Se, há exatamente uma semana atrás, os Gaviões da Fiel se reuniram para escolher o samba-enredo (para muitos, um dos melhores da safra do carnaval de 2025 em São Paulo), a sexta-feira foi noite para que a escola organizasse a Apresentação das Fantasias para o próximo desfile, apresentando os protótipos das indumentárias em questão para a defesa do enredo “Irin Ajó Emi Ojisé”, desenvolvido pelos carnavalescos Julio Poloni e Rayner Pereira. O evento, realizado na quadra da Torcida Que Samba, no Bom Retiro (Centro da capital paulista), teve a presença do CARNAVALESCO – que conversou com segmentos importantes da agremiação.
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Comemoração e mudanças
A escolha dos sambas e cantos que ecoaram na rua Cristina Tomás foi idêntica a da noite da final do samba-enredo, com todos cantando a plenos pulmões clássicos como “A Saliva do Santo e o Veneno da Serpente” (1994, reeditado em 2019) e “As Cinco Deusas Encantadas Na Corte Do Rei Gavião” (2003). As apresentações de segmentos (casais, ala das baianas, passistas e destaques) idem. E parava por aí.
Logo que a reportagem chegou ao local, se deparou com um grande palco em formato de “T” – evidentemente para o desfile dos protótipos. Um dos locais suspensos, atualmente utilizado como camarote de uma patrocinadora, tornou-se uma espécie de camarim para que diversos componentes se maquiassem e vestissem as peças – o espaço, por sinal, era coberto por faixas da “Torcida Que Samba”.
Outra diferença estava na data em que o evento foi realizado. O 27 de setembro é nacionalmente conhecido como o dia de Cosme e Damião, com a distribuição de diversas guloseimas. Os Gaviões preparam cerca de quatro mesas cheias de quitutes como paçocas, suspiros, doce de banana e Nhá Benta para os presentes.
Tempo e inspiração
Em entrevista exclusiva para o CARNAVALESCO, Julio Poloni, um dos carnavalescos da agremiação, destacou que a mesma publicação que serviu de inspiração para a criação do enredo em geral também foi muito consultado ao desenhar as fantasias: “A inspiração foi um livro que Deus colocou no caminho do Rayner. Ele também é assistente do Edson Pereira, na Unidos da Tijuca – e, na sala do profissional, ele viu um livro de Educação Infantil sobre máscaras africanas. A partir daí, ele trouxe essa ideia e começamos a estudar em cima disso. Sobre a temática das máscaras africanas, em específico, não encontramos um livro a respeito – achamos muitos artigos, de diversas etnias. Nisso, então, carnavalizamos uma história em cima dessa cultura. No nosso enredo, como percebemos que as máscaras passam valores, mensagens e ensinamentos, colocamos Orunmilá como o espírito mensageiro que habita por trás dessas máscaras – quando pessoas colocam essas máscaras, eles acessam o mundo espiritual, o Orun. Orunmilá vai parando de povoado em povoado concedendo, em cada um deles, uma máscara para passar essa mensagem. Ao invés dele passar as mensagens por meio do jogo de Ifá, ele vai passar pelas máscaras fazendo uma caminhada pelo continente africanos”, destacou, citando a obra “A Primeira Máscara”, escrito pela artista plástica, ilustradora e autora france Marie-Thérèse Kowalczyk, popularmente conhecida como Maté.
Ao ser perguntado sobre o tempo de produção do conjunto de fantasias, Rayner Pereira, que também é carnavalesco dos Gaviõess, detalhou: “Acho que levou dois meses, dois meses e meio. A partir disso, começamos a complementar a nossa pesquisa para ver onde conseguiríamos incrementar, para termos um desfile mais rico. Aí complementamos: de catorze foram para dezoito alas – e ainda tinha muita coisa para se falar, mesmo evoluindo muito. Desde o começo, quando vimos tudo no papel, nossos protótipos estão muito fiéis aos desenhos. Quando postarmos o que era o desenho e como ficou, tudo está muito parecido, não tivemos tantas alterações. Isso nos deixa felizes, já que conseguimos tirar do papel o que pensamos para a escola e para os componentes. São fantasias leves e confortáveis, de acordo com quem vestiu. Apesar de tudo, também estamos pensando em quem vai desfilar”, comentou.
Julio aproveitou para complementar: “Levamos cerca de dois meses e meio para terminar os desenhos porque temos muitos elementos para colocar, fizemos uma pesquisa muito rica. As máscaras não estão no enredo de forma aleatória: cada uma delas está conectada com o povoado real de onde ela veio com as vestes que cada máscara acompanha em cada ritual. Foi uma pesquisa muito profunda que fizemos para fazer cada fantasia”, explicou.
Variações cromáticas
Toda a comunicação dos Gaviões pensando no desfile de 2025 possui, majoritariamente, tons terrosos – como amarelo, marrom e ocre. Se tais colorações são, até certo ponto, naturais quando se pensa em um desfile de temática africana, Rayner destaca que outros matizes também serão vistos: “A gente não tem muito como fugir do marrom, do laranja e do amarelo – afinal de contas, é uma coloração natural dessa região da África. Mas pincelamos muitas cores para que esse gradiente não se torne algo muito padronizado no desfile. No desfile, começamos com marrom – mas, a partir disso, começamos a distribuir cores até o final. Não acabamos no prata ou no branco: até isso buscamos fazer de uma forma diferente. Termina de uma forma feliz e diferente do que estava sendo apresentado. Tem, basicamente, o que temos como cores básicas – mas, a partir disso, desenvolvemos muitas outras combinações que casaram muito bem com o nosso desfile. É uma cor terrosa que ganha uma nuance mais feliz para falar de cada etnia que falaremos no decorrer de cada desfile”, pontuou.
Dentre as fantasias que fogem completamente de tal padrão, vale destacar a da ala de passistas, quarta a ser apresentada, com predominância da cor preta.
Cabe destacar que, tradicionalmente, os Gaviões da Fiel não utilizam nem um tipo ou variação de verde em seus desfiles – ao contrário de outras escolas de samba ligadas às torcidas organizadas do futebol, a Torcida Que Samba traz para o carnaval certas tradições.
Encadeamento
Além de uma apresentação inicial com alguns componentes da comunidade antes das fantasias em si, todo o evento teve Julio Poloni como uma espécie de cicerone. Ele, por exemplo, fez questão de fazer uma explicação do samba-enredo dentro da temática criada por ele e por Rayner Pereira. Alguns pontos importantes também foram explicados no palco – como, por exemplo, o fato de que o espírito mensageiro de Orunmilá fará uma viagem que começa no norte e vai rumo ao sul, passando por dezoito povos. Nas fronteiras africanas atuais, treze países estão representados: Mali, Burkina Faso, Serra Leoa, Costa do Marfim, Gana, Benin, Camarões, Guiné Equatorial, Gabão, Angola, Congo e Nigéria.
No enredo, cada uma das fantasias representa uma etnia que foi visitada por Orunmilá, que deixa uma espécie de ensinamento representada por uma máscara. Também vale destacar que cada carro alegórico registra o encontro do espírito mensageiro com outro orixá – casos de Exu e Nanã.
Volume aprovado
Algo que chamou muita atenção em todos os presentes foi o número de adornos e adereços que a grande maioria das fantasias possui. Costeiros, testas e esplendores bastante significativos davam uma sensação de volume bastante considerável, enquanto fitas e saias davam movimento e dinâmica para cada peça.
O trabalho da dupla de carnavalescos na confecção dos protótipos foi aprovado por segmentos ouvidos pelo CARNAVALESCO. Leandro Machado, um dos integrantes da Comissão de Carnaval dos Gaviões da Fiel, foi um deles: “Os Gaviões vêm numa proposta muito diferente, com um enredo inédito. Tenho certeza que as fantasias vão surpreender a todos. Nós, da Direção de Carnaval, gostamos muito. Toda a diretoria também gostou muito – passando pelo presidente e pelos vices. Nossa expectativa, realmente, é causar um impacto diferenciado no carnaval de São Paulo. Podem esperar que os Gaviões venham bem bonitos e bem diferentes”, comentou.
Fabio Camara, o Fantasma, vice-presidente da instituição (e também integrante da Comissão de Carnaval) concordou: “Na verdade, o conjunto de fantasias superou as minhas expectativas. Obviamente que eu esperava algo muito dentro do contexto que a gente vai apresentar, mas eu fiquei muito contente e muito feliz em saber que as minhas expectativas foram superadas nesses protótipos. Como eu sempre costumo falar, os Gaviões, por si próprios, têm que vir de uma forma grande, de uma forma que seja colocado o nome dos Gaviões sempre no topo, acima de qualquer situação. Eu estou muito contente, muito confortável com o que eu vi e daquilo que nós vamos apresentar na avenida. Tenho a certeza que os Gaviões virão além daquilo que todo mundo espera. A escola vai surpreender na avenida e vai fazer um carnaval, de fato, do tamanho que os Gaviões merecem”, prometeu.
Desafios e pontos fortes
Perguntados sobre quais foram as grandes barreiras a serem suplantadas para criar o conjunto de fantasias, os carnavalescos detalharam pontos distintos. Julio preferiu falar sobre como colocar tal temática na avenida exigiu a construção de uma temática pouco convencional: “Os principais desafios foram conseguir criar um conjunto que seja coerente com as etnias e povos que estamos representando e as respectivas máscaras. Esse foi o maior desafio: como pegar algo que existe como referência em rituais e como carnavalizar isso sem perder a essência. Vejo que a força do conjunto de fantasias, que agora está pronto, é que ele é muito variado e diferente nas formas e proporções. É um conjunto de fantasias que, certamente, sai do lugar comum do carnaval. O que era um desafio (conseguir conectar roupas e indumentárias que são utilizadas), acabou sendo um diferencial para a gente na concepção – e que deu um resultado completamente diferente do que estamos acostumados”, comentou.
Já Rayner preferiu falar sobre questões mais ligadas à estética: “Também buscamos algumas informações sobre formas! No momento em que começamos a colocar as coisas no papel, nós pesquisamos, ala por ala, se aquilo não passou pela avenida em algum momento. Todas as nossas alas são bem distintas uma da outra e ainda mais diferentes de tudo que já passou no Anhembi. Vocês verão várias formas diferentes e jeitos de usar a máscara, sempre seguindo a fidelidade da máscara de cada região – mas carnavalizando e trazendo um visual simples de se entender. É isso que todo mundo que já viu as fantasias gostou: é um enredo que já foi citado muitas vezes, mas fizemos isso foi feito de uma maneira bem diferente”, atentou.
Profissionais resguardados
Ao contrário de muitas outras escolas de samba, os Gaviões da Fiel realizam eleições – a cada triênio, uma nova diretoria assume o comando da instituição. Mesmo com a mudança de nomes (por sinal, na última eleição, a chapa que representava a situação foi vencida), Julio e Rayner foram mantidos. Para diretores ouvidos pelo CARNAVALESCO, a qualidade de cada um deles é o que vale: “O Júlio e o Rayner têm total apoio nosso, da presidência, dos vice-presidentes… total confiança. Acho que a importância do trabalho é a confiança. Vimos eles trabalhando na gestão passada, nós acompanhamos como sócio. No meio do caminho, próximo das eleições, o Rayner acabou saindo um tempo, mas ele acabou retornando. Não é novidade nenhuma eles trabalharem juntos. A gente resolveu, pelo trabalho apresentado e pelo resultado obtido na avenida, que eles deveriam continuar de acordo com o que eles vêm apresentando. E, claro, que vão seguir apresentando na avenida no futuro – já que, em 2025, eles e os Gaviões vêm em um formato ainda mais forte”, comentou Fantasma.
Leandro vaticinou: “Nós já tínhamos trabalhado com o Rayner em outras gestões, a gente já conhecia o trabalho dele e conhecia a dedicação dele. Sobre o Júlio, nós ouvimos sempre muitas boas referências. Na primeira conversa que nós tivemos com ele, nós tínhamos a certeza que a gente estava fazendo a escolha certa. A gente tem a total confiança, dá a total liberdade para eles criarem e eles sabem que têm o apoio incondicional da diretoria. Isso que é o mais importante, juntamente com a confiança. Tenho certeza que eles estão desenvolvendo um lindo carnaval para os Gaviões”, finalizou.