Os Acadêmicos do Tatuapé desfilaram nesta sexta-feira pelo Grupo Especial de São Paulo no carnaval de 2025. A expressiva comissão de frente junto da brilhante atuação do “casal foguinho” formado por Diego e Jussara abrilhantaram o profundo enredo apresentado pela agremiação, que encerrou seu desfile após 62 minutos. A Azul e Branco da Zona Leste foi a quinta escola se apresentar com o enredo “Justiça – A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo lugar”, assinado pelo carnavalesco Wagner Santos.
Comissão de Frente
Coreografada por Leonardo Helmer, a comissão de frente do Tatuapé foi intitulada “Deus do Caos e seus filhos – A dor inclemente” e se apresentou ao longo de duas passagens do samba. Fazendo uso de um grande elemento alegórico com uma escultura que lembrou uma espécie de demônio, o quesito encenou o começo da existência de acordo com a mitologia grega. O deus Caos envia seus filhos à Terra para causar desordem e espalhar o medo e a morte. Liderados pelo filho mais velho, Nix, as trevas propagadas entre os mortais levaram ao rancor que levou ao surgimento da expressão “Olho por olho, dente por dente”, uma definição do desejo de vingança causado em meio à escuridão e a confusão.
O quesito abre a narrativa do enredo centrado em si, servindo como fio condutor para o que os elementos posteriores do desfile sigam contando a história proposta. O primeiro ato da coreografia é todo executado no chão. Os atores estavam com roupas negras e maquiagens bem-feitas, e a coreografia é rica em expressividade, representando bem o conceito de caos da proposta da comissão. O segundo ato é todo em cima da alegoria, mais lento, mas sem perder a chamativa expressão nos rostos dos componentes, sendo essa uma forma atrativa de abrir o desfile da escola. A única observação fica para as duas labaredas na base da alegoria, na qual o efeito de fogo só foi observado em um dos lados enquanto o outro só soltava fumaça.
Mestre-sala e Porta-bandeira
O primeiro casal do Tatuapé, formado por Diego Silva e Jussara Souza, se apresentou representando a “Justiça no Egito Antigo – Deusa Maat e o Faraó”. Em mais uma brilhante atuação do “casal foguinho”, a dupla não apenas cumpriu com maestria todas as obrigações do quesito como enriqueceu a coreografia com uma atuação dentro da temática das suas fantasias. A elegância e energia da dança de Diego e Jussara segue vívida e justifica a fama do casal que há muitos anos consegue trazer a esperada nota do quesito para a escola.
Enredo
O enredo do Tatuapé utiliza de elementos mitológicos, religiosos e históricos para narrar evolução dos conceitos de justiça pela humanidade. Desde os primeiros registros reconhecidos no mundo de um tipo de legislação até passar por momentos marcantes da história em que a justiça se moldou, muitas vezes se manifestando de forma oposta ao que deveria ser. A escola mostra vários exemplos de injustiças cometidas desde os tempos antigos na segunda parte do desfile, mostrando a partir do terceiro setor as lutas travadas em busca de um mundo mais justo para todos. A temática ficou clara dentro do conjunto de alegorias e fantasias, permitindo a condução da narrativa de acordo com a proposta sem dar chances para interpretações dúbias.
Alegorias
O Tatuapé apresentou um conjunto de quatro carros alegóricos com diferentes momentos representações dentro da narrativa do enredo. O Abre-alas foi chamado de “Justiça greco-romana”, representando aqueles que são vistos até hoje como os pilares das legislações que existem nos tempos atuais. O segundo carro representou a “Justiça de Xangô e a intolerância em nome de Deus”, exaltando o Orixá da justiça, mas representando também os crimes cometidos na humanidade sob pretexto de uma suposta “justiça divina” estimulada por religiões. O terceiro carro, a “(In)Justiça Social” foi uma alegoria dividida em duas metades, sendo a primeira escura, repleta de lixo das mazelas sociais e a outra dourada, com o luxo e a riqueza das elites, e tendo uma representação marcante da escultura “A Justiça”, que fica em frente ao prédio do STF, só que carregando o corpo de uma criança ao invés da espada contida na original. A última alegoria, chamada “Protegidos por Arcanjo Miguel, Luther King e Mandela são a inspiração para um mundo melhor” trouxe aqueles que ao longo da história se tornaram símbolos da luta política por justiça e liberdade.
As alegorias do Tatuapé conseguiram cumprir seu papel dentro da proposta do enredo explorando várias nuances da narrativa em cada um dos carros. Na parte de trás da última alegoria, um grande pergaminho com um manifesto de orgulho e resistência foi apresentado pela escola, encerrando o desfile de maneira marcante.
Fantasias
As fantasias do Tatuapé foram bem condizentes com os diferentes momentos da narrativa do enredo. As fantasias antes do Abre-alas representaram o surgimento do conceito de justiça e a primeira legislação reconhecida arqueologicamente. O segundo setor da escola contou com roupas que representaram religiões e o período medieval, onde a “Lei de Deus”, regida pelo homem, era usada como argumento para causar as mais diversas atrocidades. Do terceiro ao quarto setor, as fantasias passam a retratar a luta por uma sociedade democrática e os mecanismos desenvolvidos para tal, destacando na parte final do desfile a luta de diferentes minorias por justiça.
O conjunto de fantasias cumpriu com maestria a proposta de narrar um enredo tão denso como o escolhido pelo Tatuapé. A ala das baianas, simbolizando os Dez Mandamentos da Bíblia, simbolizou a abertura do Mar Vermelho de forma criativa com peregrinos ao centro e Moisés liderando a travessia. Em cima de um pequeno tripé. A ala dos “Guerreiros da Diversidade” também chamou atenção com um conjunto de fantasias dividido em fileiras que variavam dentro das cores do arco-íris.
Harmonia
A comunidade do Tatuapé é conhecida por ter um canto forte e presente, e novamente essa característica se fez presente no desfile. Com destaque para as alas dos setores mais ao fim do desfile, o coral da escola se destacou especialmente nos momentos dos apagões que a bateria praticou na parte final da letra do samba. Cabe a observação, porém, que alguns componentes aparentaram dificuldades para cantar por conta do volume das fantasias que usavam.
Samba-enredo
A obra que conduziu o desfile do Tatuapé é assinada por Turko, Zé Paulo Sierra, Silas Augusto, Rafa do Cavaco, Fabio Souza e Luiz Jorge, e na Avenida o samba foi defendido pelo intérprete Celsinho Mody. A letra tem uma construção complexa, mas conseguiu narrar em versos a proposta do enredo na sua totalidade. É intrigante, mas os momentos mais fortes da obra não estão em seus refrões, por mais que eles tenham permitido que a bateria trabalhasse bossas criativas. A riqueza poética da primeira e da segunda do samba, quando combinadas com a representação visual, fazem da música a trilha ideal para conduzir o desfile da escola como importante manifestação das demandas do desfile.
A narrativa do enredo esteve de acordo com a leitura da letra do samba conforme o desfile passou pela Avenida. A primeira parte da apresentação estava mais solta no entorno da obra, mas a segunda foi notada de forma bem linear. A obra contém momentos que permitiram variações de bossas e até mesmo um apagão fora do habitual, na parte final da segunda obra a partir do verso “Tatuapé, poder do povo preto está presente em nós”. A atuação da ala musical comandada por Celsinho Mody foi um espetáculo à parte, mostrando que em seu décimo desfile pela escola o intérprete segue em excelente forma.
Evolução
A escola conseguiu fechar seu desfile dentro do tempo regulamentar sem precisar acelerar o andamento, mas ao longo da Avenida algumas irregularidades foram notadas na compactação entre as alas da Revolução Francesa e da Constituição, e entre o terceiro carro e a ala logo à frente. Durante o recuo da bateria, a ala das baianas que veio logo à frente demonstrou dificuldade de manter sua organização, com algumas desfilantes abrindo espaços entre elas.
Outros destaques
A bateria “Qualidade Especial” comandada pelo mestre Léo Cupim fez uma grande apresentação ao aplicar bossas criativas por diferentes partes do samba, em especial no início da primeira parte da letra, no refrão do meio e no decorrer da segunda metade da obra. O apagão na parte final foi o grande destaque, contribuindo para elevar o astral dos desfilantes na Avenida.
A corte da bateria foi um espetáculo à parte. A rainha Muriel Quixaba, com uma fantasia dotada de asas, a balança da justiça e até uma máscara iluminada, levantou o público junto do rei Daniel Manzioni. A musa da ala musical, Simone Oliveira, chegou a dançar junto com o intérprete Celsinho Mody durante a Avenida, sendo também um destaque que também animou as arquibancadas.