Por Nathália Marsal
Um carro da Unidos da Tijuca não festejou nem esbanjou alegria durante o desfile do enredo “Cada Macaco no seu Galho. Ó, Meu Pai, me dê o Pão que eu não Morro de Fome!” na Avenida, na madrugada de domingo. E não foi por falta de entusiasmo ou paixão pela escola. A terceira alegoria a entrar no Sambódromo, “O Pão que o Diabo Amassou”, trouxe 80 negros interpretando a viagem forçada de muitos de seus antepassados em um navio negreiro.
O carro, considerado forte e impactante, mostra cenas de agressão e privação da liberdade vividas por negros escravizados. Apesar de feliz por seu primeiro desfile na Unidos da Tijuca, Mariane Rodrigues, de 23 anos, não festejou em cima da estrutura.
“Não temos festejo porque somos escravizados durante todo o desfile. É um navio negreiro, e sofremos o tempo todo. Me toca por ser negra e carregar essa dor que hoje chega por meio do preconceito na escola e no trabalho. Me dói saber que estamos representando algo que não acontece só de forma teatralizada, mas também na vida real”.
Na apresentação, os integrantes do carro se juntaram aos que estavam no chão, na ala “João de Mattos, O Padeiro Alforriado”, que contou a história do escravo alforriado que ensinava a arte de fazer pão a negros escravizados. Ele ainda lutava pela liberdade dos negros, imprimindo cartas de alforria falsas – chegar a formar um grupo de 160 pessoas. Foram três meses de ensaio. Entre as cenas chocantes, a de europeus mutilando negros retirados a força de suas casas na África.
Para Patrícia Valéria, de 42 anos, a apresentação é importante para manter viva a história e não cair no esquecimento para que não se repita novamente.
“É um enredo que fala do alimento do espírito não só do corpo e da fé de um modo geral. Estamos representando o sofrimento dos escravos no navio negreiro. Muitas pessoas morreram nessa travessia. É um lamento por essas pessoas”, afirmou.