A Mancha Verde irá levar para a avenida um enredo cultural e inspirado em um documentário do canal “Futura”. O tema é ideia do presidente Paulo Serdan e foi lançado na última quarta-feira, na quadra da escola. Para o anúncio do enredo, a escola fez um vídeo e passou com exclusividade no telão para quem esteve presente na quadra. A reação positiva foi imediata. O tema é intitulado como “Bahia, da fé ao profano”, desenvolvido pela comissão de carnaval.

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Fotos: Gustavo Lima/CARNAVALESCO

Escolhido por um documentário

O presidente Paulo Serdan é a mente pensante por trás do tema. Assistindo o canal Futura, o gestor viu o documentário que dá nome ao enredo, sugeriu à diretoria e equipe de carnaval. A mesma situação aconteceu no ano de 2023 com o enredo do ‘Xaxado’, que deu o vice-campeonato para a escola. De acordo com Serdan, o tema mudou. Seria um desfile com captação de recursos financeiros, mas por questões de política na sociedade e visões distorcidas de algumas pessoas no último carnaval, optou pela oportunidade do documentário. “Eu acho que o canal Futura daqui a pouco vai estar cobrando, mas acho que é para isso que o Futura existe, para expandir o conhecimento de todo mundo. A gente tinha até um outro enredo com grandes chances, quase acertado o lance de patrocínio, já ia vir dinheiro também, não sei o valor, mas ia vir. Eu senti nesse carnaval que essa polarização atrapalhou um pouco. As pessoas misturaram o nosso tema com política, e não tinha nada de política. E isso eu acho que engessou um pouco a gente. As pessoas ficaram receosas de se soltar mais também. Se a gente tivesse com esse outro enredo que estava acertado, acho que ia seguir quase que na mesma linha ou ia dar a conotação, a intenção de que era a mesma coisa. E aí não ia valer a pena. Na hora que apareceu a oportunidade que eu assisti, falei com todo mundo, o pessoal também assistiu e gostaram. A gente conseguiu a autorização do diretor, o produtor do documentário, principalmente pelo nome, porque é muito forte. E a gente vai desmistificar algumas coisas também, porque no Sul e Sudeste, quando a gente fala em profano, pensa sempre em coisa muito ruim, mas você assistindo o documentário, vê que não é. A gente entendeu que seria muito legal desmistificar isso também”, afirmou Serdan.

A Mancha Verde está fazendo algo diferente dentro do próximo projeto. Não há um carnavalesco de fato, e sim uma comissão de carnaval que, segundo Serdan, todos podem opinar, sendo desde a serralheria no barracão até o diretor de carnaval. O grupo que está conduzindo e assina o carnaval da Mancha Verde conta com nove pessoas, além do presidente.

“Nesse tempo todo que eu tenho de barracão assim, de carnaval, eu gosto de acompanhar sempre tudo e eu fui entendendo e enxergando também que muitas vezes quando o carnavalesco acaba se perdendo no projeto, deixando muita coisa escapar, e isso é normal, uma cabeça só é complicado. Mas quando acontece isso, quem segura a onda e dá muita qualidade é a retaguarda, e ela não é valorizada. Se dá errado, alguém acha um culpado, que às vezes é até o carnavalesco, mas se dá muito certo, é o carnavalesco também. A ideia disso foi valorizar as pessoas que estão nos bastidores. A gente tem uma equipe que está na Mancha há muito tempo e é muito competente e resolveu muito problema… por que não dar a chance desse pessoal opinar? Essa oportunidade que a gente está dando para que as pessoas sejam reconhecidas, tem tudo para dar muito certo”, completou.

Detalhes do enredo

Paolo Bianchi, diretor de carnaval e membro da comissão, deu uma explicação detalhada do que é o enredo da Mancha Verde para 2025. “A gente mais uma vez quis voltar para o que a Mancha tinha feito os últimos anos, que fazia enredos culturais. Sempre que surge, vem da forma mais inusitada. Esse aqui, o presidente assistindo um documentário no Futura, viu esse tema, achou legal, e lançou a ideia lá atrás, ainda na época das campeãs. O enredo não é sobre a Bahia, é sobre o comportamento do povo baiano. Então, é tentar captar a alma do baiano, que a gente sabe que é festeiro, que a gente sabe que é religioso em todas as vertentes. E quem quiser ver o documentário, ele fala exatamente isso. Tem um padre que diz: ‘não tem problema que o cara vem aqui na festa, fica aqui e começa a profanar’, porque o profanar na Bahia é beber e curtir. O padre falava que não tinha problema, porque o que importa é que ele fez a sua oração e agora ele vai se divertir. No dia a dia, se embelezar, algo da vaidade do povo baiano, voltando lá nos seus ancestrais, nas próprias escravas que se enfeitavam, e a gente quer mostrar isso. A vontade de se embelezar, para ir orar e também profanar”, explicou.

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Paolo Bianchi, diretor de carnaval da Mancha

O diretor continuou com a explicação, dizendo que a música, danças culturais e comidas estarão inseridas no desfile, mas dentro da narrativa do enredo. “Depois vamos falar das comidas, como o baiano usa o corpo para profanar e dançar nas festas culturais, mas também usa dele para dar passagem paro o seu santo e seu orixá. Por fim, como é que a música baiana toca os dois mundos religiosos da profanidade, e não só o axé. A gente conhece vários ritmos baianos, até os mais contemporâneos hoje, que é o trap, o som da periferia que está aflorando”, disse.

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De fato, enredos sobre Bahia é presente no carnaval há muito tempo todos os anos, mas essa narrativa da Mancha Verde é completamente diferente. Não é o chamado ‘CEP’ ou homenagens à determinadas pessoas ou religiões, e sim entrar na alma do povo da Bahia. “Eu sou suspeito. Meu filho é baiano, então eu adoro a Bahia. Mas a gente sabe que muita escola do Rio, São Paulo, de Guarulhos, de Santos, de qualquer lugar, já falou da Bahia. Quando a gente fala Bahia, cai nessa… Ou vai falar um negócio óbvio mostrando o Elevador Lacerda, Farol da Barra. Não que a gente não ache isso lindo, mas a gente quer falar da alma do povo baiano. É, que o povo batalhador, como que tem sua fé, sua crença e se diverte”, completou.

Projeto artístico por um novo artista

Lucas Abelha, que está com cargo de ‘projetista’ na comissão, ocupa a função que seria o de um carnavalesco como se é conhecido. É ele quem vai liderar os desenhos de alegorias e fantasias, supervisionado pelos outros membros. “Eu sou de Rondônia, definitivamente moro no Rio desde 2019, mas sempre eu cresci imbuído nessa missão de fazer carnaval contra tudo e todos do lugar de onde eu venho, que é uma cultura que não acontece tanto, mas desde o primeiro momento eu fui muito impactado por toda a minha arte. Eu sempre com arte trabalhei desde muito criança. A partir do momento que eu foco a minha arte dentro do carnaval, eu me encontro e eu acho que essa oportunidade de ter vindo tão cedo é uma coisa única, que não dá para desperdiçar de forma nenhuma”, completou.

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Lucas Abelha, projetista e integrante da comissão de carnaval da Mancha

Abelha (como é chamado no meio do carnaval), falou ainda mais sobre a sua participação dentro do enredo entrando na parte do barracão. “Eu acho que a gente pode colocar como a parte mais subjetiva da criação. Então, eu estou dando esses contornos para a narrativa junto com o Paolo Bianchi (diretor de carnaval) e vou trabalhar na produção dos figurinos e das alegorias. Vou entregar o projeto para a escola junto com a equipe e daí a gente tem aderecistas, escultores, ferreiros, administradores que vão fazer acontecer, mas eu sou a mão que vai colocar isso no papel a partir de muito diálogo e muita troca. Essa equipe é grande, mas que não foi formada apenas por isso. Cada um tem a sua habilidade, cada um tem a sua área de atuação e eu vou agregar tudo isso no visual da escola”, contou.

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De acordo com o profissional, o retorno deve ser positivo devido ao título de 2019, que foi o primeiro da agremiação. No caso, era um tema afro, mas que se tratando de Bahia, está ligado. “Eu acho que a comunidade se identifica muito pelo título que a escola teve. É um novo viés, é uma nova proposta, mas que conversa com a cultura afrocatólica. É uma ideia que parte do presidente através do documentário, e a gente encontra esse caminho. Falar de como esse território baiano ele mescla, agrega expressões de profanidade e do sagrado na sua cultura, seja na culinária, na dança, na música e em toda questão visual também, onde a gente tem muito forte isso no enredo, que é o ato de se enfeitar, seja para estar na rua e no sagrado. Acho que tudo isso gera uma potência que a comunidade consegue assimilar bem. Eu já esperava que a comunidade reagisse bem ao anúncio”, explicou.