A expectativa tomava conta do universo do carnaval paulistano neste sábado (31 de maio): a Dom Bosco, atualmente no Grupo de Acesso I da cidade, revelou o enredo com o qual desfilará em 2026 durante uma feijoada realizada especificamente para esse fim. Intitulado “Mariama, Mãe de todas as Raças, de todas as cores, Mãe de todos os cantos da terra” e desenvolvido pelo carnavalesco Fábio Gouveia, a agremiação contará uma história comum a todas as mães – sobretudo às de grandes personagens religiosos.
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Figuras inspiradoras
Se Mariama é uma figura que tocará o coração de muitos graças ao enredo da Dom Bosco, a ideia para conta-la na avenida veio graças a outro nome bastante marcante na vida da agremiação: Rosalvino Morán Vinãyo, padre que preside a agremiação e a Obra Social. Por coincidência, a temática já era estudada por Fábio em outros projetos: “Por conta do coletivo de cultura popular que eu participo, o Kizomba Pra Preto, nós estudamos todos os temas negros do Brasil para colocar nos nossos trabalhos. Mariama já era algo que eu vinha estudando há algum tempo porque nós vamos entrar com uma montagem que retrata exatamente isso. Quando eu retornei para a Dom Bosco e conversei com o padre Rosalvino, na sala dele eu sei que tem a imagem de Maria. No dia dessa conversa, eu vi essa imagem e ele falou que a escola é cuidada por Maria e que Maria é quem tudo fez”, revelou o carnavalesco.
O próprio profissional, a partir de tal sensação, seguiu com a ideia: “Eu sou muito de sentir as coisas para entender o caminho a seguir. Foi o que aconteceu. Para quem não conhece, Mariama é um título que se dá a todas as Marias. No Brasil, Dom Hélder Câmara construiu, em 1981, uma missa para celebrar Mariama e aproximar o povo negro da igreja. A pastoral afro precisava aproximar todos os povos negros, todos os povos da terra, da igreja. Ele transforma, com a sua poesia, esse manifesto da igreja num novo quilombo, uma nova Palmares. É a partir disso que a gente começa a contar o nosso enredo. Mariama vai ser a guia, quem vai nos guiar para essa missa. Nós vamos celebrar essa missa dos quilombos, que mais tarde se tornou musical e foi composto por Milton Nascimento. Nós temos uma carga emocional histórica muito grande dentro desse enredo. O enredo tem que ser popular, forte e com chão negro para a gente poder ir bem”, detalhou, contando um pouco de algumas referências que também o inspiraram.
Caminho distinto…
Ao contrário do que acontece em outras coirmãs, o enredo sobre Mariama chegou antes ao presidente do que à diretoria de carnaval. Quem conta a história é Carlos Shakila, diretor de carnaval da instituição: “O carnavalesco que falou com o presidente, eu fiquei sabendo quando o enredo já estava fechado. Está tudo certo em relação a isso. O presidente toda a nossa equipe e falou que tinham essa ideia de enredo. Nós olhamos para o nosso presidente, o padre Rosalvino, e ele disse que tinha adorado a ideia. Então a gente só foi embora. Se ele adorou, vamos embora”, relativizou.
… aprovação imediata
O próprio Shakila fez elogios rasgados à temática escolhida: “Esse enredo é lindo! Esse enredo de Mariama retrata a nossa religiosidade e também retrata aquilo que nós mais sonhamos dentro da nossa casa: ter uma mãe que nos abraça, que nos acolhe. Eu fico muito contente com esse enredo, fico muito feliz. Espero que a nossa comunidade não só compre a ideia, mas vibre, cante e seja muito feliz com esse enredo que vai fazer sucesso, não tenho dúvida”, comemorou.
Quem também gostou do que viu foi Aramis Francisco Biaggi, padre que atua como vice-presidente da escola de samba e diretor tesoureiro da Obra Social: “Sem dúvida, é um enredo muito feliz para uma escola de samba que nasceu de uma obra social. Nós percebemos que temos esse carnavalesco de outras religiões e há um respeito muito grande da obra para a cidade de Aparecida, que conta muito sobre a mãe de Jesus. Jesus, para os cristãos, tem um significado muito grande. Sejam católicos, evangélicos ou protestantes, quem acredita em Jesus como Filho de Deus, tem essa devoção especial. Nós temos essa parte cultural: vamos conhecer a devoção à Maria, os milagres que foram acontecidos em Aparecida, pessoas que voltaram à religião católica e tornaram-se católicos por intercessão de Maria. Isso traz uma cultura popular de Mariama. Para quem é católico, a fundamentação da fé católica na avenida é a alegria do povo, é isso que a gente espera aqui. Como Dom Hélder Câmara falava: ‘Pulem, dancem, sejam felizes. É a felicidade do povo que enche o coração de Deus’”, disse, revelando um pouco das referências culturais que serão utilizadas.
Acerto na mosca
A primeira reação de todos os ouvidos pela reportagem ao saber do enredo foi de satisfação. Padre Aramis sintetizou: “Sem dúvida, é um enredo muito feliz para uma escola de samba que nasceu de uma obra social. Nós percebemos que temos esse carnavalesco de outras religiões e há um respeito muito grande da obra para a cidade de Aparecida, que conta muito sobre a mãe de Jesus. Jesus, para os cristãos, tem um significado muito grande. Sejam católicos, evangélicos ou protestantes, quem acredita em Jesus como Filho de Deus, tem essa devoção especial. Nós temos essa parte cultural: vamos conhecer a devoção à Maria, os milagres que foram acontecidos em Aparecida, pessoas que voltaram à religião católica e tornaram-se católicos por intercessão de Maria. Isso traz uma cultura popular de Mariama. Para quem é católico, a fundamentação da fé católica na avenida é a alegria do povo, é isso que a gente espera aqui. Como Dom Hélder Câmara falava: ‘Pulem, dancem, sejam felizes. É a felicidade do povo que enche o coração de Deus’”, comentou.
Da parte de quem propõe o enredo, e não avalia ou sente de maneira receptora, a sensação positiva foi semelhante: “A primeira reação do pessoal assim que eu falei do enredo foi a chancela para mostrar que eu estava no caminho certo. O ano passado eu fiz um enredo lúdico porque eu precisava buscar algo diferente do que eu vinha fazendo nos últimos anos. A escola não me proibiu em momento algum de fazer qualquer tipo de enredo que eu quisesse, mas eu preferi ir pelo lúdico. E hoje, quando eu entendo que eu apresento para o padre Rosalvino um enredo e ele aclama o enredo, é sinônimo de que eu estou no caminho certo. É sentir. Realmente o enredo atravessou o coração da direção, alcançou o coração da obra – e, principalmente, das lideranças que se formaram para conduzir esse projeto. Hoje, a escola formou uma grande comissão para conduzir o carnaval dela, e isso me deixa muito confortável para tudo. Nessa coisa de entender Mariama dentro da escola, entendo que eu também estou pisando num chão que eu sei fazer muito bem: falar do meu povo, da minha gente, da minha luta. Da luta de todos os negros e de todos os povos indígenas. Um enredo que fala dos povos da terra desse Brasil”, destacou Fábio, aproveitando para relembrar o enredo de 2024 da Dom Bosco – primeiro feito por ele na agremiação.
Como foi o evento?
Enquanto todos se deliciavam com a feijoada preparada pelas baianas da Dom Bosco, uma série de apresentações aconteceram. A primeira delas foi a roda de samba da Velha Guarda da agremiação; depois, uma roda de samba da ala dos compositores animou os presentes.
Convidados externos também se fizeram presentes. O primeiro deles foi a Congada de Santa Efigênia, que veio antes do início do show da escola em si. O Grupo Abayomi e o coletivo Kizomba Pra Preto também fizeram apresentações antes da revelação do enredo, com um vídeo introdutório. Para encerrar a festividade, o Rosas de Ouro, grande campeão do Grupo Especial em 2025, se fez presente – com grande elenco, contando com a presença da presidente Angelina Basílio, do intérprete oficial Carlos Jr. e de mestre Rafa, comandante da Bateria com Identidade.

Próximos passos
Os próximos quarenta dias serão intensos na Dom Bosco. Carlos Shakila detalha o calendário da agremiação: “Nós temos uma festa junina no dia 14 de junho, aqui mesmo no Circo Social. Depois nós temos, no primeiro sábado de julho, o lançamento do nosso samba-enredo. Vamos fazer uma megafesta aqui de novo. Com samba maravilhoso, samba forte. Se Deus quiser vai dar tudo certo”, comentou.
Ele próprio detalhou como será feito o processo de escolha do samba-enredo: “Nós vamos fazer uma eliminatória com base no CD. O compositor vai mostrar o que ele tem de melhor. Sem muito alarde. Depois nós, a comunidade, vamos cantar os sambas. Nós gostamos disso. Escolhemos ali alguns sambas e deixamos para a nossa comunidade vibrar e cantar. Cabendo dentro do enredo, sendo técnico, sendo inteligente, sendo lindo e motivante (tem que ser contagiante e motivante), é o que vai para a pista. O que vale é o coração da galera. Estando dentro da proposta do carnavalesco, para nós, está tudo certo”, comentou.
A reportagem também perguntou para Fábio Gouveia se já é possível imaginar a Dom Bosco visualmente na avenida. De acordo com o carnavalesco, o projeto já está em andamento: “Quando a gente fechou o enredo e bateu o martelo, eu automaticamente já comecei a desenhar. Eu contava com outras pessoas me ajudando, eu me fechei na minha casa por 20 dias e eu fiz todos os meus projetos, todos os meus desenhos. Eu resolvi que esse ano vai ser a minha mão para tudo. Eu comecei a criar e foi muito natural, foi muito pleno. O projeto já foi entregue para a escola, nós já estamos construindo o projeto dando uma vertente para ele, para um caminho bem bonito. Estamos engajados nisso”, finalizou.