Em um enredo com temática religiosa, homenagem à Nossa Senhora Aparecida, nada mais dentro do contexto do que a União da Ilha do Governador trazer um sino de igreja dentro da bateria. Mas a pergunta era se sonoramente ia dar certo? E deu. Além da surpresa para o público da Sapucaí, que já havia sido testada em um ensaio de rua na Estrada do Galeão, a “Baterilha” de mestre Keko e Marcelo deixou boa impressão com bossas e com ritmo forte para o samba. Ito mais uma vez trouxe a empolgação de sempre expressando com sua voz a grande emoção que o enredo realmente pede. A comissão de frente de Rodrigo Negri e Priscila Motta foi outro destaque, apresentando a história de um grande milagre da Santa ao libertar um escravo. O canto da comunidade foi satisfatório, pode-se perceber todas as alas cantando, mas como ponto de correção ainda pode melhorar um pouco na intensidade. Outro aspecto a corrigir, é a evolução, que ainda pode ser mais alegre e empolgar mais, ainda que não tenha apresentado erros. * VEJA AQUI FOTOS DO ENSAIO
“Nós viemos preparados para o desfile, então acho que fizemos. O andamento da bateria, a animação do povo estava super legal… sempre que acaba eu converso com o meu povo para saber o que cada um traz do seu ponto, mas eu vim na frente e achei tudo perfeito. A evolução foi no tempo certinho também, acho que viemos certinhos. Treinar no reconhecimento do campo é bom demais, porque já faz a gente se relacionar com a emoção de estar aqui, né? Ainda mais a gente que ficou parado por dois anos e machucados, porque a Ilha veio de um descenso. Assim, eu tenho certeza de que os sorrisos que eu vi aqui hoje são prova de que estar aqui é muita emoção para todos”, entende o diretor de carnaval Dudu Azevedo.
Harmonia e Samba-enredo
O samba que tem muito o caráter de uma oração começou com muita força, impulsionado por um Ito “incorporado” que levava o componente a vibrar. Funcionou muito bem no início da escola, com bastante canto inclusive da comissão de frente que tinha alguns dançarinos que praticamente berravam a obra. Algumas alas coreografadas do início também mantiveram o nível como a ”ala dos escravos”, e a ala “Rita e João” que vinha logo depois. Mais para o meio do desfile, o canto diminuiu um pouco de intensidade e se começou a ver algumas alas com integrantes que não cantavam. Depois, um pouco mais para as últimas alas, a escola voltou a cantar mais forte e por inteiro, como uma das últimas alas ” A magia da ilha” que mostrava além de canto, empolgação na evolução. As baianas, que também se destacaram no canto, vieram na cor que União da Ilha e o manto de Nossa Senhora de Fátima compartilham, o azul, com uma imagem da santa na blusa.
“Eu não tenho dúvida que são só elogios. O nosso ensaio técnico de hoje foi como se fosse o nosso desfile oficial. Nós viemos para isso, para a luta. Nós queremos voltar e voltar com um propósito: voltar com mérito e é isso que a Ilha vai fazer. Um carnaval lindo e uma escola linda. Deixamos aqui o chão chorando, sangrando emocionado e vibrando. Isso que nós vamos fazer no dia 20 de abril e se Deus quiser levantar esse caneco aí”, prometeu o intérprete Ito Melodia.
Mestre-sala e Porta-bandeira
Marlon Flores e Danielle Nascimento, como todos os casais da noite de ensaios da Série Ouro, tiveram que enfrentar um forte vento que atingiu a Marquês de Sapucaí. A bandeira chegou a dobrar levemente algumas vezes durante a apresentação nos módulos, mas Danielle, experiente, soube contornar a situação e não deixar enrolar. A dupla mostrou bastante vigor e presença na dança. Danielle estava vestida de azul, enquanto Marlon usava um elegante terno branco. Em uma bossa que lembrava um Ijexá, no trecho “Banhei seu rosário com axé, Na gira de candomblé, com Oxum na cachoeira, os dois realizaram um passo de dança afro.
“A impressão foi muito boa. Aqui é um termômetro e a gente fez um teste do nosso trabalho para ver o que a gente ainda pode melhorar até o dia do desfile, então estamos muito comprometidos, com foco e muito felizes de estarmos pisando novamente aqui (Sapucaí) e sentir essa energia boa. Se hoje a energia está boa, imagina no dia do desfile? E a gente usa da energia da comunidade, da energia da escola para melhor apresentarmos nosso trabalho, então vamos na fé e dar nosso máximo agora para conseguir alcançar nota máxima e contribuir o que a escola está dando para gente”, prometeu Danielle.
“Como a Dani disse, nós estamos muito felizes. Nós conseguimos fazer o que nós viemos treinando ao longo da semana, então hoje, esse ensaio foi fundamental para a gente poder olhar e ver onde que a gente acertou, errou e onde pode melhorar, porque a ideia do trabalho é ajudar a Ilha a voltar para o grupo especial. Nada melhor do que ensaiar no palco principal. Foi uma experiência incrível e vamos fazer muito bonito e entrar com muita garra no dia do desfile”, explicou Marlon.
Bateria
A Baterilha levou para a Avenida, a surpresa que já tinha apresentado para a comunidade no último ensaio de rua. O enorme sino de igreja foi incorporado às bossas e deu uma sonoridade diferente, mas pertinente ao enredo, principalmente por aparecer somente nos momentos em que os outros instrumentos silenciavam, e por ser tocado no andamento do samba, marcando como se fosse um metrônomo. Em um dos momentos do sino, os componentes abaixavam em reverência à Santa.
“Eu gostei muito, estou muito feliz, depois de dois anos sem pisar na Passarela, a bateria fez uma apresentação, pode se dizer, tecnicamente perfeita. Não digo perfeita, porque sempre temos uma coisinha ou outra a melhorar, mas eu posso dizer que a bateria está pronta para o dia 20. Estou muito feliz com minha rapaziada e é só agradecer”, analisa mestre Marcelo.
Outra bossa de destaque era no trecho “Banhei seu rosário com axé, Na gira de candomblé, com Oxum na cachoeira”, em que os ritmistas tocavam um Ijexá. “Eu estou até sem palavras, a gente está há dois anos passando por vários momentos difíceis pessoais e poder estar aqui de novo, com essa galera, além de ter uma bateria de boa qualidade, ver nossos ritmistas juntos da gente, pois perdemos alguns, então, é uma emoção muito grande poder estar aqui novamente. Eu não tenho como avaliar porque quem seria eu para poder avaliar minha própria bateria, mas tenho certeza que a gente conseguiu fazer o trabalho que a gente vinha fazendo antes e pode ter certeza que o melhor está por vir”, comemorou Mestre Keko.
Evolução
A União da Ilha não apresentou problemas de buracos, ou alas que invadiam o espaço uma das outras. Em geral a agremiação veio compacta, um único momento de descuido que quase gerou um buraco, mas que foi evitado a tempo foi quando a ala Angels da Ilha que vinha depois da bateria, logo depois do terceiro módulo evoluiu um pouco mais rápido quando a bateria entrou no recuo e as baianas que vinham logo atrás tiveram um pouco de dificuldade para preencher o espaço, o que não chegou a gerar um problema. Em geral, a escola evoluiu corretamente, podendo ser mais espontânea. Algumas alas coreografadas trouxeram boa dinâmica para o desfile, um dos destaques foi a ala “Passo marcado” que trazia os componentes com mantos e chapéus, cada um representando uma cor da bandeira da agremiação, com bastões nas mãos que possuíam luzes, dando um bonito efeito quando executavam a coreografia. A ala de passista veio com roupas mais comportadas e trazia uma menina vestida de Nossa Senhora à sua frente.
Outros destaques
A comissão de frente, como citado anteriormente, foi um grande destaque do ensaio, trazendo os componentes representando escravos, com uma roupa bem maltrapilha e suja, no tom bege, encenando um dos milagres mais famosos que é remetido à Santa, a libertação do escravo Zacarias. Logo no início do desfile, representado o Abre alas, a Ilha trouxe um elemento alegórico com a imagem de Nossa Senhora Aparecida e o símbolo da agremiação atrás. A escola também trouxe boas referências de Oxum que no sincretismo reporta a figura de Nossa Senhora Aparecida, dando uma boa pista da bandeira contra a intolerância religiosa que a Ilha também deve trazer ao correlacionar as religiões de matriz africana com a católica.
No esquenta, Ito cantou um samba em homenagem ao dia dos autistas, além dos tradicionais “É hoje” e “Festa Profana”, além do tema “Nossa Senhora”, de Roberto Carlos, onde trocou o verso” “Cuida da minha vida” por “ Cuida da minha Ilha”, e dedicou o ensaio a pessoas importantes da Ilha que faleceram do último carnaval para cá, como o carnavalesco Severo Luzardo, que também foi homenageado com sua foto no último elemento alegórico que encerra o desfile da Ilha e o ex-presidente Djalma Falcão. Com o enredo “o vendedor de orações”, a agremiação insulana será a quinta a desfilar na primeira noite da Série Ouro.
Participaram da cobertura: José Luiz Moreira, Walter Farias, Leonardo Damico, Gabriel Gomes, Lucas Santos. Fotos de Nelson Malfacini/Site CARNAVALESCO