Por Gustavo Lima e Will Ferreira

Na fria noite de sexta-feira na cidade de São Paulo, os Gaviões da Fiel escolheram o samba que embalará o enredo “Vozes Ancestrais para um Novo Amanhã”, desenvolvido pelos carnavalescos Júlio Poloni e Rayner Pereira e que será o quarto a desfilar no sábado de carnaval durante o Grupo Especial da cidade. Em uma equilibradíssima final, a parceria vencedora é a do Samba 04 da eliminatória, formada pelos compositores Renato do Pandeiro, Rica Leite, Luciano Rosa, Cacá, Vini, Beto Cabeça, Don Souza, Portuga, Alves, Willian Tadeu e Biro. Sempre presente em datas importantes para as escolas de samba paulistanas, o CARNAVALESCO entrevistou personagens importantes da Torcida Que Samba no evento.

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Fotos: Gustavo Lima e Will Ferreira/CARNAVALESCO

Encontros presenciais para Vozes Ancestrais

Ao ser perguntado sobre como foi o processo de composição da parceria, Rica Leite destacou que os compositores preferiram marcar reuniões pessoais: “A nossa parceria preza muito pelo encontro presencial. Nada substitui o olho no olho, sentir a parte melódica e rítmica que realmente toca o coração. Ajustamos muita coisa de letra pelo WhatsApp, hoje em dia é mais fácil, mas conseguimos mostrar o que queríamos: compor um samba harmônico, no qual as palavras indígenas realmente tocassem o coração e, ao mesmo tempo, tivessem uma dicção clara para o cantor”, destacou.

Relembrando a apuração deste ano, Rica destacou que é possível fazer um samba com enredo originário com versos mais simples do que muitos esperam: “Os Gaviões, em 2025, trouxeram um samba muito bonito, mas acabou perdendo nota por causa da letra. Queríamos provar que, mesmo com palavras difíceis, tudo é possível. Então, compusemos um samba em que os termos indígenas soassem naturais e fáceis para quem fosse cantar. Acredito que esse foi o nosso diferencial”, comentou.

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Versos e sinopse

Ao ser perguntado sobre qual parte da sinopse distribuída pelos carnavalescos mais chamou atenção dos compositores, Rica já destacou qual é a parte favorita do samba escrito por ele próprio: “Eu destaco os versos: ‘Ó mãe hostil, só uma vez escute os filhos desse solo/A quem foi negado o seu colo’. Desde o início, junto com meus parceiros, queríamos começar o samba com essa força. Tivemos várias frases nesse sentido, mas a ideia era pedir à nossa pátria que, pelo menos uma vez, ouvisse seus filhos. E deu certo”, comemorou.

Beto Cabeça também destacou qual a parte favorita dele em relação à obra: “Eu gosto muito dos dois refrãos. Para mim, são eles que vão levantar o Anhembi. Aquela mensagem vai incendiar a Monumental. Imagina a arquibancada vindo abaixo com o refrão ‘Eu estou pronto para a guerra’. Para mim, é a melhor parte do samba”, garantiu.

Quem também elenco preferências foi Vini: “Eu gosto muito quando a melodia conversa com a letra. Na metade final da segunda parte, quando criticamos a forma como o país trata os povos indígenas, o samba se transforma em uma verdadeira aula de história, como todo o enredo. É algo parecido com o que o Salgueiro levou para a avenida em 2024. Até comentei na época que era uma aula de história. Nessa parte, em que cantamos ‘Ó mãe hostil’, a melodia chora junto com a letra. Para mim, essa é a parte mais emocionante. Claro, temos um refrão muito forte, chiclete mesmo, mas esse trecho toca diretamente no objetivo central do enredo”, comentou.

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Confiança da direção

Os mandatários dos Gaviões da Fiel foram nominalmente citados em entrevistas com os compositores. Rica começou: “Quero agradecer muito ao vice-presidente Fábio Câmara, o Fantasma, e ao presidente Alexandre Domênico Pereira, o Alê, porque sei que eles bateram no peito por isso. Vamos para a avenida com esse samba para os Gaviões ser campeões. Para mim, pouco importa se for o meu ou de outro. Se a entidade ficar em terceira ou quarta, não faz sentido. Eu quero um samba que coloque os Gaviões em primeiro. O importante é a escola ser campeã. E é isso que quero fazer em 2026. Anota aí: os Gaviões vão estremecer a avenida! ‘Yandê, Yandê’ significa ‘Nós vamos estremecer a terra’”, afirmou Rica.

Vini seguiu: “Até o presidente Alê falou que a sensação é como um pênalti. Eu já tinha comentado isso antes, enquanto a gente esperava: parecia uma disputa de pênaltis, mas só com uma cobrança. Estávamos todos em tensão, parecia que demorou muito para sair a decisão da escola, e todo mundo ficou agoniado. Quando veio o resultado, foi um misto de alegria, êxtase e alívio ao mesmo tempo, porque os três sambas estavam na expectativa. O resultado trouxe várias sensações: já estávamos naquela ansiedade, mas no fim foi um prazer imenso. Essa foi minha segunda oportunidade de ter um samba na avenida pelos Gaviões. Acho que só amanhã vou começar a entender melhor tudo isso. Hoje ainda não caiu a ficha”, emocionou-se.

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Ideia e tensão

Ao longo da apresentação do Samba 04, alguns trechos da obra foram destacados em imensas faixas levantadas pela torcida. Vini destacou a ideia ao falar de tal situação: “Nós já tínhamos um padrão definido de levar bexigas, bandeiras, e até uma bandeira com parte do refrão. Então pensei: ‘Por que não fazer como uma réplica dos estandartes da torcida?’. Montamos uma estrutura lá na arquibancada e trouxemos essa ideia também para o palco, mas para abrir e mostrar para o público na quadra a força do nosso refrão. Apostamos muito nele. Imagino que aquela uma hora de discussão na sala tenha sido por causa disso. O nosso diferencial pode ter sido justamente reforçar essa parte que entendíamos ser o ponto mais forte da música”, refletiu.

Após a apresentação dos três finalistas, foram cerca de quarenta e cinco minutos de espera para que o resultado fosse revelado. Sobre tal período, Vini foi franco: “A safra deste ano foi muito boa. Já na semifinal havia opiniões de todos os lados, muita conversa e muitos debates. Acho que isso torna tudo ainda mais especial, porque a disputa foi bem acirrada. A própria demora na decisão mostra isso. A gente não sabe o que aconteceu na sala, mas certamente a escolha foi amplamente discutida, e isso é positivo para a agremiação. Para nós, compositores dos três sambas finalistas, ficou a agonia, mas também a certeza de que todos tinham condições de ir para a avenida. Se a diretoria demorou, é porque analisou cada detalhe antes de decidir. E isso torna o resultado ainda mais especial”, pontuou.

Presidente engajado

Mostrando muita conexão com a comunidade e a Torcida Que Samba, Alê, presidente dos Gaviões da Fiel, destacou que até mesmo uma famosa rede social deixou claro o equilíbrio na decisão: “Foi uma decisão muito difícil. Inclusive, cheguei a fazer uma enquete no meu Instagram e vi que estava bem equilibrado. Acho que realmente ficaram os três melhores. A escolha foi complicada em todos os quesitos, em todos os setores do carnaval. Estou bem esperançoso para ver esse samba na avenida”, pontuou o mandatário.

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O presidente aproveitou para relembrar a polêmica perda de décimo no elogiadíssimo samba-enredo “Irin Ajó Emi Ojisé – A Viagem do Espírito Mensageiro”: “Fizemos um carnaval gigantesco este ano e faltou muito pouco para sermos campeões. Faltou o jurado ouvir ‘Odara’, mas não vamos entrar muito nesse mérito, já passou. Não vou dizer que estamos conformados, porque seria mentira, mas é bola pra frente. Estou muito confiante. Os compositores fizeram um excelente trabalho e foi muito difícil escolher esse samba. Quando entramos na salinha, a expectativa foi enorme até entre nós. Mas pode ter certeza: saiu o samba campeão do próximo carnaval”, prometeu.

Felicidade de personalidades

Eterna Voz da Fiel e vencedor do Estrela do Carnaval (organizado e concedido pelo CARNAVALESCO) de melhor intérprete do carnaval 2025 de São Paulo, Ernesto Teixeira foi sucinto ao avaliar não apenas o samba campeão como também a final da eliminatória: “Ouvimos e assistimos às apresentações de três sambas excelentes, que traduziram muito bem o enredo e trouxeram letras e melodias muito fortes. Os Gaviões, em 2026, estarão muito bem representados por uma magnífica obra em uma final muito equilibrada”, pontuou o cantor.

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A dupla de carnavalescos também elogiou a obra, a começar por Rayner Pereira: “A gente teve uma conversa bastante proveitosa com todos os compositores – tanto que recebemos 23 sambas. Foram três dias de audições para tentar escolher, e foi uma tarefa bem difícil definir os seis que chegariam à semifinal. Já sabíamos que, entre esses seis, qualquer um poderia ser o campeão. Hoje, tivemos uma ‘dor de cabeça boa’, porque os três finalistas se encaixaram perfeitamente no modelo de desfile que vamos apresentar – mas, com sapiência, fizemos uma ótima escolha”, definiu.

Julio Poloni concordou com o companheiro: “É exatamente isso. Tivemos a sorte de contar, mais uma vez, com uma safra muito boa. Mas não é apenas sorte: é muito trabalho também, muita conversa com os compositores, ajustes e plantões. Fizemos uma explanação bastante detalhada e tivemos muito cuidado na construção do enredo, dessa história que vamos contar, para que ela tenha uma força especial. Acreditamos que estamos no caminho certo, e a qualidade dos sambas finalistas e do campeão confirma isso”, arrebatou.

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Samba a noite inteira

Como é tradicional no Bom Retiro, os Gaviões da Fiel rechearam o evento com sambas marcantes e shows de segmentos. Para começar, casais de mestre-sala e porta-bandeira, Harmonia Guerreira, Velha Guarda, Ala das Baianas, Departamento Cênico, Comissão-de-Frente, passistas, Ala das Crianças e Destaques se apresentaram ao som de alusivos e sambas-enredo da agremiação.

Também houve tempo para a despedida oficial do carnaval 2025, em encenação dividida em três atos (com casais de mestre-sala e porta-bandeira e comissão-de-frente inclusos), antes das apresentações finais dos sambas finalistas: primeiro, o 01; depois, o 04; e, por fim, o 09.

Enquanto a comissão julgadora definia o campeão, o pavilhão do enredo foi trocado e entregue para o segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira.