O dia 20 de julho foi especialíssimo para a Unidos de São Lucas. Além de escolher o samba para representar o enredo “Ijexá” no carnaval 2025, a agremiação também coroou uma nova rainha de bateria. E a escolhida para substituir Juliana Fenix, que se despediu por motivos profissionais e estava presente na quadra da escola, é conhecida em todo o país, sobretudo pela comunidade LGBTQIA+. Trata-se de Priscila Nogueira, popularmente conhecida como Pepita. O CARNAVALESCO conversou com exclusividade com ela no camarote da quadra da agremiação, com decoração toda especial com o nome da artista e docinhos inclusos, para saber um pouco mais sobre a relação da celebridade com o carnaval, a defesa da comunidade LGBTQIA+ e a emoção de chegar em posto tão importante foram temas da entrevista.

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Fotos: Will Ferreira/CARNAVALESCO

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Ao ser perguntada sobre o sentimento em ser coroada rainha da Bateria USL, comandada por mestre Andrew Vinícius, Pepita abordou as dificuldades e preconceitos que existem sobre a transexualidade: “Eu acho que ser rainha de bateria é o sonho de qualquer mulher. E eu, sendo uma mulher travesti, num país que me mata, mais me consome como sexo, ter um reinado como esse é digno de evolução. O meu corpo, a minha pele, a minha voz é um ato de resistência. E o meu corpo na frente de uma bateria… não preciso te dizer mais nada. Eu vou fazer um reinado de diversidade. Eu quero ver mais meninas em outros estados igual a mim, sendo rainhas. Amo!” comemorou, pouco após sambar ao lado de Pamela Lino (musa da bateria) e Thelma Assis, a Thelminha, musa da Mocidade Alegre que foi parabenizá-la.

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A emoção, de acordo com ela própria, é ainda mais especial por tal coroação acontecer na Unidos de São Lucas. Em 2023, ela foi coroada madrinha da mesma bateria, à época já comandada por Mestre Andrew, quando a agremiação ainda estava no Grupo de Acesso II. Pouco depois, ela foi convidada para ser destaque em uma escola do Grupo Especial: “A São Lucas foi a primeira escola que me acolheu aqui em São Paulo. Eu desfilei na São Lucas como madrinha de bateria. A São Lucas foi a primeira que me acolheu aqui. Também fui convidada pra ser musa da Tom Maior, e hoje eu sou rainha de bateria da Unidos de São Lucas”, relembrou.

Em 2025, ainda mais holofotes estarão sob Pepita não apenas por conta do cargo que passa a ocupar. Vice-campeã do Grupo de Acesso II com o enredo “O Canto das Três Raças… O Grito de Alforria do Trabalhador!”, a agremiação estará no Grupo de Acesso, a apenas um passo do pelotão principal do carnaval paulistano.

Transexuais com destaque

Em 2022 (visando o ano seguinte), outra transexual causou frisson no carnaval paulistano. Trata-se de Camila Prins, que foi coroada rainha de bateria da Ritmo Responsa, bateria da Colorado do Brás – antes, ela própria já ocupava o posto de Rainha LGBTQIA+ na escola do Centro de São Paulo. Quando perguntada a respeito de Camila, Pepita soltou outro sonoro “Amo!”, indicando que conhecia a destaque e a respectiva história – já contada pelo CARNAVALESCO.

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Ela, entretanto, fez um desafio para o carnaval paulistano – e para todo o país: “A única coisa que eu tenho para te dizer é que a gente existe. Mulheres trans e travestis não começaram agora. Elas já vêm de uma história. Para eu estar aqui hoje, muitas minhas já se foram. Para eu estar aqui, a Camila estar aqui… muitas se foram. Mas é muito louco só ter eu e a Camila na frente de bateria. Queremos mais. Mas, para isso, as escolas, os pavilhões, têm que entender que a gente existe. A pedrinha que está colada aqui, no meu corpo, foi alguém da comunidade LGBTQIA+ que colou. A minha comunidade não serve só para estar no barracão, não. A minha comunidade está aqui pra ser bateria, mestre-sala e porta-bandeira, diretora de uma escola. É essa revolução que eu quero fazer”, destacou.

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Além de rainhas de bateria, outra transexual também está em alta no mundo do carnaval. Trata-se de de Xica Manicongo, tida como a primeira transexual da história do Brasil, que será tema do enredo do Paraíso do Tuiuti em 2025. Mostrando conhecimento sobre o universo da folia, ela destacou o quanto a temática precisa ser mais difundida – e o quanto as escolas de samba são importantes nesse processo: “Conheço o enredo da Tuiuti, sim. Eu acho muito legal a gente ver essa mudança, esse incômodo. Na realidade, é um incômodo. Se você não se sente confortável vendo uma travesti na frente de bateria, é isso que a gente quer: te incomodar. E você entender que eu sou igualzinha a você. Eu posso usar uma coroa e uma faixa. Eu sou ela, nunca vou poder ser ele. É isso que as pessoas têm que entender. A Paraíso do Tuiuti vai falar de uma mulher que me representa, que fez eu chegar até aqui. Ela e a escola merecem a minha reverência e o meu respeito”, destacou.

Pé-quente

Se, em 2024, enquanto ainda era madrinha, Pepita foi vice-campeã do Grupo de Acesso II e ajudou na subida de divisão da Unidos de São Lucas, o histórico de grandes resultados da cantora não para por aí. Nascida em Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio de Janeiro, foi em uma escola da Baixada Fluminense que ela começou a escrever o nome na história do carnaval – no desfile que bateu o recorde de premiações do Estrela do Carnaval em um único ano, entregue e organizado pelo CARNAVALESCO: “Eu comecei no Rio de Janeiro, na Grande Rio, escola que o David Brazil me convidou pra me desfilar. A escola veio falando de Exu, em 2022, e foi campeã”