Por Guilherme Ayupp. Fotos: Allan Duffes e Magaiver Fernandes
A União da Ilha do Governador deixou a Marquês de Sapucaí nos braços do povo depois de um desfile absolutamente arrebatador. Com a melhor apresentação desde a última vez que voltou às Campeãs, em 2014, a escola arrepiou o Sambódromo com a comissão de frente, que trazia o Padre Cícero voando. O trabalho de plástico de Severo Luzardo foi o melhor de sua carreira no Grupo Especial. Com tantas virtudes a escola, antes apontada como candidata ao rebaixamento, agora pode sonhar com uma vaga no Sábado das Campeãs. A Ilha concluiu seu desfile em 73 minutos e apresentou o enredo ‘A peleja poética de Rachel e Alencar no avarandado do céu’.
Comissão de Frente
A União da Ilha do Governador abriu seu desfile transformando a Marquês de Sapucaí em um rio cearense onde vai desaguava o verdadeiro “milagre da fé”. Romeiros, pescadores e sertanejos – personagens retratados tanto por José de Alencar como por Rachel de Queiroz em sua vasta obra literária – fizeram um cortejo na avenida em procissão.
Todos clamavam por uma salvação dos céus. Ao ver a tristeza de sua gente sofrida e guerreira, o milagreiro Padim Ciço chegava à Marquês de Sapucaí, concedendo sua bênção e promovendo verdadeiros milagres. A água voltou a banhar o solo rachado do sertão. Surgiram flores, borboletas e pássaros que coloriram com matiz a aridez do sertão. O milagre fez renovar a fé. A arrebatadora apresentação viveu seu ápice quando integrante vivendo o padre levanta voo na avenida. Sem dúvida a comissão mais aplaudida da avenida.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
A fantasia do casal remetia a uma das histórias mais emblemáticas de Jericoacoara, paraíso litorâneo cearense e uma das paisagens desenhadas nas “telas de reminiscências” de José de Alencar descritas no livro “O nosso cancioneiro”. A vestimenta do casal reproduziu a lenda da Princesa Encantada de Jericoacoara. Dandara Ventapane vestiu o figurino que aproximava sua imagem à iconografia da donzela metade mulher, metade serpente. Phelipe Lemos, um príncipe medieval que remetia à própria história de Jericoacoara.A apresentação da dupla foi arrebatadora, carregada de garra e um entrosamento que os coloca entre os melhores casais do Grupo Especial. Phelipe deslizou pela pista, acompanhando uma Dandara estonteante, sempre com o sorriso no rosto. Uma atuação de almanaque.
Harmonia
Desempenho muito bom da União da Ilha no quesito. Mesmo com fantasias grandes e volumosas a escola cantou forte o samba, do início ao fim. No trecho final do desfile o cansaço não abateu ninguém e o canto se mantinha forte como no início do desfile.
Samba-Enredo
O bom rendimento do samba deve-se a mais uma segura condução de Ito Melodia, o maior intérprete da história da União da Ilha. O samba derreteu as críticas sofridas servindo com perfeição no impulsionamento do desfile.
Evolução
Quesito que vem sendo um calcanhar de aquiles para a Ilha, a evolução novamente pode ser punida. No primeiro módulo de julgamento, enquanto a bateria se apresentava, a ala da frente seguiu pela avenida abrindo um buraco.
Mas o quesito não enfrentou outros problemas graves. As alas passaram soltas. A movimentação de entrada no recuo foi perfeita, com os passistas passando por dentro da bateria. A escola conseguiu finalizar seu desfile dois minutos abaixo do tempo máximo permitido.
Enredo
A Ilha iniciou a contagem do enredo em um setor com lendas e mistérios do Ceará, com as apresentações de casal e comissão de frente. Além de arrebatadoras, as apresentações tiveram uma leitura para o público compreender. No segundo setor, Severo Luzardo trouxe os aspectos da culinária cearense, com alas muito bem claras. A terceira parte do desfile trazia as festas populares do estado. No quarto setor as belezas naturais do estado e na finalização do desfile a moda cearense e a mensagem de que as novas tecnologias podem caminhar ao lado da modernidade. Setores muito bem defendidos e um enredo de fácil assimilação.
Fantasias
Severo Luzardo desfilou muito bom gosto com um conjunto muito bem feito. O carnavalesco da União da Ilha tem uma grande experiência como figurinista de TV e isso certamente o ajuda bastante na hora de construir os figurinos. As roupas tinham detalhes de muita beleza e ao mesmo temo uma leitura simples para a compreensão do enredo.
Alegorias
O conjunto não foi irregular como costuma acontecer, com o abre-alas imponente e os demais carros mal feitos. A primeira alegoria da Ilha trazia palhas da Carnaúba e uma escultura enorme de um dragão no topo do carro. Outra alegoria em destaque foi a quarta, que trazia um enorme fóssil, em alusão ao sítio arqueológico do sertão do Cariri. O conjunto se encerrou com um carro que trazia o lirismo de uma rendeira e a energia eólica, que fazia girar as rendas preparadas por ela.
Outros destaques
A passagem da Ilha levantou a Sapucaí e a escola deixou a avenida ovacionada pelo público. A bateria, na estreia dos mestres Keko e Marcelo, fez uma paradinha ousada, interrompendo os demais naipes para exibir ritmistas à frente tocando triângulo. A apoteótica exibição da comissão de frente ficará para a memória eterna dos desfiles da escola. As baianas devem disputar os principais prêmios do carnaval, pois era lindíssima.