O primeiro ensaio da Barroca Zona Sul no Anhembi para o carnaval 2023 foi realizado no sábado e teve um começo fulgurante. Com uma comissão de frente impactante, uma exibição fantástica do casal de mestre-sala e porta-bandeira e um ótimo rendimento do samba-enredo, a verde-e-rosa teve um início de apresentação arrebatador. Mais para o final do evento, a Faculdade do Samba mostrou alguns pontos de melhora para defender o enredo “Guaicurus”.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Marcos Costa e Monalisa Bueno vieram logo atrás da comissão de frente da escola e tiveram noite inspiradíssima. Girando bastante desde o começo da apresentação, majoritariamente no sentido anti-horário, ambos estavam deslumbrantes a começar pelo figurino: Marquinhos, como é conhecido o mestre-sala, inteiro com um rosa com muito brilho mais branco; e Monalisa mesclando o verde com o rosa, cores da escola.
Observados nas segunda e terceira cabines de jurados, todo e qualquer tópico foi executado de maneira perfeita. Sincronia, graciosidade, sorrisos e defesa do pavilhão estiveram presentes em cada momento. O casal, é bem verdade, foi favorecido com a ausência de chuva e com a pista já praticamente seca, mas é preciso relatar, também, a precisão ao desfraldar o pavilhão da escola.
Vale destacar, também, o bailado de Marquinhos. Com um samba no pé invejável, ele cortejava a porta-bandeira com movimentos rápidos e mais arriscados que o de outros da mesma função, sempre com execução primorosa.
Monalisa destacou as diferenças entre os ensaios específicos e na quadra e no Anhembi: “Com a escola toda, funciona totalmente diferente, conseguimos pegar o ritmo da escola, deu para sentir isso hoje no ensaio, claro, ensaiamos em um ritmo, aqui foi outro. Mas saiu todo queríamos e imaginou”, pontuou. Já Marquinhos foi mais a fundo em algumas questões: “É como a Mona falou, a gente entender, os dois, voltando para a escola, ela é cria, e eu já desfilei aqui em 2009. Precisamos entender o andamento da escola, pois como é o primeiro geral nosso, com escola, o momento que a bateria vai entrar no recuo, mais ou menos quanto tempo vamos ficar parados. Então tecnicamente isso é importantíssimo para nós, entendermos se teremos que brincar, aonde brincar. Pois o casal de mestre-sala e porta-bandeira não pode parar, então temos que estar ocupando espaço, brincando, tirando uma onda, pois o público está olhando, jurado olhando, mas fizemos isso bem, teve adaptações por conta da velocidade que estamos vindo dançando. Basicamente viemos na mesma linha de dança que vamos fazer na avenida, mas o saiote deixa um pouco mais lenta, consequentemente acaba respirando um pouco mais. Hoje é o que falei para a Monalisa, puxei até mais do que devia, para a gente sentir que dá, é possível e com a roupa vai ficar confortável”, afirmou.
Adrenalizado, o mestre-sala destacou qual foi o ponto chave da dança da dupla: “Gosto muito quando a gente dança, olho muito para o público, não para saber quem é quem, mas o público. Até porque estou de lente. Mas gosto de ver a troca com as pessoas, alguns setores que passamos, fazíamos a dança virada, a galera vinha, batia palma, vibrava junto conosco. É bom para o nosso pavilhão, as pessoas estão aqui para ver o pavilhão que carregamos, é a história da Barroca. É uma energia sem igual, dá um gás para continuarmos nesta pegada até o final. Pois quero fazer mais gente assim, e os jurados, quando crava o jurado, é muito bom, ainda mais neste primeiro treino valendo. Cravar o jurado, a Monalisa deve ter assustado que fiz um ‘Uhul’, eu vibro, hoje pode, e falava ‘é isso’, senti essa adrenalina, ver que o trabalho está em uma linha cerva, que vamos conseguir conectar o público e o jurado”, finalizou – com Monalisa acenando positivamente a cada ponto.
Comissão de Frente
Se a comissão de frente é a primeira impressão de uma escola de samba, a da Barroca Zona Sul foi bastante imponente. E, aqui, é necessário ir mais a fundo no enredo antes de falar sobre os componentes propriamente ditos e o que eles fizeram na avenida.
A tribo guaicuru, que estava instalada nos atuais estados de Mato Grosso do Sul, Goiás e no norte do Paraguai, viviam fases distintas bem definidas com os espanhóis e portugueses. Em períodos mais bélicos, eles eram capazes de punir os europeus, já que domavam, em pleno século XVI, cavalos – algo que os ibéricos demoraram para aprender. Mas, quando eram tempos de paz, os nativos visitavam cidades em busca de trocas comerciais.
Dito isso, podemos falar sobre a comissão de frente propriamente dita. Com uma grande escadaria verde-e-rosa como tripé, diversos guaicurus fazem suas danças quando, de repente, chega um personagem vestido da maneira mais caricata possível como um turista – com camisa florida, shorts e uma câmera de revelação de foto automática. A coreografia, bastante longa e expressiva, mostra como seu deu, em diversos momentos, a convivência do europeu (representado pelo turista na comissão de frente) com os guaicurus. Em dado momento, o turista sofre com a vocação guerreira dos nativos; em outro, há respeito de ambas as partes.
Se os componentes chamaram muita atenção e atraíram olhares de curiosidade e admiração, vale destacar que eles não pararam na segunda cabine de jurados para fazer uma saudação para os julgadores – o que foi, talvez, o único deslize em um grande setor da Barroca.
Samba-Enredo
Desde 2019, quando a Barroca Zona Sul foi vice-campeão do Grupo de Acesso com o enredo “Oke Arô”, sobre Oxóssi, os sambas da escola têm uma característica em comum: sempre culturais, defendendo minorias e de grande qualidade, ganhando diversos elogios. Não foi diferente em 2023. A obra escolhida deixa clara a vocação guerreira dos guaicurus e, mais do que isso, instiga os componentes a cantarem forte.
A ala musical teve, é claro, grande influência no bom rendimento do samba. Cada vez mais afiado e identificado com a Barroca Zona Sul, Pixulé emendou vários cacos e cantos paralelos ao samba, sempre apoiados pelo carro de som – e a comunidade se reconheceu no intérprete, respondendo a ele quando pedidos. Já a Tudo Nosso levou ao Anhembi ritmistas que executaram o samba de maneira mais para cima que o normal, com andamento pouco mais acelerado que o de muitas co-irmãs.
Pixulé, intérprete da escola, exaltou o bom entendimento com a Tudo Nosso – sobretudo com o comandante da mesma: “Foi perfeito, pois temos um casamento, bateria, ala musical. Eu e o Mestre Fernando Negão nos entendemos no olhar, olhamos um para o outro, é isso, nos abraços e boom, embrulha e foi. Foi maravilhoso, bacana, acredito que no segundo ensaio será melhor ainda”, arriscou.
A comunidade respondeu, sobretudo, ao apagão comandado por mestre Fernando Negão, pouco depois dos ritmistas entrarem no recuo. Ao longo do ensaio técnico, entretanto, a Tudo Nosso preocupou-se em sustentar o samba – o que fez muito bem. Algumas variações com naipes específicos aconteciam e faziam os componentes cantarem mais alto, é bom ressaltar.
No entendimento de Pixulé, o momento, por sinal, foi o ponto chave do ensaio técnico: “Todo mundo para, e a escola responde. É um ponto maravilhoso, que ficamos de bobeira. É muito legal essa parte”, registrou.
Diretor de carnaval da Barroca, Marcus Paulo Tibechrani, o Marcão, também aprovou o ensaio técnico. “A gente ficou feliz que o povo veio, evoluiu e cantou. Para esse ensaio, para ter essa quebra, foi bastante positivo. Saí bem feliz”, comentou.
Comandante da Tudo Nosso, Mestre Fernando Negão sente que o desempenho pode melhorar ainda mais: ““Eu acho que a bateria foi boa. Está 85, 90%. Precisa só ajeitar alguns detalhes, algumas coisinhas que passam, alguma falta de atenção, erros bestas de falta de atenção. Passar algum detalhinho, alguma passagem. Mas aí isso é fácil de consertar, são só detalhes mas o caminho eu acho que está traçado. Eu acho que é só a gente dar mais uma ensaiadinha, ajeitar os ponteiros e estaremos prontos para o desfile”, destacou.
O samba de temática indígena também influenciará no resultado final da bateria, pontuou Fernando: “Teremos bastante garra, bastante pegada. Utilizo uma bossa com alguns toques indígenas. É isso, a gente fala que somos iguais aos indígenas, com força, raça e união”, detalhou.
Harmonia
O samba-enredo ajudou e os quesitos ligados à ala musical tiveram ótima noite, como dito anteriormente. Tudo leva a crer que a Harmonia da Barroca Zona Sul foi boa, certo? E é exatamente essa a palavra que cabe para analisar o quesito: boa. Não é possível tirar décimos da agremiação porque os componentes, de fato, cantaram o samba de maneira linear e sempre eram ouvidos. O coral da passarela, porém, não foi o mais alto já apresentado no Anhembi em 2023.
Se é possível melhorar, também é possível analisar outro lado bom – além do fato, bem importante, de que não é possível tirar décimos da instituição no quesito. Se a noite teve um Anhembi com problemas no sistema de som, a verde-e-rosa talvez tenha sido a agremiação que tenha sofrido menos com tal situação.
Feliz com o rendimento do canto da agremiação, Pixulé evitou comentar eventuais deslizes: “Olha, sou bem crítico, como sou muito crítico, não vou opinar. Vou deixar essa pergunta para a direção de carnaval, para a harmonia, compete a eles. Mas sempre tem coisinhas para ajustar, uma coisa ou outra, mas é bobo, amanhã tem ensaio na nossa quadra, e lá ajustamos isso daí de boa. No próximo ensaio vem com tudo para não errar mais, caso tenhamos errado”, destacou.
Quem também gostou de ver a força da comunidade foi Fernando Negão: “A comunidade está cantando bastante. Bastante garra, bastante samba no pé. A bateria com bastante pegada, bastante união. Acho que estamos no caminho certo para, se Deus quiser, almejar o título”, vociferou.
Evolução
Este foi, certamente, o calcanhar de Aquiles da Barroca Zona Sul no primeiro ensaio técnico. Embora as alas cantassem bem, era possível sentir o componente um tanto quanto “preso”, sem evoluir tanto e nem curtir o evento. Algumas exceções são a aula entre o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, coreografada; e a primeira ala após o segundo carro alegórico, bastante solta, chamou atenção.
Assim como outras coirmãs, a entrada da bateria no recuo também merece reflexão. Antes mesmo dos ritmistas recuarem, a escola ficou entre dois e três minutos parada. Após o movimento, bem executado, a agremiação, aparentemente, bateu cabeça. O carro alegórico que estava à frente seguindo assim, deixando o espaço a ser coberto ainda maior. A ala que vinha atrás precisou apertar o passo, configurando falta de linearidade.
Momentos depois, a reportagem flagrou alguma dificuldade para empurrar o Barroquinho, mascote da escola que funcionava como uma espécie de pede-passagem. Fica a dúvida se tal situação ajuda a explicar o recuo de bateria acidentado da verde e rosa.
Para Marcão, entretanto, a escola passou bem pelo Anhembi. “Nesse primeiro ensaio, queríamos que o povo chegasse e entendesse. O que tiver acontecido, uma coisinha ou outra, a gente leva para a quadra. Tem tempo para ensaiar para isso e consertar. São coisas pequenas. Saí bastante feliz desse primeiro ensaio, não tenha dúvida. Da comissão de frente ao final da escola. Por enquanto, nada chegou até mim. Acompanhei, fui andando a escola inteira. É posicionamento, acertar mais o passo. A hora que veste a fantasia e o carro alegórico está aqui, é outra conversa. Essa é a Barroca Zona Sul”, ejactou-se.
Outros destaques
– Quando o cronômetro começou a contar, a Barroca ainda estava cantando o samba do ano passado – algo proibido por regulamento;
– O abre-alas da escola, pela marcação de alegoria, é bastante grande;
– O carro de som emulava os sons de índios tal qual no CD;
– Depois de retorno da bateria para a passarela, os ritmistas ficaram posicionadas antes de duas alas e a Velha Guarda;
– Após o encerramento do ensaio técnico, diretores identificados com a harmonia discutiram de maneira mais ríspida. Algum tempo depois, integrantes fizeram questão de colocar panos quentes;
– Em entrevista após o final do ensaio técnico, Marcão revelou que a escola levará quinze alas para a avenida e 1800 componentes;
– Também em entrevista, Mestre Fernando Negão destacou que serão 200 ritmistas na Tudo Nosso e doze pessoas (com ele inclusa) na avenida.
Colaboraram Fábio Martins, Gustavo Lima e Lucas Sampaio