Como é tradicional, a Unidos de São Lucas realizou a final de samba-enredo da agremiação no Arraiá da São Lucas, com presença da comunidade da Zona Leste de São Paulo. Não foi a única semelhança com outros tantos eventos da agremiação em anos anteriores, por sinal. A safra da escola, mais uma vez elogiada no universo do samba paulistano, coroou, pela segunda vez seguida, a composição de Bruno Leite e Ricardinho Olaria – os compositores assinaram a obra que embalará o desfile de “Meu Tambor É Ancestral – Heranças e Riquezas de Um Povo… Um Brasil de Festas Pretas”, assinado pelo carnavalesco Anselmo Brito. Presente no Arraiá da São Lucas, o CARNAVALESCO entrevistou uma série de nomes importantes para o projeto da agremiação e traz tudo para você.

Mais que samba
Iniciado às 18h, o Arraiá da São Lucas teve tudo que uma festa julina merece: barracas de doces (própria reportagem experimentou um doce à base de amendoim) e salgados, bebidas típicas, bandeirinhas e até mesmo música sertaneja. Conforme a noite avançava, a comunidade chegava com mais peso à tradicional quadra, localizada na rua Carminha, Zona Leste de São Paulo.
A partir do momento que a bateria começou a tocar, por volta das 21h30, entretanto, ouviu-se apenas sambas-enredo – que deram o tom dali em diante. Foram relembrados grandes sambas da história da agremiação e, após a execução também de alusivos da Unidos de São Lucas, foram iniciadas as apresentações dos quatro finalistas do concurso para definição da execução da música que embalará o desfile de 2026.
Os primeiros dois sambas a se apresentar (os de número 13 e 07, respectivamente), apostaram na força do palco, sem a presença das tradicionais torcidas com bandeiras e afins. Os dois últimos (pela ordem: 04 e 05) tinham pessoas da comunidade com tais artifícios. Todos os intérpretes e compositores, entretanto, buscavam ganhar a simpatia da comunidade e tentavam interagir com o chão da agremiação – que, inclusive, recebeu com simpatia as quatro obras.
Antes do anúncio do vencedor, os intérpretes que estavam presentes na quadra executaram grandes obras das escolas que atualmente defendem e/ou que tiveram alguma relação anteriormente. A comunidade, porém, extravasou no anúncio da obra escolhida.
Bicampeonato de crias da casa
Autores do elogiadíssimo samba-enredo que embalou “Ijexá” em 2025, Bruno Leite e Ricardinho Olaria venceram pelo segundo ano consecutivo na agremiação que é do bairro em que ambos foram criados. A enxuta parceria (que, na realidade, é uma dupla) tem um segredo para, novamente, sagrar-se campeã do concurso: a forte interação entre ambos: “A gente tem uma parceria de longa data – e não é só de carnaval. A gente escreve samba de meio de ano também, a gente tem um trabalho no Spotify de músicas nossas. Isso alavancou a gente a continuar fazendo nossos trabalhos de samba-enredo. O que ajuda a gente enquanto dupla é termos uma conexão. A gente gosta de se juntar”, declarou Ricardinho.
Ele próprio destacou que o processo de composição da obra lembra a dos antigos partideiros do samba: “A gente se junta para escrever o samba e a nossa decisão é rápida: eu canto um refrão, ele canta outro refrão, a gente bate qual ficou melhor e já vamos para a próxima. A gente já vai para a próxima saída, depois para o refrão do meio e assim vai. A gente tem uma conexão que ajuda muito para o final da obra acontecer”, comentou.
A identificação com a agremiação foi citada por Bruno: “Para a gente é uma honra estar aqui mais um ano, defendendo a nossa escola, nosso pavilhão. A gente passou bem com o samba nesse ano corrente aqui, a comunidade ficou feliz com o samba. O resultado talvez não tenha agradado tanto, a gente sabe que é um grupo competitivo – e, infelizmente, a São Lucas acabou descendo”, lamentou, relembrando o resultado da escola no Grupo de Acesso I em 2025.
Ricardinho também passou pelo fato de ser morador do Parque São Lucas ao falar do enredo da agremiação para 2026: “O tema da São Lucas desse ano agradou muito, com tema afro, falar de ancestralidade, da nossa cultura quilombola, coisa de preto. Ajudou bastante para a gente poder escrever. E a gente é da comunidade: o Bruno mora aqui, eu moro na rua de baixo. Essa conexão com o povo da São Lucas é maravilhosa”, comemorou.
Comparação inevitável
Quando uma conquista acontece pela segunda vez consecutiva, é natural que comparações surjam entre os dois triunfos. Bruno Leite destacou que o samba-enredo de 2026 é bem diferente de Ijexá: Saiu bastante assim da estética do samba do ano passado. É um samba novo, uma proposta diferente. O enredo, apesar de ter uma conexão com Ijexá, também tem uma proposta diferente. A gente achou por bem não trazer nada do samba do ano passado – e a gente foi feliz no resultado. Trouxemos um samba com outra estética para esse ano”, pontuou.
Prova da conexão
Quando a reportagem pediu para que cada compositor falasse qual a parte favorita de cada um deles no samba-enredo, ambos escolheram o mesmo: “Minha parte favorita da obra é o refrão de cabeça: ‘é coisa de preto, quilombola/o som do batuque, o corpo de mola’. Esse é o ato de resistência do povo preto. Batucar e mexer o corpo do jeito que a gente sabe mexer”, explicou.
Ricardinho Olaria, entretanto, gosta de tal parte na composição por outro motivo: “O meu também é o refrão de cabeça, e eu gosto de citar, também, a ligação com a escola: ‘vem curimbar, São Lucas chegou/se liga no rufar do meu tambor’”, cantou.
Por falar em enredo…
A temática da Unidos de São Lucas para 2026 foi muito elogiada por uma série de nomes importantes na agremiação. Bruno Leite foi um deles: “Para levar a escola de volta para o Grupo de Acesso I e, depois, para o Grupo Especial (que é o lugar onde ela merece estar), a gente se dedicou bastante para escrever esse samba. A gente leu bastante a sinopse, fez uma pesquisa adicional. A primeira inspiração que vem é sempre inspirada num samba antológico, num samba anterior que a gente tenha feito. Mas a gente procurou olhar para esse tema com todo o carinho, tentando criar as divisões melódicas de acordo com o que o tema pedia”, afirmou o compositor.
Outras pessoas importantes da instituição, entretanto, elogiaram “Meu Tambor É Ancestral – Heranças e Riquezas de Um Povo… Um Brasil de Festas Pretas”, enredo da Unidos de São Lucas para 2026. Tuca Maia, intérprete da agremiação, foi um deles: “A expectativa era muito grande. Mais um ano e mais um tema muito bom! A primeira coisa que a escola tem que acertar é o tema, e nós acertamos nisso, graças a Deus. E, hoje, tivemos quatro grandes sambas na final, com um grande vencedor. A escola está muito feliz e estamos na expectativa para ver o que vai rolar ao longo do restante desse ciclo carnavalesco. Foi uma grande final, com certeza”, comentou, aproveitando para elogiar os finalistas do concurso.
Anselmo Brito, carnavalesco da instituição, também fez elogios à temática: “Eu posso dizer para você que vai ser um grande desfile, à altura do que a escola merece e do que a escola já vem apresentando. Tenho certeza que quem estiver no Anhembi para ver o nosso desfile vai se encantar. A história é fantástica! A amarração é maravilhosa, é uma escola que vai viajar por esse Brasil através do tambor. Nada pode ser melhor do que isso. É um enredo totalmente cultural, é um enredo que fala sobre ancestralidade. Esse tambor sai lá da África, vai viajar todo o Brasil, todas as regiões do Brasil, de Norte a Sul, Leste a Oeste. Imagina a riqueza disso: levar o Brasil e a nossa cultura – que é riquíssima”, destacou.
O carnavalesco, porém, destacou que o mérito é da comunidade, e não exclusivamente dele: “Mais que falar do enredo ou da sinopse, é importante falar que é um trabalho feito em conjunto. Esse enredo foi feito com muito carinho e eu tive a colaboração do presidente, do meu diretor de carnaval, do diretor de Harmonia… houve o envolvimento da escola toda”, refletiu.
Principal nome da escola, Adriano Freitas, popularmente conhecido como Nanão, presidente da instituição, também mostrou muita simpatia ao enredo: “A gente vem trabalhando nesses últimos quatro anos com a essência do carnaval: exaltar a ancestralidade. É o que eu costumo dizer, eu bato sempre na mesma tecla. Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que nós trouxemos enredos afros muito bons, que tiveram uma aceitação muito boa da comunidade e dos compositores. Eu não tenho do que reclamar”, comemorou.
Elogios gerais
Como não poderia deixar de ser, o samba-enredo campeão foi elogiado por todos os ouvidos pela reportagem. Eles, entretanto, não foram os únicos elogiados. Everton Coelho, diretor de carnaval da Unidos de São Lucas, foi um deles: “Mais um ano de arraial e festa julina, o pessoal das alas se imbuiu juntamente com a comunidade para fazer uma festa gostosa. Em relação ao samba, nós tínhamos quatro opções bacanas e fortes, mas foi um voto da comunidade para escolher o vencedor, do Bruno Leite e do Ricardinho Olaria. Só um baita samba poderia vencer esse concurso, já que nós tínhamos aquele refrão do meio maravilhosa do samba 07, o contexto muito bom do samba 05 (da parceria do Xandinho Nocera) e toda a construção do samba 13. O campeão vem na mesma linhagem do ano passado. Vamos para cima!”, destacou, aproveitando para exaltar o evento como um todo.
Nanão foi além: “São sambas que, se eu pudesse desfilar três ou quatro dias e passar com cada um deles na avenida, eu passaria. Em disputas assim, entretanto, um ganha e os outros não. O que saiu vencedor, entretanto, foi o melhor para a escola. A comunidade vai cantar com toda a garra e com todo o carinho. A gente vai agradecer muito àqueles que vieram, deram a canetada e ajudaram a escola”, exaltou.
Anselmo foi na mesma linha: “Com certeza, gostei muito do samba escolhido! Estou feliz, a escola está feliz e a nossa comunidade está feliz porque fizemos a escolha de um samba extremamente técnico, um samba muito alegre e de um trabalho já continuado da escola, que vem dando resultado. É aquela coisa: em time que está ganhando não se mexe”, destacou.
O carnavalesco, entretanto, aproveitou para falar sobre a safra da escola como um todo: “O bom é que, aqui na São Lucas, todo mundo participa, todo mundo ajuda a construir a história. O resultado são tantos bons sambas, porque realmente todos os sambas que estavam na final foram merecedores e tinham condições também de ser o hino da escola. A gente fica muito feliz agora”, destacou.
Afago de peso
Sinônimo de Unidos de São Lucas, Vânia Cordeiro, histórica intérprete da agremiação (com destaque para os anos de 2001 e 2002, anos em que a agremiação desfilou no Grupo Especial), apareceu de supetão enquanto a reportagem entrevistava a dupla de compositores campeã. E as palavras não poderiam ser mais elogiosas: “Essas crianças aqui… eles são demais! Eu ia falar um palavrão, mas como é entrevista eu não vou falar. Sabe o que é ser demais? Eles são. Conheço eles desde que eles eram pequenininhos. Trabalhamos várias vezes juntos. Já cantei composição deles na avenida. Vários! E os meninos são demais. São comunidade mesmo, eles sabem tudo aqui da escola. Criados aqui! Olha, não é por nada não, mas acho que vai ser difícil… se eles continuarem nessa vibe aqui, com essa mão, com essa caneta nervosíssima… não vai ter como não, viu? Vai continuar. O ano de 2027 está logo aí. Minhas crianças são demais!”, previu.
Mudanças?
Mais natural que os elogios ao samba-enredo campeão, apenas as mudanças que a obra sofre ao longo do processo. Everton foi bem detalhista a respeito da composição: “No ano passado, mesmo com um samba tão elogiado, nós também tivemos algumas mudanças. Nós estamos observando tudo isso. Vai sim ter ajuste, todos os quatro precisariam de ajustes de acordo com a nova forma de julgamento. Nós vamos sentar e verificar. Tem uma parte desse samba que faz uma transposição, que ela dá uma mudança meia brusca, a gente deve equacionar essa questão. Vai ter umas duas ou três mudanças pontuais de letra para encaixe de contexto também, mas foi o samba que menos precisava mexer. Até mesmo pelo sucesso, pela melodia, pelo clima que ele criou aqui hoje na quadra, foi a nossa opção”, pontuou.
O carnavalesco também destacou que já existem questões que a escola está considerando: “Ele está, sim, no contexto de roteiro, como a gente diz, para a defesa do nosso enredo daquilo que nós vamos apresentar artisticamente na avenida. É claro que tem três frases ali que vão ter que ser adequadas, mas a escola está trabalhando para já fazer essas mudanças. São coisas muito pequenas que as pessoas nem vão perceber muito, mas vão estar lá”, tranquilizou.
Daqui em diante
Mesmo com o samba-enredo escolhido, Nanão pontuou que a escola não descansará até o dia do desfile: “Temos nosso cronograma tanto para a quadra quanto para o trabalho em geral. Nós estamos com as nossas alegorias em andamento, elas já estão em construção. Nosso barracão está a mil por hora. As nossas fantasias já saíram, os pilotos já estão em fase de reprodução. A gente espera em breve um bate-papo com a direção e até com a comunidade para fazer uma festa de apresentação desses pilotos. E, agora, a gente está trabalhando para o nosso próximo grande evento, que é o aniversário da escola – e que não tem como passar batido. Mas, em termos de carnaval, está tudo bem, está tudo andando. A gente vai anunciar mais algumas renovações que estão vindo para o nosso carnaval de 2026. A gente não parou de trabalhar e eu acho que não vamos parar e acredito que todas as nossas coirmãs estão nessa forma, trabalhando. O carnaval, agora, não te dá mais aquele tempo de descanso: você termina um ano um projeto e você já tem outro engatilhado para apresentar para o ano seguinte”, finalizou.