos tentem consertar. Temos que abordar esses temas para que a gente traga mais pessoas para o nosso lado e que tenham uma visão ampliada de tudo que acontece na sociedade. O carnaval, além de trazer a felicidade e ser uma festa, ele é revolução”.
A Viviane Araújo é conhecida como rainha das rainhas e você como a rainha do samba no pé. Você gosta disso? Acredita que tenha alguma rivalidade entre as rainhas?
Evelyn: “Eu não acredito nessa rivalidade entre as rainhas e acredito que é uma cultura de vaidade que precisa ser encerrada. Cada rainha tem uma proposta, tem uma história, samba de uma maneira. Eu acredito que a forma de dançar de cada uma é relacionada a energia conforme a do seu orixá, por isso algumas pessoas preferem uma ou outras, o que para mim é uma questão energética que as pessoas são atraídas. Essa rivalidade, para mim, não tem. Eu me relaciono com muitas delas e não existe nenhum tipo de disputa. Cada uma tem sua história e é muito difícil ser rainha de bateria, é uma cobrança muito grande com o corpo, de sorrisos e por trás das rainhas de baterias existem mulheres que tem seu dia-a-dia, tem seus problemas, suas dores, suas vitórias e sua rotina”.
Até quando você pensa em ficar rainha de bateria? Já pensou em ser presidente da Mangueira?
Evelyn: “Tenho 26 anos e não pretendo parar por agora. Cada ano fico mais empolgada e a Mangueira com esses enredos me empolga sempre mais. Tenho uma relação de amizade, lealdade com a gestão atual da escola, com a comunidade. É algo bem confortável, prazeroso e o que te dá prazer você quer manter. Busco sempre estar melhor, em dar o melhor, ligada nas situações da escola. Sobre a presidência é algo bem complicado, nunca pensei, mas sempre que a escola precisam de mim sabem que podem contar comigo. Sou uma aliada da Estação Primeira de Mangueira e o futuro a Deus pertence”.
Hoje, a gente vê que nem todas as meninas tem o sonho de ser passistas e tendem mais para o lado do funk. Por que você acha que isso acontece?
Evelyn: “Eu acredito que hoje as meninas estão revendo essa questão. Há um tempo atrás não tinham meninas de comunidade na frente de uma bateria, crescendo, subindo um degrau. Nossas meninas perderam perspectiva no samba e por outro lado temos o funk com vários exemplos de crescimento como Anitta e Ludmilla. Ouvimos músicas em todos os lugares, por exemplo, da Ludmilla, uma mulher negra que levanta suas bandeiras. São meninas que vieram de baixo, que vemos uma evolução. Precisamos dar perspectivas para essas meninas, elas precisam ver pessoas subindo degraus para que possam subir também. Mas hoje, temos muitas meninas da comunidade na frente da bateria como a Raíssa, a Bianca, a Raphaela então isso vai retomando um sonho que algum tempo atrás estava adormecido dentro das meninas que não viam uma oportunidade de estar à frente do coração da sua escola”.
Para você como as escolas podem abrir mais para o lado social?
Evelyn: “Na Mangueira a gente tem muito, eu fiz parte de projetos sociais, cresci dentro desses projetos. Eu acredito que a melhor forma é abrindo suas portas, trazendo seus patrocinadores para que antes de investirem na festa, investirem dentro do social pois o carnaval salva vidas. Estar dentro da escola de samba, participar ativamente de fato salva a vida de muitas pessoas e eu já vi muitas serem salvas. Envolvendo os patrocinadores com esse lado social, que muitos gostam além de fazer a festa. Temos aqui um curso de passistas, de mestre-sala e porta-bandeira mas que tem uma cesta básica, lanche, a troca de conversa que é muito importante. Todos os projetos sociais só acontecem se a escola de samba abrir as portas para comunidade”.
Sua mãe foi rainha e você seguiu os passos dela. Hoje, vemos sua irmã que já foi rainha da bateria da Mangueira do Amanhã e agora faz parte da ala de passistas da escola. Como é a relação de vocês com o samba?
Evelyn: “Falamos muito sobre samba, sambamos na frente do espelho, alguns treinamentos que faço minha irmã faz também. Minha mãe é muito detalhista e sempre viu mais coisas a consertar do que coisas a serem mantidas (risos), mas estamos sempre vendo detalhes que por estarmos ensaiando não percebemos, mas ela consegue enxergar e conversa com a gente. Nos dá o feedback dela, o que acha, o que viu, para irmos nos moldando e nos consertando”.