Por Allan Duffes, Ana Júlia Agra, Marcos Marinho e Matheus Morais

A parceria de Lico Monteiro, Samir Trindade, Leandro Thomaz, Marcelo Adnet, Marcelo Lepiane, Telmo Augusto, Gigi da Estiva e Juca venceu a disputa de samba-enredo da Unidos da Tijuca para o Carnaval 2026. O resultado saiu perto das 5h deste domingo. A conquista pode ser muito creditada, além da qualidade da letra, à atuação magnífica do intérprete Wander Pires na grande decisão. O verso do refrão principal, “muda essa história, Tijuca”, é o pontapé inicial que a escola do Borel necessita para recuperar seus tempos de glórias no Grupo Especial do Rio de Janeiro. O samba escolhido servirá de trilha sonora para o enredo “Carolina Maria de Jesus”, uma homenagem à escritora, memorialista, compositora e multiartista mineira, autora do best-seller “Quarto de Despejo – O Diário de uma favelada”, considerado uma das mais revolucionárias e impactantes obras da literatura brasileira. A Unidos da Tijuca fechará a segunda-feira de desfiles no Carnaval 2026. * OUÇA AQUI O SAMBA DA TIJUCA PARA 2026

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Foto: Allan Duffes/CARNAVALESCO

“Eu não tenho palavras para medir nesse momento o que eu estou sentindo, mas eu tenho certeza que a gente conseguiu retratar a nossa poesia, a nossa música, nessa obra. E a cada apresentação nossa, vocês podem ter certeza que a gente deu o nosso máximo para mostrar essa obra. Graças a Deus, todos vieram aqui para essa quadra para cantar com a gente. Não foi só a Tijuca, não, que veio, o mundo inteiro do samba veio pra cá. Carolina Maria de Jesus é Tijuca, gente”, disse o compositor Lico Monteiro, em entrevista ao CARNAVALESCO.

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Compositor Lico Monteiro

“É muita emoção, ainda mais por esse enredo, que fala de uma mulher preta que lutou, como toda mulher preta hoje também luta contra um sistema que, quando a gente nasce, já determina onde a gente vai chegar e ela pode mudar a história dela. Esse samba faz um link da história dela com a própria história da Tijuca. A gente pode, através da poesia, através da música, das palavras, mudar a nossa história. Eu gosto muito do refrão principal, porque o seu lugar é o Morro do Borel, que a Tijuca também é uma escola preta, e de luta. Esse é o nosso jeito de escrever”, afirmou o compositor Samir Trindade.

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Compositor Samir Trindade

O compositor falou sobre a importância da vitória da parceria na disputa. “Representa muita coisa. Representam vários anos disputando na Tijuca, aplaudindo o vencedor sempre, mas chegou a nossa hora de vencer na Tijuca. E é uma escola que tem um lugar muito especial no nosso coração e foi uma apresentação que eu me emocionei muito lá no palco. Eu tenho certeza que a Tijuca pode esperar da gente muita energia dessa parceria, muita parceria mesmo. De estarmos lado a lado nessa aventura, nesse desafio que vai ser desfilar por último. Mas é muita alegria, muita mesmo, porque a gente batalha muito no samba. A gente sabe o quão difícil é vencer. Agora é hora de comemorar e ser muito feliz, mas sabendo que a gente deve muito a Tijuca; que a gente tem que botar esse samba para funcionar na Sapucaí como ele funciona na quadra”, afirmou Adnet.

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Fotos: Alex Maia/Divulgação Tijuca

Presidente Fernando Horta confia no trabalho e projeta grande carnaval

O presidente da Unidos da Tijuca, Fernando Horta, destacou a confiança no carnavalesco Edson Pereira e celebrou a escolha do samba campeão. “Nós renovamos em dezembro, porque eu gosto do trabalho do Edson. Ele já conhece mais a escola e está se encaixando muito bem. Estamos muito satisfeitos com o samba campeão também, que é o mais importante no momento. Confio que a Tijuca vai fazer um grande carnaval”.

Horta ressaltou a recepção positiva da comunidade ao enredo sobre Carolina Maria de Jesus e explicou a decisão pelo samba escolhido. “O enredo foi muito bem aceito por todos os segmentos da escola, e o samba também. Tivemos uma safra muito forte, mas esse me sensibilizou desde o início. Conversei com o Marquinho, com o Ivinho, e todos apontaram para esse caminho. Ele mexe com o sentimento da comunidade”.

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Sobre a preparação para o desfile de 2026, o dirigente foi enfático. “Não estou medindo esforços para fazer um tremendo carnaval. Vamos ter uma noção maior quando levarmos a escola para a rua, mas acredito muito que a Tijuca fará um grande espetáculo”.

O presidente ainda comentou sobre a futura sede da agremiação. “Depois do carnaval vamos construir uma nova quadra na Rivadávia Corrêa, em frente ao barracão. Vai ser uma casa de show, não apenas uma quadra, um espaço moderno para a nossa comunidade”.

Carnavalesco Edson Pereira enaltece enredo e responsabilidade

Edson Pereira ressaltou a importância de homenagear Carolina Maria de Jesus. “É uma trajetória de grande responsabilidade. Trazer um enredo como esse transcende minha carreira. É revolucionário contar a história dessa mulher que representa tanto o nosso povo e que foi apagada pela sociedade. É um compromisso de acender essa luz que tentaram apagar”.

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Edson também comentou o trabalho no barracão. “Estamos muito engajados, com alegorias e fantasias em processo avançado. Esse samba não é só mais um, é uma verdade contada. Ele precisa ter relação direta com a sensibilidade que a história da Carolina exige”.

Diretora de carnaval Elisa Fernandes valoriza retomada da escola

Elisa Fernandes, que chega na direção de carnaval para trabalhar com Fernando Costa, avaliou o último carnaval e destacou o nível de competitividade do Grupo Especial. “Foi um grande carnaval, o resultado acirrado mostra que a qualidade do espetáculo está cada vez melhor. Hoje ficar nas campeãs ou de fora é detalhe. O saldo foi positivo e, para o próximo carnaval, é dar solução ao que não funcionou e manter o que está indo bem”.

Sobre a Unidos da Tijuca, a diretora enxerga um momento de virada. “A escola amargou posições ruins, mas a gestão de Fernando Horta é vencedora. Acredito que o carnaval de 2025 foi o início do reencontro com a vitória. Hoje temos apoio psicológico, livros no barracão sobre Carolina para funcionários e ações que elevam a autoestima da comunidade. Tenho certeza que vamos voltar às campeãs e brigar pelo título”.

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Elisa também comentou o andamento do projeto plástico: “Estamos com cerca de 30% das fantasias já encaminhadas. As alegorias estão muito interessantes. Esse enredo é uma reparação histórica e me sinto privilegiada de estrear na Tijuca com Carolina Maria de Jesus”.

O diretor Fernando Costa também conversou com o CARNAVALESCO e fez uma projeção para o desfile de 2026. “O trabalho está sendo bem feito, o barracão está bem adiantado. Acho que o quarto carro está com ferro, madeira e já estamos adereçando. Está num andamento bom. Pode, esperar um projeto feito para Carolina mesmo, que não é um enredo fácil de tirar do papel. Pode aguardar que todo mundo vai gostar. A previsão é de desfilarmos com 3 mil e alguma coisa de componentes. E dia 2 de outubro começamos os ensaios aqui na quadra. A partir de novembro, estamos querendo começar na rua já”, disse.

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Intérprete Marquinho Art Samba projeta grande parceria com a bateria

Recém-chegado à escola, o cantor Marquinho Art Samba celebrou a oportunidade. “Representa muita coisa estar na Tijuca. Depois de ficar esse tempo todo na Mangueira, vir para uma escola quase centenária como a Unidos da Tijuca é uma honra. Agradeço muito ao presidente Fernando Horta pela oportunidade”.

Sobre a “Pura Cadência”, o cantor disse: “Podem esperar um casamento muito forte. É uma bateria que todo intérprete sonha em trabalhar. Vai ser maravilhoso”.

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Mestre Casagrande espera grande resultado em 2026

O comandante da bateria, mestre Casagrande, fez balanço do último desfile. “Fizemos um grande carnaval, mas as notas não foram compatíveis com o que apresentamos. Deveríamos ter voltado às campeãs. Foi um trabalho impecável”.

Com foco no próximo ano, Casagrande acredita no poder do enredo. “Estamos esperando que esse enredo leve ao grande resultado. Quero um samba que alavanque a escola para voltar às campeãs”.

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Ele ainda explicou que as bossas serão desenvolvidas após a escolha do samba. “Não gosto de favorecer um ou outro samba. Só trabalho as bossas depois, durante os ensaios de rua”.

Casal fala sobre preparação e evolução

O mestre-sala Matheus destacou a dedicação desde o término do último carnaval. “Nós estamos nos preparando desde quando acabou o último carnaval, com uma nova equipe formada pela Ariadne, Luiz e o Thiago. Uma equipe que está agregando na nossa dança. Estamos trabalhando fisicamente e com o acompanhamento psicológico que a escola está dando. Estamos a todo vapor”.

A porta-bandeira Lucinha Nobre lembrou da trajetória recente e da conquista máxima no último desfile. “O Carnaval 2025 foi muito produtivo. A gente se conheceu melhor como casal, trabalhamos arduamente e conseguimos os 30 pontos que a escola precisava. Agora, vamos para mais um carnaval com mais maturidade e a certeza de fazer o nosso melhor para a nota 10”.

Lucinha revelou novidades na confecção da fantasia. “Esse ano a gente está fazendo a fantasia com o Bruno Oliveira, de São Paulo. É a primeira vez que ele está produzindo roupas para o carnaval do Rio. Estou muito feliz de estar nessa primeira leva de um dos maiores artistas da moda de porta-bandeira. É uma logística diferente, mas acreditamos que vai ser melhor para o desenvolvimento do nosso trabalho”.

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A porta-bandeira também ressaltou o trabalho de cuidado com os integrantes. “Toda quinta-feira a gente tem apoio psicológico. São três psicólogos incríveis que lidam diretamente com todos os setores da escola. Eu e Matheus temos feito terapia de casal, além de individual. Isso começou a partir de uma conversa com a Elisa (Fernandes, diretora de carnaval) e se tornou algo que beneficia toda a escola. Estou muito feliz”.

Mateus completou: “Eu e Lucinha estamos cada vez mais conectados, em sintonia. O apoio psicológico está super funcionando”.

Enredista Gabriel Mello: ‘Carolina é lamento, mas também é luta’

O enredista Gabriel Mello ressaltou a profundidade da escolha da Unidos da Tijuca em homenagear Carolina Maria de Jesus e explicou a dimensão simbólica do enredo.

“Se a gente quiser definir o enredo como um lamento, eu acho que a gente está dentro do contexto do samba, porque o samba nasce do lamento. Mas Carolina é também um enredo de luta. Porque lamentar dentro de casa não é a mesma coisa que lamentar enfrentando a sociedade, dizendo que vai escrever, aprendendo a ler depois de uma semialfabetização, sustentando três filhos, publicando um livro e se tornando a maior bestseller do Brasil, vencendo Jorge Amado, vencendo Clarice Lispector”.

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Mello destacou a força transformadora da homenageada. “Será que isso é lamento? Ou será que o lamento é a força para se levantar e superar? Carolina é a história de milhões de brasileiros que acordam diante de uma realidade dura, mas se dispõem a lutar para mudar. Carolina é inspiração para a maior parte do Brasil. O que é lamentável é reduzirem Carolina apenas ao ‘Quarto de Despejo’. Ela tinha um vocabulário vasto, escreveu romances, crônicas, peças de teatro, músicas. Foi apagada pela ditadura militar e, mesmo assim, renasce de tempos em tempos porque sua palavra é mais forte”.

O enredista finalizou emocionado. “Eu lamento esse enredo nunca ter sido feito antes no Grupo Especial do Rio de Janeiro. Agradeço por ter a oportunidade de escrever Carolina”.

Como foram as apresentações na final

Parceria de Gabriel Machado: Primeiro samba da final da Tijuca, a parceria formada por Gabriel Machado, Julio Pagé, Robson Bastos, Miguel Dibo, Serginho Motta, Orlando Ambrósio, Jefferson Oliveira e Lucas Macedo fez uma apresentação para cumprir protocolo. Foi difícil para a equipe de compositores no palco sustentar a empolgação e pular pelos mais de 30 minutos de apresentação. O mesmo aconteceu com metade da torcida, que cansou na parte final do tempo. O cantor Charles Silva, do Estácio de Sá, e seu time de cantores, sustentaram o canto, mas não foi suficiente para envolver os presentes. Na quadra, o resultado de toda a disputa: a obra não conquistou o público e menos de 10 pessoas estavam engajadas na apresentação. A parceria levou uma torcida numerosa, mas faltou ensaio nos ônibus, já que quase ninguém cantava o refrão e apenas o deputado federal Tarcísio Motta cantava a letra de ponta a ponta. A cada virada do samba, no refrão principal, era uma tentativa de dar gás a apresentação, mas os compositores não tiverem o sucesso que esperavam.

Parceria de Arlindinho: O samba assinado por Arlindinho, Babi Cruz, Diego Nicolau, Adolfo Konder, Felipe Petrini, Luiz Pavarotti, Michel Portugal e Fred Camacho foi o segundo a se apresentar na final da Tijuca. Uma apresentação muito forte e que contou com a torcida do público à esquerda do palco. Cantado por Igor Sorriso, intérprete do Salgueiro, Thiago Brito, cantor da Inocentes de Belford Roxo, Diego Nicolau, Rodrigo Tinoco e o próprio Arlindinho, o samba manteve o canto forte durante toda a apresentação. Uma longa introdução conduzida por Arlindinho e Babi Cruz chamou o público para acenar com os totens distribuídos pelos compositores. Na torcida, um grupo performático esteve à frente do povo e muita gente estava com a camisa da parceria e cantando o samba de ponta a ponta. Os compositores estavam tão seguros da qualidade de sua torcida, que ousaram parar seus cantos e jogar a voz para o público. Que respondeu, mas sem ser suficiente para concorrer com o som da bateria e dos instrumentos de cordas. O lema “levanta a cabeça preta” é cantado com força, assim como as outras frases de efeito que formam a letra do samba, recurso que sempre funciona para engajar torcedor e, desta vez não foi diferente. Ótima apresentação.

Parceria de Lico Monteiro: Estrategistas demais ao colocar a torcida para cantar o samba antes da bateria subir. Um coro potente abriu a apresentação da parceira formada por Lico Monteiro, Samir Trindade, Leandro Thomaz, Marcelo Adnet, Marcelo Lepiane, Telmo Augusto, Gigi da Estiva e Juca, a última a se apresentar na final da Tijuca. Lico Monteiro abriu a apresentação com um discurso inflamado. A torcida era menor que a da parceria do Arlindinho, quase metade, mas cantou o dobro. O samba tem menos frases de efeito que o do Arlindinho, mas “muda essa história, Tijuca” cai como uma luva em todos os sentidos para a escola. A parceria, tida como favorita, se apresentou como favorita e marcou seu lugar, em pouco mais de intensos 30 minutos, que terminou do jeito que começou, a voz do povo cantando o samba, já sem a bateria e com gritos de “é campeão”. Sobre a torcida ter cantado forte antes da bateria subir, quando teve bateria, a torcida foi lá e cantou mais. Um grupo, com vestes brancas, fez performances à frente da torcida. No palco, para a condução do samba, é dispensável elogiar o intérprete da Viradouro, mas a parceria que tem Wander Pires, nunca está desprotegida. Uma pedrada vocal para conduzir a apresentação mais forte da noite.