
Dentre os grupos organizados pela Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo (Liga-SP), a Dom Bosco foi a quinta escola a escolher o samba-enredo para 2026. A agremiação, entretanto, foi a primeira a fazer um concurso para saber qual canção levará ao Anhembi – no caso, para embalar o desfile de “Mariama, Mãe de todas as raças, Mãe de todas as cores, Mãe de todos os cantos da terra”. A parceria vencedora é composta por Gui Cruz, Darlan Alves, Portuga, Imperial, Douglas Chocolate, Marcos Mala, Luciano Rosa, Gabriel, Reinaldo Marques e Willian Tadeu. Presente no evento que coroou por aclamação o samba-enredo da agremiação, no Circo Social Dom Bosco, em Itaquera, na Zona Leste de São Paulo, o CARNAVALESCO entrevistou uma série de figuras importantes para a agremiação.
Os três sambas-enredo finalistas foram executados na sequência. Primeiro, o samba 04, composto por Luiz Magrego, Fernando Negão, Rubinho e Marquinho. Depois, o 06, de autoria de Turko, Silas Augusto, Rafa do Cavaco e Fábio Souza. Os presentes reagiram com simpatia às duas obras; mas, quando o 08 (que se sagraria vencedor) foi anunciado, a quadra do Circo Social Dom Bosco fez muito barulho.
Enquanto os votos eram computados, a agremiação realizou uma procissão em louvor à Mariama, homenageada no enredo. Ao som de “Negra Mariama”, da Pastoral Afro, a escola inteira seguiu o cortejo. E, na hora do anúncio, todos os presentes urraram de alegria.
Palavra dos vencedores
Escola mais sui generis do carnaval paulistano (quiçá do Brasil) por ser fruto de uma obra salesiana em um ambiente muito ligado à cultura afro, é compreensível que escrever um samba-enredo para a Dom Bosco cause um sentimento diferente para um autor. Nada, entretanto, que tenha assustado a parceria.
Gui Cruz revelou-se, inclusive, muito ligado à homenageada: “Não teve muita diferença porque a nossa parceria deixou a inspiração correr. Na linha do samba que a gente foi produzindo, falamos que estava ficando como uma oração para Nossa Senhora Aparecida. Eu sou devoto de Nossa Senhora Aparecida, não tem um dia na minha vida, desde que eu entendo por gente, que eu não penso nela antes de dormir e quando eu acordo”, destacou.
Ele também pontuou a sensação de vencer a disputa: “Sem dúvida nenhuma, é uma emoção muito grande ficar eternizado com essa obra que vai contar essa belíssima história que o Fábio Gouveia trouxe para a Dom Bosco. É legal ver como a escola se envolveu com ele e conseguiu mudar a chavinha de um carnaval para o outro, todo mundo foi junto com o carnavalesco”, afirmou, elogiando o carnavalesco da Dom Bosco.
O vencedor do Destaques do Ano (organizado e concedido pelo CARNAVALESCO) de2025 na categoria “Influenciador” aproveitou para, inclusive, relembrar a história da agremiação e fazer referências fora da folia de Momo: “A Dom Bosco tem um samba lindo sobre Rosas Negras, de 2008, que é um samba muito bonito – que eles cantaram hoje, inclusive. Que esse samba possa entrar para a história da escola – e, quem sabe, levar a escola para o tão sonhado Grupo Especial. É muito especial falar de Nossa Senhora Aparecida, de Mariama, Missa dos Quilombos, Milton Nascimento. É muita coisa, esse enredo é muita coisa. E, graças a Deus, a escola escolheu o nosso samba. Tomara que o samba seja muita coisa, também”, afirmou.
Gabriel, também da parceria campeã, deu detalhes sobre as reuniões dos compositores: “Não, não foi complicado. A coisa foi fluindo muito rápido. Em dois ou três encontros a gente conseguiu terminar o samba. Gravamos muito rápido e aí foi embora, gravamos dessa maneira. Quando a inspiração fluiu na rapaziada, foi embora”, afirmou.
Atalho cultural
Uma referência que foi adiantada pelo próprio carnavalesco no lançamento do enredo da Dom Bosco para 2026 foi muito utilizada pela parceria de acordo com Imperial, outro campeão: “Tem um grande pulo do gato nisso tudo, que é o que faz a junção da sinopse proposta pela escola com a obra que a gente fez: a própria obra musical do Missa dos Quilombos, que é a obra norteadora disso tudo. Aquele clima que eles conseguiram criar lá em 1981, a gente consegue reportar em vários momentos do samba – tanto em letra quanto em melodia”, refletiu.
O mesmo compositor comemorou a temática da agremiação itaquerense: “É muito interessante porque, ainda que seja uma escola católica, toda escola de samba tem sua fundamentação negra. A escola de samba é de raízes pretas. Isso surge, de alguma forma, com essa Mariama de todos os povos, todos os andores e todos os tambores”, comentou.
Aprovação instantânea
Outros ouvidos pela reportagem mostraram-se contentes não apenas com a escolha do samba-enredo, mas com toda a safra que a agremiação teve. Aramis Francisco Biaggi, padre que atua como vice-presidente da escola de samba e diretor-tesoureiro da Obra Social, foi um deles: “É importante a gente ter escutado e participado das onze seminárias apresentadas para, depois, ficarem três finalistas. Essas três estão muito bem concisas, e a obra escolhida engloba todas as características que gostaríamos na nossa canção. É interessante que o conteúdo delas venha ao encontro daquilo que é o tema do qual nós estamos trabalhando, Mariama. E a preocupação dos que apresentaram sambas é colocar a experiência de Maria, a Nossa Senhora Aparecida, que é a padroeira do Brasil – e que faz parte com Dom Helder Câmara e Milton Nascimento, que fizeram a Missa Mariana. Isso vem para coroar o samba que nós estamos apresentando”, destacou.

Rodrigo Xará, intérprete que cantará a obra a partir de agora, também gostou do que será executado por ele próprio: “A gente está muito feliz, a gente tem um enredo muito forte, muito bonito. É um trabalho fantástico do Fábio Gouveia de pesquisa e de sinopse. Os compositores todos elogiaram, então acho que, por isso, a gente teve uma safra muito boa. De todos que eu falei anteriormente, cada um falou um samba-enredo diferente. Mas, quando a gente apresentou o vencedor, eu tive certeza que a galera bateu bem o martelo”, analisou.

Autor do enredo, o carnavalesco Fábio Gouveia seguiu a mesma linha: “Eu fiquei muito feliz com a safra em geral e com o vencedor em especial. O ano passado eu já havia ficado muito feliz com a safra. Não era o samba que eu desejava para a final, mas fluiu bem. A gente tem um trabalho de abraçar e querer fazer o samba – e a gente fez acontecer. Para esse ano, para a minha felicidade, quem teve acesso ao regulamento pôde ler que eu não queria tirar dúvida de compositores: eu queria que eles olhassem a sinopse, aquela poesia, e entregasse para a gente o melhor dele. Foi isso que eu fiz. Essa safra foi, dos últimos anos do profissional Fábio Gouveia, a melhor de todas”, exaltou.

Sem dúvidas?
Chamou atenção a declaração de que Fábio não queria tirar dúvidas. Ele mesmo explicou: “Nós não temos problema em relação às letras. Nós fizemos um processo muito diferente dos últimos carnavais. Na verdade, a minha intenção era dar o título do enredo e jogar na mão do compositor e ele nos entregar uma obra sem sinopse, inclusive. Nós entregamos uma sinopse muito bem construída – e eu tenho uma pessoa que está me ajudando muito, o Jaime Branco, que está me ajudando na pesquisa. Nós fomos atrás e os compositores corresponderam: tivemos 26 inscrições e 12 sambas efetivos”, iniciou.
Ele foi mais enfático na sequência: “Disse que eu não queria mexer e nem corrigir na obra de vocês, disse que o que eu precisava é de um grande samba. A Dom Bosco precisa – e eles entenderam isso. Quando vieram as obras, foi a maior surpresa: até então, eu só tinha visto letras. Quando eu recebo a justificativa de cada samba-enredo, aí a gente entende que a Dom Bosco fez o caminho certo para escolher o melhor samba”, refletiu.
Enredo especial
Padre tal qual Rosalvino Morán Vinãyo, grande mentor não apenas da escola de samba como também da Obra Social Dom Bosco, Aramis revelou quão especial é ter Mariama como temática em um desfile de escola de samba: “Esse ponto é muito interessante. Quando o carnavalesco apresentou o tema para nós, o padre Rosalvino, de modo especial, ficou muito feliz: ele é muito devoto de Nossa Senhora Aparecida, que salvou-lhe muitas vezes”, relembrou.
Não foi apenas o grande mentor da obra que gostou da temática: “Para todos nós, veio em conta essa emoção profunda de saber o tema – e, depois, os sambas que vieram refletir sobre a importância de Maria de Nossa Senhora Aparecida para o povo brasileiro. Em especial para o nosso povo de Itaquera, a nossa escola de samba. Dom Bosco tem uma devoção muito grande à Nossa Senhora”, explicou.
Vale lembrar que João Melchior Bosco, o Dom Bosco original, fundador da ordem salesiana da igreja católica apostólica romana no século XIX, era devoto de Maria Auxiliadora – e vem de tal característica a fala de Aramis.
De olho no futuro
É natural que sambas-enredo sofram alterações para se adequar ao enredo ou também para encaixar ritmo e melodia às características e ao time da escola. Tudo, entretanto, é muito conversado, de acordo com Xará: “Aqui, todas as decisões são colegiadas – principalmente entre mim e o mestre Bola em relação à parte musical. Agora, tem o Márcio Telles de volta na Harmonia e ele sabe o jeitinho da Dom Bosco. Estamos aqui há cinco anos, a gente sempre faz uma adequação para com a cara da escola. Mas o samba está muito bom. Se tiver qualquer alteração, vai ser algo mínimo, mesmo. Coisinha simples”, tranquilizou.
Conhecido por sempre vir fantasiado ao desfile, o intérprete destacou que conta com a ajuda do carnavalesco da instituição: “Já tem alguma coisa! Para esse ano, o Fábio me ajudou. Foi o Fábio quem me vestiu ano passado e ele já tem algumas ideias para esse ano. Já tem uma ideia, ela já gostou e vocês vão gostar, também. Vamos ver dentro do enredo. Vai ser, claro, respeitoso, vai ser uma coisa mais bonita – mas vai ser algo caracterizado”, brincou.
Parte(s) favorita(s)
Dos três compositores ouvidos pela reportagem, dois trechos foram citados como os favoritos. Sucinto, Imperial cravou: “Eu gosto do refrão do meio!”, exclamou.
Gabriel também foi direto: “A minha parte favorita é ‘milhões de altares e andores se unem aos tambores, é o jeito do samba rezar’”, comentou.
Por fim, Gui Cruz juntou as duas partes citadas anteriormente: “Eu gosto do refrão do meio, mas eu gosto muito da finalização indo para o refrão: ‘É o jeito do samba rezar’. A Dom Bosco tem muito disso, ‘vai pensando que a gente só reza’ e etc. Esse vai ser o jeito que a Dom Bosco vai rezar nesse carnaval de 2026: com samba”, finalizou.
Show e macarrão
O evento teve início às 13h e não era, unicamente, para escolher o samba-enredo da Dom Bosco para 2026. Para comemorar, a comunidade inteira se uniu na Macarronada do Padre, com o prato tipicamente italiano sendo servido com diversos molhos para se optar. Quem degustava a iguaria também curtiu dois shows, das bandas Preto Remanso e Quintal da Xika.
O show da agremiação começou logo na sequência – e contou com novidades. Foi, sobretudo, o primeiro evento de Márcio Telles, novo diretor de Harmonia da agremiação, no retorno dele à escola – em 2008, ele foi o coreógrafo da comissão de frente do marcante desfile “Brasil, Um Jardim de Rosas Negras”. O novo quadro de destaques de chão também foi apresentado à comunidade.