A Unidos da Ponte chegou ao minidesfile da Série Ouro, no dia 6 de dezembro, na Cidade do Samba, deixando claro que o Carnaval de 2026 vai ter muito batidão. Com o enredo “Tamborzão: O Rio é Baile! O Poder é Black!”, a escola colocou o funk no centro do “paredão” e mostrou que ele dialoga diretamente com o samba, seja na batida, na energia ou na origem nas comunidades. Entre figurinos a caráter, coreografias na ponta do pé (e nos quadris) e muito entusiasmo, os próprios componentes explicaram por que o funk tem tudo a ver com o som da bateria da Ponte e por que essa mistura promete dar o que falar na Avenida.

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Foto: S1 Comunicação

Muso oficial da Azul e Branca de São João de Meriti, Rodrigo Para-Assú, de 29 anos, supervisor de contrato de atendimento, comemorou a escolha do tema e destacou a força cultural do funk. “Eu gostei bastante, é algo que é bem diferente. A pegada que a escola vem trazendo fala um pouquinho também da nossa cultura, do povo preto, da música popular, do que a gente vê nas comunidades, de onde saem diversos artistas. O funk não é só música com muitas palavras de baixo calão. É cultura, é arte. É de onde vêm diversas pessoas que hoje cantam outros ritmos, mas saíram do funk”, afirmou. Inspirado pelo enredo, Rodrigo contou que seu visual no minidesfile teve como referência um funkeiro. “A pessoa que inspirou o meu look de hoje também é um funkeiro, que é o Bagdá, personagem do cantor Xamã na novela das 9, Três Graças”.

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Muso oficial da Azul e Branca de São João de Meriti, Rodrigo Para-Assú

Na ala da comunidade, Guilherme Ribeiro, de 21 anos, nascido e morador de São João de Meriti, vive apenas o segundo ano desfilando pela escola, mas já demonstra envolvimento profundo com o universo do samba. Trabalhador da área de logística, ele não escondeu a empolgação com a homenagem da escola do coração. “Eu amei, porque uniu as duas paixões, o samba e o funk. Querendo ou não, quem não gosta de funk e samba? Quando juntam os dois, fica melhor ainda, literalmente”, disse o jovem, que resume sua relação com a agremiação e com o Carnaval de forma apaixonada: “Ainda estou iniciando no mundo desse samba, mas vou até mil anos, se deixar. Sou apaixonado por esse mundo”.

A relação entre passado e presente também aparece com Suzy Santos, de 61 anos, moradora de Duque de Caxias, que vai desfilar pela primeira vez na Velha Guarda da Ponte. Com uma trajetória marcada por diferentes funções no Carnaval, de passista a porta-bandeira, ela vê o enredo como uma continuidade histórica. “Eu achei bem interessante. Ele começa falando dos tambores, lá dos primórdios da África, até chegar à nossa batida atual, que virou uma batida universal”, explicou.

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Suzy Santos, de 61 anos, moradora de Duque de Caxias, que vai desfilar pela primeira vez na Velha Guarda da Ponte

Para MC Yasmim, de 19 anos, também moradora de São João de Meriti, o enredo tem um significado ainda mais pessoal. Estreante na Unidos da Ponte e acompanhada da mãe, Janaína Rosa, de 47 anos, auxiliar de serviços gerais, ela enxergou na temática uma oportunidade única. “Me senti muito feliz. Assim que eu soube que o enredo seria funk, eu entrei em contato com a minha mãe e falei: ‘eu acho que vai ser meu momento’. Aí ela falou: ‘filha, se você quer desfilar, vamos nessa!’. Eu já entrei com o coração aberto. Estou muito feliz pela oportunidade. Vai ser muito importante para mim, porque eu sou MC. Será um momento muito emocionante, por ser meu início de carreira”, contou.

Diretora de harmonia da Ponte, Selma Gomes, de 55 anos, moradora de Madureira, também se identificou de imediato com a proposta. “Eu adorei, porque eu era charmeira. Já frequentei muito baile charme na vida. Eu vim para a Ponte este ano justamente para relembrar meu tempo de adolescente”, revelou, mostrando como o enredo também ativa memórias afetivas.

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Diretora de harmonia da Ponte, Selma Gomes

Na comissão de frente, a bailarina Liliana Campos, de 27 anos, moradora de Nova Iguaçu, destacou a força da mistura de ritmos. “Eu achei o máximo a mistura do samba com o funk. Está incrível, vocês vão se surpreender”, garantiu.

Quando o assunto é a relação direta entre o batidão do funk e a bateria de escola de samba, a opinião é praticamente unânime entre os componentes. O muso Rodrigo acredita que a conexão vai além de um único ritmo. “Os dois ritmos se conectam. Aquela energia que a bateria tem, que vai mexendo com a gente, faz com que, de fato, como o funk diz, ‘ninguém vai ficar parado’”.

Guilherme reforça que essa combinação está no DNA da escola. “Total combinação, literalmente. E a Ponte este ano está vindo com tudo para arrasar com esse enredo maravilhoso. O funk está na raiz do povo carioca. É um enredo que está na escola inteira, na comunidade inteira, todo mundo cantando, todo mundo amando, porque a gente literalmente vai vir com tudo”, disse.

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Na ala da comunidade, Guilherme Ribeiro, de 21 anos, nascido e morador de São João de Meriti

Suzy traz uma leitura mais técnica da fusão. “O BPM é exatamente igual ao da bateria da escola. Ambos precisam de evolução, de sincronismo, e isso agrega conhecimento, valores e mexe muito com o corpo. A mistura vai dar samba na avenida”.

MC Yasmim vê essa relação refletida diretamente no samba-enredo. “O que comprova essa correlação é o nosso samba, com referências de funk, que ficou maravilhoso. Eu gostei muito mesmo”.

Selma também aponta para a harmonia entre os instrumentos. “O batidão do funk tem a ver com a bateria e com a batida do samba, porque os instrumentos casam e as bossas também se enquadram. Tudo envolve o conjunto do ritmo, que é o funk com o samba”.

Liliana completa dizendo que a escola encontrou o tom certo. “A Ponte combinou e deu supercerto. Então eu espero que todos gostem e consigam enxergar essa relação”.

O enredo também abre espaço para discutir o preconceito histórico sofrido pelo funk, muitas vezes comparado ao que o samba enfrentou no passado.

Para Rodrigo, a discriminação ainda é forte. “Com certeza. Hoje em dia, o funk ainda sofre mais preconceito do que o samba, porque as pessoas discriminam o funk achando que tudo vai ser apologia ao tráfico ou palavras de baixo calão. Hoje, os funkeiros sofrem mais preconceito, infelizmente”.

Guilherme concorda e relata situações do cotidiano. “Demais. Ele está muito enraizado no povo carioca, brasileiro, e mesmo assim a gente vê criminalização, perseguição. Às vezes você passa na rua, tem uma casa humilde tocando um funk, e as pessoas já olham estranho. Mas a gente vai resistir”, afirmou.

Suzy acredita que o cenário vem mudando aos poucos. “Infelizmente, sofre, mas hoje em dia as pessoas têm mais conhecimento da origem do funk, de pessoas importantíssimas envolvidas nessa causa, para tirar todo esse preconceito”.

MC Yasmim fala sob a perspectiva da própria vivência como artista. “Nós, MCs, sofremos bastante preconceito, não só pelas letras, mas porque muita gente acha que todo MC é criminoso. Nós, MCs, não somos bandidos”, desabafou.

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MC Yasmim fala sob a perspectiva da própria vivência como artista

Selma vê avanços recentes. “Melhorou bastante de uns tempos para cá, e acho que a tendência é ir acabando com a marginalização do funk”.

Liliana relaciona o preconceito ao racismo estrutural. “Claro que sofre. O negro sofre preconceito, e o funk é cultura negra. Está tudo junto. Mas a gente passa por cima disso e dá tudo certo”.

Quando o assunto é funk, cada componente tem um estilo preferido que revela um pouco da sua identidade musical. Rodrigo revelou sua preferência pelo funk melody: “Eu gosto mais de um funk melody”.

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Na comissão de frente, a bailarina Liliana Campos, de 27 anos, moradora de Nova Iguaçu, destacou a força da mistura de ritmos

Guilherme, que não esconde a paixão pelo gênero musical, reverenciou um dos seus maiores clássicos: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci e poder me orgulhar…” (trecho de Rap da Felicidade, de 1995). “Pois, como diz o enredo da Ponte, eu só quero ser feliz”.

Suzy, que também é fã do melody, destacou: “Eu gosto mais do funk melody, funk da antiga. Claudinho e Buchecha. Sou mais dessa linha”.

MC Yasmim, que traz o funk na veia, falou com entusiasmo sobre sua relação com o gênero. “Eu gosto muito do baile das antigas, mas também gosto muito dos funks novos que tocam hoje em dia. Escrevo rap, escrevo trap, faço letras de funk, mas sempre adorando um samba, desde berço”.

Selma, que também tem uma conexão especial com o passado do funk, lembrou da época dos bailes de charme. “A minha época do funk é a época de Steve B. Não frequento mais os bailes de charme, apesar de morar em Madureira. Meu ritmo agora é outro. Agora é mais bateria de escola de samba mesmo, mas a Ponte está me permitindo viver essa nostalgia”.

E Liliana chegou para representar a atualidade do funk. “Anitta e Pedro Sampaio, que estão super em alta. Gosto bastante, o ritmo é bem legal”.

Com o minidesfile concluído, a Unidos da Ponte mostrou que levará para a avenida não apenas um desfile, mas um discurso potente sobre identidade, musicalidade e pertencimento que atravessam gerações.