Filho de uma família humilde, Edson Pereira certamente não trilhou os mesmos caminhos que a maioria dos carnavalescos. Talvez por isso, sua concepção de carnaval seja mais ampla e admirada. Nos últimos anos, provou que sua carreira está numa crescente evolução. Em 2023, Edson recebe um novo desafio: ser carnavalesco do Salgueiro pela primeira vez.

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Em entrevista concedida ao site CARNAVALESCO, Edson abriu as portas de sua sala no barracão do Salgueiro, para responder perguntas sobre seu passado e dividir pensamentos que resumem sua essência.

Quais são suas principais referências como carnavalesco?

Eu queria dizer, primeiro, que por mais que as pessoas deem essa conotação de carnavalesco, eu não me considero um carnavalesco. Me considero mais um operário do carnaval. O carnaval é a referência da minha vida. Tenho uma história que o carnaval construiu e resgatou. Então, essa crescente que mencionam ao citar a minha carreira, é um orgulho muito grande, porque não é simplesmente querer ser carnavalesco ou ser carnavalesco. A vida te coloca ali. Eu fui colocado ali. Eu me orgulho muito de chegar no Salgueiro como carnavalesco, ou da maneira que as pessoas queiram me colocar. Como disse, me enxergo mais como um operário. Já trabalhei em todos os setores do barracão, como a carpintaria, a ferragem, a costura… Gosto muito disso.

Profissionalmente, qual é seu desfile inesquecível que fez?              

Tem alguns. Acho que cada carnaval que você faz é como um filho, e um filho não morre, ele segue com você durante a sua vida. Fiz um carnaval na Unidos de Padre Miguel sobre Ariano Suassuna, onde tive a oportunidade de conviver com ele. Isso foi um presente e eu aprendi muita coisa. Infelizmente, dias depois ele veio a falecer e foi um carnaval que fiz triste, mas chorei muito porque no dia do desfile senti a presença dele. Vi que ali estava o Ariano Suassuna do jeito que ele queria ser representado. Me marcou demais. Outro carnaval foi o de 2018 da Viradouro, no qual fui campeão, sobre os loucos gênios da criação. Foi um carnaval em que… Eu tinha um passado com a Viradouro que me fazia sentir na obrigação de reverter. A escola teve um rebaixamento numa época em que eu também estava fazendo parte da equipe de criação, e eu me sentia responsável. Queria trazer a Viradouro de volta para o Grupo Especial, lutei para realizar isso e consegui. Me deixa muito feliz saber que fiz parte dessa volta da escola. Acho que esse carnaval de agora é o carnaval da minha vida. Cada um que a gente faz a gente fala isso, não é mesmo? Mas esse carnaval no Salgueiro é, de fato, o da minha vida.

E de outros carnavalescos, qual é o seu desfile predileto?

Sou formado como figurinista, mas na minha infância… Bom, eu sou de Bangu, ali de Padre Miguel. Eu assistia aos desfiles do Renato Lage e me inspirava muito no que ele fazia, porque acreditava que era o que eu queria fazer. Eu era só uma criança, e eu assistia naqueles coretos de bairro. Não ia lá para me divertir, mas para sentar nas barraquinhas com televisões. Assisti “Chuê, Chuá”, “Vira Virou”… Depois trabalhei com a Rosa Magalhães na Imperatriz, em 1994. Eu era apenas um pintor de arte dentro do barracão, mas a paixão foi crescendo. Aí fui para a Ilha ser pintor na época do Chico Spinoza, e ele foi uma grande referência para mim porque ele já tinha essa pegada sustentável, de fazer carnavais sustentáveis. Isso me chamava atenção e fez parte da minha formação como artista. Foi importante para mim ver essa transformação de um material inesperado, simples e alternativo, num material de carnaval tão luxuoso que brilha na Avenida.

Como artista, o que você prefere fazer: alegorias ou fantasias? E por qual motivo?

Não, não tenho essa preferência. Tenho o objetivo de fazer sempre o melhor. Quando as pessoas falam que as proporções do carnaval do Edson são diferenciadas, é porque eu entendo que o carnaval é o maior espetáculo da terra. Temos que fazer o maior e o melhor sempre, tanto em fantasia quanto em alegoria.

Qual é o tamanho da responsabilidade de fazer o Salgueiro na sua carreira?

Muito grande. Acho que nunca senti… não posso falar a palavra peso porque acho que não cabe, soa pejorativa. Mas a responsabilidade de fazer um carnaval no Salgueiro é uma experiencia completamente nova na minha vida. A gente se pauta muito em fazer o melhor, mas existe toda uma cadeia que alimenta e sustenta essa grandiosidade que é o Salgueiro, que você não pode decepcionar. E eu me baseio nisso porque me cobro muito para não decepcionar o espectador, o torcedor do Salgueiro.

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Era o seu sonho profissional ser o carnavalesco do Salgueiro?

Acho que é o sonho de qualquer carnavalesco, sabe? Mas falando especificamente sobre mim, é sim. Nem parece totalmente verdade.

É inegável sua habilidade em fazer a Unidos de Padre Miguel. Qual é o segredo dessa sinergia?

Comecei a fazer o carnaval da Unidos de Padre Miguel no Grupo D, na Intendente Magalhães, em 2005. É uma escola que tem quase 66 anos, se não me engano. Ela viveu, com toda essa idade, um tempo sendo apagada e esquecida. Quando eu fui para lá, não sabia nada de carnaval, sabia fazer arte. Eu sabia o que queria fazer. A UPM me ensinou muita coisa e eu ensinei também. Então, é um casamento que deu certo, porque lá eu precisei ser presidente, carnavalesco, gestor, diretor de carnaval, aderecista, carpinteiro… precisei ser tudo. Isso me deu uma experiencia enorme e eu valorizo muito isso. O fato de colaborarmos até hoje é justamente por isso. Tenho uma gratidão enorme pela escola porque acreditaram num menino que era invisível para a sociedade. Deu certo e continua dando certo. Não posso esquecer a UPM, virar as costas, de forma nenhuma, porque ali existe uma base consolidada. Enquanto eles precisarem de mim, estarei à disposição.

Falando em Unidos de Padre Miguel, como você consegue conciliar fazer duas escolas no mesmo ano? Em 2022, você fez três com a Mocidade Alegre em São Paulo.

O mais difícil não é fazer duas ou três escolas. O mais difícil é fazer bem. Mais difícil ainda é quando você é uma pessoa que se cobra muito. Esse ano decidi me dedicar mais ao Salgueiro e a Unidos de Padre Miguel que estão aqui no Rio, porque quando estava fazendo em São Paulo, eu viajava mais de três vezes por mês. Para fazer um carnaval do Edson, precisa ter a cara do Edson, então eu queria estar presente. O telefone não parava, fazíamos chamadas de vídeo o tempo todo. Foi um momento ainda mais conturbado porque veio a pandemia, e aquele carnaval de um ano virou de três anos e não acabava nunca. O processo do carnaval não é esse processo romantizado que muitas pessoas idealizam, é muito trabalhoso. Você pesquisa muito, lê muito, estuda muito e, claro, precisa de uma boa equipe. Eu atribuo esses excelentes carnavais a uma excelente equipe que trabalha comigo. A Denise, o Ruan, o Arthur… e outras pessoas que também trabalham comigo nas escolas. É um trabalho que não para. Já estamos pensando no próximo carnaval, e esse ainda nem acabou. Já conhecemos as regras do jogo e não fugimos dela, sabe?