A Rosas de Ouro organizou um evento para apresentar oficialmente o enredo e o samba que levará para o Carnaval de 2023. O público que compareceu na sexta-feira na quadra da Roseira, na Freguesia do Ó, aproveitou uma festa que contou também com uma animada roda de samba e a presença da coirmã convidada Vai-Vai. Com o enredo “Kindala! Que o amanhã não seja só um ontem com um novo nome”, a comunidade da Brasilândia terá uma oportunidade inédita na história do carnaval. O samba que conduzirá a Azul e Rosa pelo Sambódromo do Anhembi é um velho conhecido e amado concorrente que disputou a final de 2006 para representar o tema “A Diáspora Africana, um crime contra a humanidade”, mas que fora derrotado na ocasião e mesmo assim se tornou parte das músicas cantadas pelos componentes da escola até os dias de hoje. A obra, com uma versão readequada para a nova proposta de desfile, conta com a assinatura de Arlindo Cruz e inspirou o carnavalesco Paulo Menezes a conceber o enredo.
“A ideia do enredo é você olhar o jornal, a televisão, as redes sociais, que o enredo que está ali. Está na nossa cara o tempo todo. Era uma ideia que eu já tinha há algum tempo, e no aniversário da escola eu ouvi esse samba quando foi cantado. Eu achei que ele tinha muito a ver com o enredo. Depois do Carnaval (de 2022), propusemos a ideia para a escola. O Osmar Rocha, vice-presidente, e que é um dos compositores desse samba, foi meio resistente porque achou que as pessoas poderiam pensar que seria uma intromissão dele, mas aí ele acabou sendo voto vencido (risos), e a gente está indo para a Avenida com esse samba. É claro que ele teve alguns ajustes, algumas atualizações, porque foi um samba feito com ideia para 2006, e o pensamento, a luta negra, do povo preto, evoluiu muito, mudou muito para os dias de hoje. Fizemos uma adequação, mas sem macular o samba. Hoje estamos apresentando ele aí, e nos preparando para entrar na Avenida”, contou Paulo Menezes.
A assinatura de Arlindo Cruz no samba é um marco especial para Paulo Menezes. No ano em que o samba foi composto, o eterno mestre compositor também assinou uma outra famosa obra para um desfile idealizado pelo artista, o “Império do Divino.”
“É uma coisa que nunca aconteceu antes. Um samba, que perdeu uma final, anos depois entra na Avenida. Ele se torna campeão da disputa e vai para a Avenida. Mostra que o Arlindo pensa sempre à frente. E o Arlindo me dá sorte, porque em 2006, no Império Serrano, ele me deu um samba lindo”.
Histórico do samba à parte, Paulo Menezes fez questão de exaltar a mensagem do enredo da Rosas de Ouro. “É uma pena a gente, em pleno 2023, ainda ter que fazer um enredo para plantar uma semente na cabeça das pessoas. Eu gosto muito do enredo, mas ao mesmo tempo sinto pena de ter que fazê-lo. Eu não vejo sentido nessa desigualdade racial, mas temos que mostrar e a escola de samba serve para isso”, declarou.
O carnavalesco também deu detalhes do andamento dos preparativos para o próximo Carnaval. “Estamos em ferragem de alegoria, terminando o piloto e entrando em reprodução. É um processo normal pelo tempo. Hoje o processo não me assusta, e estamos caminhando tranquilos”, concluiu.
‘Todo dia é dia de aprender’
A presidente Angelina Basílio fez uma análise sobre o resultado do Carnaval de 2022, na qual apontou a importância de sempre aprender com cada carnaval que se passa.
“A Rosas de Ouro é uma escola de samba, e estamos sempre aprendendo. Surpreendeu muito esse nono lugar, e então estamos revendo muitas questões. A gente não viu o que o jurado viu, mas estamos assistindo a vários vídeos, revendo e aprendendo. Por isso estamos em uma escola de samba. Na escola de samba, nós aprendemos todos os anos um enredo diferente, então todo dia é dia de aprender”, declarou.
Apesar do nono lugar na classificação final, a Roseira recebeu diversas premiações da mídia especializada, incluindo três prêmios Estrela do Carnaval (melhor bateria, samba-enredo e carnavalesco). A presidente garantiu que a questão está sendo debatida junto com a Liga-SP para que mudanças ocorram para o próximo ano. “Por isso que estamos na Liga, toda segunda-feira, tendo plenária. Discutindo esses critérios de julgamento, porque tem alguma coisa errada. Mas sempre temos que estar revendo”.
O próximo carnaval está chegando, e trará um sentimento de nostalgia para a comunidade da Brasilândia. Angelina recordou a final de samba de 2006 e destacou a importância da mensagem a ser passada pelo enredo em 2023. “Essa foi uma grande final. Não é que ficou dividido, porque os dois sambas eram maravilhosos. Esse samba (para 2023) ficou conhecido como “Arrasta”, mas a gente reformulou, deu uma nova roupagem, melodia, adaptou umas palavras mais atuais, porque a gente tem que tomar providência de questões raciais, do antirracismo agora. A gente não pode deixar passar. É um enredo muito forte. É um enredo de urgência, que a gente todos os dias nos deparamos com uma situação de racismo. É um enredo que vai até o dia de fevereiro, no dia do desfile”.
Desejo intenso de ser campeão
Dono da voz que levou o tão premiado samba de 2022, Royce do Cavaco analisou o resultado da Rosas de Ouro no último desfile. “O Carnaval de 2022 foi surpreendente. A única coisa que foi realmente um inconveniente foi que fizemos um desfile, um projeto para disputar título. A opinião pública, e até de outras escolas, é que a Rosas estaria na briga pelo título. Então a gente esperava estar pelo menos entre as três primeiras. A surpresa foram algumas notas, em que perdemos alguns décimos importantes em dois ou três quesitos, que nos jogou para nono lugar. Mas eu acho que, em um saldo, foi bom para festejarmos algumas vitórias, e aprender com os erros, para não cometermos novamente. Três ou quatro décimos não parecem nada, mas você perde aí seis, sete posições. A gente tem que desfilar com o regulamento debaixo do braço, a verdade é essa. E você tem que sair, em alguns quesitos, já com nota 10 da quadra”, disse o cantor.
Com quatro décadas de história no Carnaval, Royce conduzirá o querido samba da Roseira junto de Hudson Luiz, novo reforço do time de canto da escola. Para o cantor, dar voz a uma obra assinada por Arlindo Cruz terá um sentimento especial. “É uma emoção por ter a assinatura de Arlindo Cruz e também outros grandes amigos do samba de São Paulo. É um fato curioso, porque apesar do samba ter sido derrotado em 2006, ele casou totalmente com a nova proposta. É muio cedo, 80% dos componentes da escola não sabem o samba e estão ouvindo agora. Vamos começar a trabalhar a cabeça do componente em com esse novo samba. Terá uma nova gravação com arranjo, com bossas da bateria, e aí a coisa vai começar a tomar conta. A gente espera uma comunicação melhor e um retorno maior desse samba quando começarem os ensaios. Mas o samba é muito bom, eu gosto dele. Eu completei 40 anos de Carnaval, e eu acho que conheço um pouquinho de música, e ao meu ver o samba tem muito para render”.
Royce do Cavaco está otimista quanto ao trabalho da Rosas de Ouro, e garante que o objetivo é ser campeão. “A expectativa não pode ser menor do que disputar, entre os três primeiros lugares, disputar o título efetivamente. Brigar realmente, mas do jeito que falei. Fazer um desfile, além de emocionante, tecnicamente perfeito”, concluiu.
A serviço do espetáculo
Comandante da “Bateria Com Identidade”, mestre Rafa celebrou o trabalho de dois anos para o desfile, que garantiu os 40 pontos para a escola sem abrir mão da ousadia e irreverência. “Sempre fazemos uma reflexão do que fizemos e deixamos de fazer. É claro que a gente sabe onde erra. No meu setor, a bateria, conseguimos entregar tudo que ensaiamos no ano anterior, e tudo que criamos nesses últimos dois anos entregamos lá e foi muita coisa. Abaixamos quatro vezes na Avenida, fizemos um “caracol” na frente da Monumental, e o tradicional no recuo três vezes. As nossas bossas, todas juntas, tinham 198 compassos. Conseguimos entregar, e trouxemos as quatro notas 10 para ajudar a escola. Sabemos que é uma forma de engrandecer o nosso trabalho”, exaltou.
Rafa está entusiasmado de poder ditar o ritmo de um samba tão querido pela comunidade, e garantiu que seus comandados farão um novo espetáculo. “Sou suspeito de falar desse samba porque, para ter ideia, esse samba era cantado na várzea. Só quem é mesmo da escola, da Freguesia (do Ó) sabe. O time daqui que se chama Da Quebrada, eles cantavam porque eles não aceitavam a derrota desse samba. Isso é algo novo, e tudo que é novidade para mim é bom, e eu gosto de novidade. Uma obra boa, escrita também por Arlindo Cruz, e que era uma joia que estava guardada. A escola aceitou bem, e agora algumas pessoas que questionavam estão entendendo. Colocaremos os arranjos, e na parte musical temos um reforço que é o Hudson, junto do mestre Royce. Temos muitas coisas para fazer nesse samba, porque ele é um sambão, um dos melhores que haverá no Carnaval. A parte musical da escola, e quem conhece o trabalho da nossa equipe, da Bateria Com Identidade, junto da Ala Musical, podem ter certeza que será uma pancada”.
Mestre Rafa se sente muito honrado em poder conduzir sua bateria ao som de uma obra assinada por Arlindo Cruz, e garante que tratará o samba com muito carinho. “É a maior honra do mundo. Eu sabia que o samba era de Arlindo, mas ele não tinha assinado na ocasião. Ele fez uma parte e deu para os outros compositores, que finalizaram o samba, mas não quis assinar na parceria. A escola fez contato com a família e foi autorizado que colocassem o nome dele na obra. Para mim é uma honra levar um samba do mestre da caneta que é o Arlindo. Vamos pegar o samba e cuidar com carinho. Faremos o melhor e é a maior satisfação estar tocando esse samba que era muito falado entre nós”, finalizou.