A quarta-feira foi de ensinamentos na Zona Leste de São Paulo. Na tradicionalíssima quadra da Nenê de Vila Matilde, onze vezes campeã do carnaval paulistano, a agremiação realizou a entrega da sinopse e a explanação do enredo “Um quê de poesia e um tanto de magia, a arte de encantar o imaginário popular”, desenvolvido pelo carnavalesco Danilo Dantas – estreando na instituição.
Em um primeiro momento, muitas pessoas envolvida com o carnaval tiveram dificuldades para entender qual seria, de fato, o enredo da Nenê de Vila Matilde. O carnavalesco tratou de destacar que tal temática, na realidade, é simples de ser compreendida:
“O enredo parece ser complicado, mas não é. Eu aprendi a gostar de carnaval com enredo que tenha consistência, uma boa história. Falar de festas populares seria algo muito simples, e, quando eu comecei a pesquisar manifestações folclóricas no Brasil, descobri que todas elas têm algo em comum: ligações com o tempo medieval. Isso me pegou muito. Fazendo minhas pesquisas, criei esse conto – que tem o contador, o Poeta Trovador, que narra desde a Idade Média. Ele convida a Águia [símbolo da Nenê] para voltar àqueles tempos, com o surgimento do trovadorismo; passa pela chegada ao Brasil com os portugueses e demais europeus, que trouxeram tantos artistas para cá – incluindo os de rua e os mambembes”, destacou, aproveitando para falar sobre toda a pesquisa realizada para a concepção da temática.
Danilo segue com a narrativa que será desenvolvida: “Todos esses artistas trouxeram muitas informações, histórias e livros, todos com histórias fantásticas da Idade Média. Entre eles, destaque para o livro “Os Doze Pares da França”, que falava sobre a guarda pessoal do rei Carlos Magno. Essa publicação dá origem a uma das principais atividades folclóricas brasileiras, a Cavalhada e o Reisado. É aí que começam a ter as ligações da Idade Média com o Brasil”, explicou.
Eis, então, que surge um novo ponto de mudança na narrativa da temática: “Através dessa história, surge um grande visionário brasileiro: Ariano Suassuna. Na década de 1970, ele estava muito incomodado com as manifestações folclóricas brasileiras, que estavam perdendo força e sendo muito criticadas – e, aí, ele cria o Movimento Armorial. O armorial vem da Idade Média, mostrando que as manifestações folclóricas brasileiras nascem com uma raiz erudita, mesmo sendo popular. O maracatu, a congada, o cavalo marinho e tantas outras manifestações folclóricas brasileiras bebem do medievalismo – Suassuna percebeu isso com o manifesto e com o movimento”, recordou-se.
Bem recebido
Em mais de um momento, Danilo Dantas e a mesa diretora do evento foram interrompidos com aplausos dos presentes. Quem tentou exemplificar o sentimento da comunidade foi Elisangela Simião, popularmente conhecida como Zanza, diretora da ala dos compositores da escola: “A gente está falando do Brasil no contexto de toda a diversidade que o país traz, todas as formas, como cada situação chega na cultura. O enredo fala de vários povos, enfatizando o artista e o povo, a cultura de rua, como ela junta o popular com o erudito. É fantástico, é rico demais, dá para fazer obras belíssimas e muito bem trabalhadas”, destacou.
Em outro momento, Zanza aproveitou para destacar o quanto o trabalho de Danilo foi bem feito: “Mais claro que essa sinopse, só a água e uma cervejinha. Nossos coordenadores estão com a faca e o queijo na mão, nunca vi uma sinopse tão bem explicada, exemplificada e clara. Tem uma parte que fala de religião, que exige leitura, mas é uma temática que só poderia acontecer no Brasil”, exaltou.
Falando no samba…
Perguntado sobre o que esperava do samba da Nenê de Vila Matilde para 2025, Danilo relembrou outros carnavais marcantes e, até certo ponto, recentes da Águia: “Quando eu penso nesse enredo, lembro de alguns outros que a escola já fez, como Câmara Cascudo [‘Um Voo da Águia Como Nunca Se Viu!! Também Somos Folclore do Nosso Brasil’, de 2008], o enredo que falava do frevo, do maracatu e da mistura de culturas da década de 1980 [‘Eu Tenho Origem’, de 1989]. O último enredo da Nenê, por sinal, falava de manifestações culturais [‘Cirandando a vida pra lá e pra cá. Sou Lia, Sou Nenê, Sou de Itamaracá’, de 2024], é o DNA da agremiação falar desses tipos de enredo. Quando pensamos em temáticas assim, não podemos deixar de querer um samba alegre e leve. Vou deixar bem claro que não quero que ninguém se apegue a terminologias catedráticas do enredo: quero algo solto e que proporcione o arrastão da Nenê, que esteja em consonância com a Bateria de Bamba, que é mais pesada e forte. O enredo só começa na Idade Média, quero algo que enfoque mais nas manifestações culturais – e o samba tem essa magia de encantar”, pontuou.
Concurso
Dos mais tradicionais concursos de samba-enredo paulistanos, a Nenê de Vila Matilde fará uma eliminatória com três fases. A apresentação de todos os sambas-enredo concorrentes será no dia 28 de julho. Dela sairão so semifinalistas, já no dia 04 de agosto. E, no dia 10 de agosto, a azul e branca escolherá sua canção para o carnaval 2025.
Regulamento e ficha de inscrição foram distribuídas pela mesa diretora, comandada pelo diretor de Harmonia da Nenê, Rodrigo Oliveira – que aproveitou para destacar o quanto todos estão abertos para conversar com os compositores: “Antes de tudo isso, teremos um tira-dúvidas com o carnavalesco, que está previamente marcado para o dia 04 de junho. A data de entrega dos sambas será dia 02 de julho. Também teremos uma pré-audição, no final do mês de junho”, detalhou – e, nesse momento, Danilo também pontuou que ele e os demais presentes na mesa diretora estão abertos para conversações com os compositores.
A fala do diretor também teve espaço para uma grande e positiva surpresa: “Nesse ano, a Nenê terá uma premiação para a obra vencedora. O samba campeão receberá o valor de R$ 10 mil acertado após o pagamento da primeira parcela dos pagamentos oriundos da Liga-SP e da Prefeitura de São Paulo”, finalizou.