O tempo passa, mas a ausência de Laíla ainda é sentida por todos que admiravam seu trabalho. O lendário diretor de carnaval foi o comandante da construção de uma hegemonia impressionante e teve participação direta em todos os 14 títulos conquistados pela Beija-Flor de Nilópolis no Grupo Especial. Esse ano, ele recebe uma justa homenagem.
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Conhecido por sua seriedade na avenida e paixão pelo samba, Laíla deixou um legado não apenas na Marquês de Sapucaí, mas também dentro de casa. Foi lá que o CARNAVALESCO foi recebido pela família, que abriu as portas para um bate-papo repleto de história, emoção e saudade. Marli da Silva, esposa de Laíla, e seu filho Cláudio Ribeiro, contaram várias curiosidades sobre o mestre.
Relíquias e Fé
No quarto repleto de prêmios, jornais antigos, bandeiras da Beija-Flor e imagens religiosas, tudo segue intocado, como se ele ainda estivesse ali, zelando por sua coleção de lembranças. Cada item tem uma história, um pedaço de uma trajetória marcada pelo amor ao carnaval e pela busca pela perfeição na avenida. “Ele tinha carinho por tudo isso aqui. Nada podia ser jogado fora, nada podia estragar. Tanto que tem coisas aqui de mais de 30 anos. Desde a época do Salgueiro. É até difícil dizer qual ele tinha mais carinho.Ele guardava tudo com muito cuidado”, conta a viúva de Laíla, emocionada ao relembrar a dedicação do marido.
Além dos troféus e dos registros históricos, outro elemento que se destaca são as guias e imagens religiosas. A fé de Laíla era parte essencial de sua vida e de sua preparação para os desfiles. “Ele mantinha um altar em casa, mas, depois que ele faleceu, eu não tinha como cuidar. Chamamos um Pai de Santo para fazer uma limpeza e retirar tudo”, relembra dona Marli.
Apesar da imagem rígida e exigente que Laíla transmitia no carnaval, dentro de casa ele era um homem tranquilo, que adorava reunir amigos e familiares.
“As pessoas achavam que ele era bravo, mas aqui ele era diferente. Gostava de sair, tomar uma cerveja, brincar com as crianças. Nossa casa vivia cheia, principalmente nos finais de semana. Ele fazia questão de estar perto de quem amava. Ele contava várias histórias, explicava por que ganhou, por que não ganhou. Ficava muito orgulhoso de mostrar isso, trabalhou muito, mas isso o orgulhava demais”, conta dona Marli.
A perda
Laíla morreu no dia 18 de junho, aos 78 anos, vítima de uma parada cardíaca. Sua partida deixou um vazio imenso no mundo do samba e, principalmente, em sua família. A perda foi um golpe duro, agravado por outra dor imensurável: poucos dias depois, sua filha, Denize da Silva, também faleceu. “Foi um baque muito grande, ainda está sendo. Eles eram muito unidos. Sempre que chega essa época de carnaval, a lembrança vem com mais força. A ausência dele ainda pesa no dia a dia. Apesar de estar sempre no barracão, sempre ocupado, faz falta para mim, para as crianças, para os netos, para os bisnetos. Ele era o elo da família. Gostava de unir todo mundo”, desabafa a viúva.
O carinho e a presença de Laíla ainda vivem nas lembranças de quem o amava. “Meu pai sempre cuidou muito bem de mim, mesmo com a correria, ficaram as boas lembranças, como minha mãe falou, sempre foi um paizão, muito família, sempre procurou cuidar de todo mundo, um coração muito grande. Saudades a gente tem pra caramba, ele nos deixou de uma maneira que ninguém esperava, para todos nós a despedida dele seria dentro do samba, mas não era o destino”, conta com carinho Cláudio Ribeiro, filho de Laíla.
Dia a dia do Mestre
Laíla vivia para o carnaval. Nos meses que antecediam os desfiles, quase não parava em casa, dedicando-se inteiramente à Beija-Flor. Sua esposa lembrava bem dessa rotina intensa: “Antes do desfile, ficava o tempo inteiro no barracão. Mas nunca se via ele nervoso, não tinha isso. Ele era sempre centrado naquilo que queria fazer”.
Muita gente o enxergava como uma figura rígida e imponente, e na avenida essa imagem se confirmava. “Ninguém via ele sorrindo! Sempre sério, sempre concentrado, sempre dando esporro em um, gritando. Mas, dentro de casa, ele mostrava um outro lado, mais tranquilo. Em casa, ele não era de falar muito, de conversar demais, mas era uma pessoa calma. Era tranquilo”, comentou dona Marli.
Com o tempo, Laíla foi deixando de lado um pouco da sisudez que muitos associavam a ele. “Quando era mais novo, era mais sisudo. Talvez, achasse que isso impunha mais respeito. Mas depois, foi se abrindo mais, já sorria, coisa que antes quase não fazia. Ainda assim, sua postura séria gerava interpretações equivocadas. Até hoje falam: ‘Tinha medo do seu marido!’ Mas medo de quê? Era a figura dele… Talvez, tenha sido o jeito dele de se impor”.
A competitividade que mostrava dentro da escola também se refletia no seu ritmo intenso de trabalho. “No dia a dia, ele pouco parava. Era barracão, viagens para seminários de harmonia, trabalho em outras escolas… Quando chegava, queria dormir. Se não tirasse a soneca depois do almoço, ninguém aguentava. Mas, ao mesmo tempo, Laíla também sabia aproveitar os momentos de lazer. Toda oportunidade era um motivo para juntar gente aqui. ‘Ah, vamos botar um peixinho na brasa…’ Daqui a pouco tinha 10, 15, 20 pessoas. Ele adorava estar com os amigos, com os netos… Depois que vieram os bisnetos, mais ainda”.
O que poucos sabiam é que ele tinha um carinho especial por crianças e gostava de casa cheia. “A casa vivia cheia de crianças. Pegava as crianças da rua e enfiava na piscina. Ele gostava de casa cheia, principalmente no fim de semana, quando ficava livre.
A neta, Amanda Ribeiro, falou da coleção de conquistas do avô que são guardadas na casa: “Essa sala de troféus, prêmios, recordações, já existe há muitos anos. Ele fazia questão de reunir tudo o que podia, desde a época do Morro do Salgueiro, pra lembrar que tudo o que conseguiu foi com muita luta, suor e trabalho! Todas as vitórias do meu avô sempre foram muito merecidas. Ele vivia o carnaval de corpo e alma os 365 dias do ano e mostrava pra gente o valor do trabalho árduo. O que o público viu na Avenida no último sábado, no ensaio técnico, foi fruto do que ele plantou: uma comunidade aguerrida, de chão forte. O rolo compressor tá de volta e vai cruzar a Sapucaí pra fazer história em homenagem ao maior de todos os tempos! Tenho muito orgulho de ser neta dele”, disse.
Antes dos desfiles, a tensão aumentava, mas ele não demonstrava abertamente. “Deus me livre se a gente atrasasse ele! Tinha que sair daqui para a avenida no horário certo.” Com o passar dos anos, aprendeu a dividir mais as responsabilidades. “Depois, com o tempo, ele já dividia mais as funções, cada um tinha seu setor.”
Homenagem da Beija-Flor
Na Beija-Flor, porém, tudo mudava. Ele se transformava na avenida, assumindo o papel de líder incansável. E essa entrega fez com que conquistasse sua comunidade e hoje fosse celebrado como uma das maiores figuras que já passaram pela escola. Neste carnaval, Laíla será imortalizado na Marquês de Sapucaí no enredo “Laíla de todos os santos, Laíla de todos os sambas”. Um tributo à sua trajetória, à sua genialidade e à sua dedicação ao samba.
Para a família, a homenagem vem carregada de emoção e gratidão. “Acho que ele estaria feliz. No fundo, ele sabe o trabalho que fez, o quanto lutou pela escola. E não só pela Beija-Flor, ele ajudava qualquer escola que precisasse. Sempre estava pronto para ouvir samba, ajudar. Então acho que lá onde ele está, deve estar muito feliz. Nós também estamos muito gratos por essa homenagem”, conta Marli.
A decisão de aceitar a homenagem não veio de imediato. No início, a família ficou dividida. “Primeiro ficamos assim… ‘Faz? Não faz? Deixa? Não deixa?’ Mas pensamos: ‘Ele gostaria, então vamos ajudar, fazer de tudo para dar certo.’ E, graças a Deus, está fluindo”, pontuou a viúva.
Para Cláudio, o pai sempre foi mais do que um mestre do carnaval, era também um ídolo. A relação entre os dois dentro do samba se estreitou apenas mais tarde, já que Laíla fazia questão de separar trabalho e família. Agora, ao ver a Beija-Flor se preparando para homenageá-lo, Cláudio sente a presença do pai em cada detalhe.
“A vida dele era toda voltada pra carnaval, eu passei a conviver com ele no samba depois de velho, ele mesmo preferia afastar a gente um pouco, acho que pra separar isso de trabalho e família. Ele era um ídolo pra mim, além de pai, um ídolo. Eu vou apresentar Claudinho e Selminha, no último ensaio de quadra eu senti a presença dele, pessoalmente senti a presença, estava fazendo meu trabalho, mas a emoção foi muito grande. Acho que a escola vem de uma maneira que vai arrastar toda a Sapucaí, ele brigava por aquela comunidade e eu tô sentindo que eles virão com tudo para honrá-lo, com muita emoção”, finaliza Cláudio, emocionado.
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