Por Fábio Martins e Gustavo Lima
O sambista paulistano acaba de se despedir de uma grande safra. Na noite deste domingo, o Acadêmicos do Tucuruvi escolheu o samba-enredo que irá embalar o desfile em 2024. A disputa contou com quatro obras concorrentes (03, 07,11 e 16). Houve muita festa, discursos do representante de Ifá, que é o tema da escola e apresentação do pavilhão do enredo que foi entregue pelo presidente Jammil. Entretanto, o marco da final foi a forte presença das torcidas nas quatro obras. Todas fizeram valer o nível que os compositores colocaram no papel, especialmente a vencedora, onde executaram uma apresentação impecável. Embalados pelo intérprete Igor Sorriso, a parceria 3 cantou forte e, nitidamente, a maioria da comunidade da Cantareira estava fechada com o grupo. Os compositores são: Macaco Branco, Carlos Bebeto, Djalma Santos, Chiquinho Gomes, Dr. Marcello Medeiros e Denis Moraes.
Palavra do compositor
Macaco Branco é conhecido como mestre de bateria na Unidos de Vila Isabel, mas ocupando a função de compositor, deu um show e venceu no Tucuruvi. De acordo com o próprio, quando viu a oportunidade de falar de Ifá, procurou se envolver rapidamente. “Eu estava há um tempo sem concorrer samba, porque estou na vida de mestre e produtor musical. Eu toco com alguns artistas e é meio difícil para ficar conciliando. Quando eu vi o enredo sobre o Ifá, que eu sou apaixonado e em uma escola no qual eu tenho um carinho imenso, eu não pensei duas vezes. Eu liguei para os meus parceiros e disse para gente fazer, independente do que seja. Graças a Deus a gente fez com muito carinho, foi uma disputa muito boa, tinha excelentes sambas e graças a Deus o nosso samba saiu campeão. Se Deus quiser vai ajudar bastante o Tucuruvi a ser campeão do carnaval”, disse.
O compositor falou sobre a ligação com Carlos Bebeto, parceiro paulistano que estão juntos há algum tempo em parcerias. “O Bebeto mora no Rio é professor e mora no Rio há oito anos, mas ele está todo final de semana em São Paulo. Está todo final de semana aqui. Ele é meu parceiro, já fomos tricampeões na Curicica. Daí nos juntamos para destrinchar o samba e definir o caminho de melodia que a gente iria seguir. Depois fizemos duas reuniões e nasceu o samba de todo amor, carinho, gratidão e respeito que eu tenho por ifá”, acrescentou.
O vencedor da obra também comentou de a comunidade ter cantado forte na apresentação. “Quando vem do coração é mais bonito. A gente não fez com a pretensão de ser o melhor do Carnaval, mas sim de ser a melhor e maior homenagem para Ifá”, finalizou.
Papel de um intérprete
Para Hudson Luiz, novo intérprete oficial da agremiação, o samba escolhido mexe bastante com o emocional e espiritual, além de ter sido muito democrático o processo de votação. A decisão da comunidade foi importante para tornar tal parceria vencedora. “Primeiramente eu queria agradecer todos os compositores. Foram sambas maravilhosos e a gente teve um trabalho árduo, porque é difícil escolher apenas um entre tantos bons. Esse samba mexeu muito com o sentimento dos nossos diretores e alas. Em seguida a gente só teve a confirmação espiritual e graças a Deus foi escolhido. Temos que deixar bem claro que não foi uma decisão de apenas uma pessoa. Foi a escola que escolheu. Na sexta-feira nós fizemos uma apresentação e eu pude cantar os sambas e pudemos ver o que a comunidade queria. Eu me sinto honrado por poder cantar esse samba. Vai empurrar o Tucuruvi para esse sonho de conquistar o título do Carnaval paulistano de 2024. Deixo aqui minha gratidão ao Rodrigo Delduque por dar essa oportunidade de eu ser a voz oficial dessa escola”, declarou.
Uma pergunta que deve ser corriqueira é sobre a questão da relação do samba vencedor com a elaboração do novo critério de julgamento, onde o carro de som será julgado. Porém, o cantor declarou que é uma coisa normal, visto que ele é oriundo do Carnaval do Rio de Janeiro e já acontece isso. “Não é uma coisa que me assusta. Eu venho do Carnaval do Rio de Janeiro e isso é feito há muitos anos. Não é uma novidade para mim. Mas eu acho maravilhoso esse julgamento para o time musical, afinal nós trabalhamos muito durante meses junto a todos os quesitos que levam nota. Acho que essa mudança vai fazer valer um pouco mais da representatividade da ala musical no Carnaval. Eu fico muito feliz de estar presente no primeiro Carnaval de São Paulo onde o carro de som será julgado”, completou.
Bateria com paciência
O diretor de bateria, mestre Serginho, comentou sobre a final e disse estar satisfeito com esse sistema de escolha. “Cinco anos que não fazia nada. Eram cinco para mais. A última vez foi em 2017, de verdade, para geral, da própria equipe que está na escola é a primeira eliminatória. Time de palco, bateria, próprio casal que não era o mesmo, direção de harmonia. A partir do momento que você abre a disputa são novos elementos que irão chegar. Não é mais a história do samba fechado. Vários sambas que tinham, podia levar, ser campeão. E é você olhar, e falar ‘esse samba aqui tivesse feito uma parada fechada, ele ganharia’. E se tivessem feito mesmo esquema, tinham vários sambas que era a cara de que fosse fechado, tranquilo, samba bom. Mas o samba que foi escolhido, foge um pouquinho de tudo isso. É um samba que vai dar mais trabalho para todo mundo, direção de harmonia vai ficar maluca, vai ter que ensaiar sem parar, vai ter dias específicos. Para nós da bateria o mesmo esquema, vamos virar a chavinha. Tem algumas coisas que já trabalhamos ultimamente, mas tem outras que vamos ter que trabalhar em cima do enredo. Para nós, a bateria reduzida, para pelo menos escutar o samba, recebe intérpretes novos na escola, tem cara que nunca veio. A parceria que ganhou é totalmente carioca, jamais pensaram que chegariam aqui e iriam ganhar em um samba de ‘Ifá’”, afirmou.
Para o músico, o samba vencedor era o preferido dele, mas perguntado sobre ritmo e bossas, ponderou que é preciso trabalhar com calma, apesar de já ter pensado em algumas situações. “Já tinha meu votinho lá em cima né? Sempre tem, eu sei que tem um peso, pode ser que tenha (um peso dois). Mas eu falei para eles na reunião que tivemos na quinta-feira, falei: ‘vamos escolher o samba, depois vamos fazer tudo com muita calma. Acho que precisa ter tudo pensado, um enredo diferente, intérprete diferente, então a bateria tem que fazer um tratamento diferente. Até conversei com direção de harmonia, não vamos colocar para frente não. Falaram ‘po, mas de manhã e tals’, falei para vermos. Mas em questão de bossa tem umas loucuras aí, mas precisa ir na calma, tudo tem que ser pensado, a partir de terça-feira, amanhã não quero saber disso, é dia de ficar de boa, entrega na mão do pessoal do tamborim, chocalho, e depois que fizerem tudo. Claro que vai ter uma bossa da nota, que o povo fala, uma de efeito e uma de enredo, isso é óbvio. Tem uma loucura aí, não sei se a direção vai aprovar, mas daqui até lá, vamos entrar na mente, mas tem um baratinho que certeza se aprovarem, a Tucuruvi vai falar bastante”, declarou.
Preparação do bailado
O casal de mestre-sala e porta-bandeira, Luan Caliel e Waleska Gomes, ficou bastante feliz com a escolha do samba-enredo. Para a dançarina, a final mexe muito com o emocional dela, pois lembra todo o ciclo antigo e o que está por vir. “Eu gostei muito. É muito difícil a gente ser quesito porque tem que ficar em cima do muro. Nós temos muitos amigos compositores. Mas durante as reuniões da semana conversando com a nossa diretoria, deu para ver que a escola abraçou e a gente ficou muito feliz. Eu acredito que a final de samba-enredo é o começo de uma nova história minha e do Luan. É uma noite especial, fico bem emotiva, lembro tudo do que a gente passou e zerou. Estamos preparados para dar prosseguimento ao Carnaval 2024”, comentou a porta-bandeira.
“Quando eu ouvi esse samba já me identifiquei muito. Eu acho que é diferente do que a escola vem apresentando nos últimos anos. É uma pegada do Rio de Janeiro, foi o Macaco Branco que fez. Agora é uma nova história tanto para o Tucuruvi quanto para nós. Uma nova página que, se Deus quiser, vamos trazer esse título”, declarou o mestre-sala.
Sempre quando um samba é escolhido, imagina-se que um casal começa a se preparar ainda mais dentro da melodia que ele proporciona, mas o ritmo de Luan e Waleska é diferente. De acordo com a porta-bandeira, tudo está pronto, pois o julgamento de São Paulo não exige a participação da obra dentro do bailado. “Vou falar que está tudo pronto antes do samba. Nosso julgamento aqui não é igual no Rio que exige que seja em cima do samba. Se tiver mudo, a gente vai cumprir com o que o manual pede, mas o que é gostoso agora é que dá para gente brincar os meio-tempo de cabine, tipo monumental, arquibancada e podemos criar coisa para respiro”, explicou.
“Aqui é bem difícil fazer essa entrada porque envolve vários fatores, vários quesitos. A gente começa a fazer nossa coreografia um pouco antes e encaixa dentro do nosso circuito. Esse ano temos uma coreografia dentro do samba e vamos ver se o pessoal vai gostar”, finalizou o mestre-sala.
Samba de forte energia
Um dos carnavalescos da escola, Yago Duarte, elogiou os sambas que estavam na final e disse que todos cumpriam o que o enredo pedia e estava dentro da sinopse e, para o artista, a obra campeã traz a melhor energia possível para a agremiação. “Os finalistas passavam bem o que estava dentro da sinopse. Eram sambas fortes, muito bons e a gente fica honrado em ter parceria renomadas aqui no Tucuruvi. Realmente falar de ifá e ter essa sensibilidade de estudar a sinopse e conseguir passar uma mensagem de verdade é impagável para gente. Sobre o samba que venceu, ele traz uma energia diferente. Desde o início, quando chegou esse tema, a gente sempre falou muito de energia, ancestralidade, matriz africana, energias de Exu, do oráculo ofá e Orunmilá. Tenho certeza que a comunidade ficou muito feliz. Nós vimos a resposta na hora do anúncio. É um samba que fala muito bem de Exú e Orumilá, sobre a luta do racismo religioso. Estou muito feliz e acho que a escola acertou mais uma vez. Vamos seguir com muito foco e agora é dar início aos ensaios”, comentou.
Liderança seguindo outro caminho
O vice-presidente e diretor de carnaval, Rodrigo Delduque, falou sobre a dificuldade de chegar a um resultado final e a volta das eliminatórias na agremiação. Segundo Delduque, a diretoria teve papel fundamental para que a disputa fosse acirrada. “Foi uma missão difícil, porque tivemos 16 obras totalmente dentro do que os nossos carnavalescos haviam pedido. Então fomos eliminando ponto a ponto até chegar no samba escolhido desta noite. Eu gostaria de parabenizar todas as parcerias que se dedicaram. Eu cresci no Tucuruvi vivendo um ar de discórdia. Era sempre gosto pessoal e nós quando decidimos fazer essa disputa de samba-enredo, pontuamos que seria tudo em prol do pavilhão. Graças a Deus toda a direção e parte técnica contribuíram para que fosse uma disputa árdua, difícil, mas satisfatória”, explicou.
É um samba que trabalha com muitas palavras no dialeto africano. Devido a isso, muitas pessoas automaticamente associam a dificuldade e a dúvida se a comunidade vai cantar de forma satisfatória. Para Rodrigo, esse desafio é o que o Tucuruvi busca no momento. “O que eu mais escutei é que era um samba bem difícil, mas o que eu mais bati perante a comunidade e ao presidente, é que justamente o difícil é que nós buscamos. A gente busca sair dessa zona de conforto, daquela característica do que é o Tucuruvi e seguir uma linha diferente”, opinou.
“Ifá” é o enredo do Acadêmicos do Tucuruvi para 2024, fechando o Grupo Especial do Carnaval paulistano. Veja abaixo mais fotos da final.