Algumas datas são marcantes demais – e, por conta disso, merecem exaltação especial. A comemoração dos 50 anos de uma instituição é uma dessas festividades – tanto que a quinta década é conhecida como o ano do “Jubileu de Ouro”. No mundo do samba, não é diferente. Para celebrar o meio século de história, a Barroca Zona Sul apresentou, no domingo, o enredo do carnaval 2024 para a comunidade e sambistas em geral – e o CARNAVALESCO estava presente no evento, realizado na Arena Neguinha, no Jabaquara.
O próprio nome do enredo remete à história da verde e rosa. Intitulado “Nós nascemos e crescemos no meio de gente bamba, por isso que nós somos a Faculdade do Samba. 50 anos de Barroca Zona Sul”, a frase é uma espécie de grito de guerra dos componentes. A trajetória da escola do Jabaquara será contada no Anhembi na primeira noite do desfile do Grupo Especial de São Paulo, com a agremiação sendo a segunda a pisar na passarela.
Enredo idealizado há tempos
Internamente, era sabido que o Jubileu de Ouro da Barroca Zona Sul seria o tema da escola no carnaval 2024 há anos. Foi o que revelou Ewerton Rodrigo Ramos Sampaio, o Cebolinha, presidente da agremiação.
“O processo de criação, na realidade, desde quando eu assumi a escola, era o meu sonho estarmos no Grupo Especial e falar desse enredo. Calhou de tudo dar certo no nosso trabalho, era o enredo que falaríamos e sabíamos disso desde 2020. Deu certo, a comunidade, guerreira e sofrida, abraçou e vai mostrar toda a vontade que tem no próximo carnaval”, destacou o mandatário barroquense desde 2014.
Recém-chegado na agremiação, Pedro Alexandre, o Magoo, novo carnavalesco da escola, confirmou. “O enredo foi ideia do presidente Cebolinha. Quando ele chegou para mim com essa proposta, eu falei que isso é um tema, não é um enredo. Então, tem que montar uma história em cima desse tema. Daí, pedi para me reunir com o pessoal mais antigo da escola. E, nesta reunião com o pessoal, começaram a falar sobre a instituição e notei que eles falavam com muito carinho sobre o Pé Rachado. Nisso me deu o estalo: por que eu não conto a história da Barroca através da visão do fundador da escola? É aí que surgiu o enredo. A ideia é contar essa história, mas na visão do Pé Rachado, fundador da Barroca Zona Sul”, detalhou o profissional.
Integrante da comissão de carnaval da Barroca Zona Sul, Angélica Barbosa da Silva também colaborou com a confecção do enredo. “Fizemos uma pesquisa bem minuciosa, fizemos várias reuniões com a comunidade e com pessoas que fazem parte da escola, mas não estão mais atuantes. Nessas conversas, conseguimos pegar um mix de informações muito positivo. Não quero dar tanto spoiler, já que está meio cedo! Como no vídeo de apresentação, pegamos uma perspectiva vinda desde o Pé Rachado, desde a fundação. Tivemos a ajuda do Ednei Mariano, que é uma pessoa que estava presente no momento da fundação da escola. Escolhemos alguns carnavais que são marcantes e vamos tentar fazer essa linha do tempo na avenida. Vai ser, mais ou menos, por esse viés”, explicou.
Ótica do baluarte
Dos grandes baluartes da história do carnaval paulistano, o enredo da Barroca Zona Sul será contado por Sebastião Eduardo do Amaral, popularmente conhecido como Pé Rachado. Ex-presidente do Vai-Vai e ex-integrante de outras escolas do quilate de Camisa Verde e Branco e Estação Primeira de Mangueira, ele fundou, em 1974, acompanhado por outros tantos bambas, a Barroca Zona Sul. Apoiado por Cartola, dos grandes sambistas da história do Brasil, será a visão do fundador barroquense quem conduzirá o desfile. Magoo deixa claro que o sentimento será o principal ponto do enredo.
“Pela apresentação do enredo, você pode perceber que vai ser pela emoção. Vamos desenvolver o enredo, tentando pegar a emoção do barroquense, a pessoa, o componente, que ama a Barroca, que se sinta identificado com o que eles vão ver na avenida. Em fantasias, alegorias… pretendemos desenvolver o enredo baseado na emoção”, afirmou.
Relembrando os momentos em que a verde e rosa chegou a disputar a quarta divisão na pirâmide do carnaval paulistano, Magoo detalhou o enredo.
“Nós dividimos em alguns setores o desenvolvimento do enredo. Ele começa com o evento da fundação da escola, que contou com a participação do Mestre Cartola, da Mangueira, que foi o grande incentivador do Pé Rachado, para fundar uma escola de samba aqui em São Paulo. Depois, começamos a mostrar os primeiros carnavais da Barroca, a trajetória da agremiação na Avenida Tiradentes, cheia de romantismo. Depois, começamos a mostrar os primeiros carnavais no Sambódromo. E, depois que mostrar isso, não é que vai ser uma coisa triste, mas temos que mostrar alguns momentos em que os resultados não foram os esperados. A escola deu uma caída, mas isso aí é um pano de fundo para mostrar uma parte importantíssima em nosso enredo que é o renascimento da Barroca. Uma escola que chegou até UESP, no Grupo de Acesso II, e em pouco já estava no Grupo Especial, que se consolidou com três desfiles consecutivos na elite. Graças à força da comunidade, a escola ressurgiu e conseguiu se consolidar no Grupo Especial do Carnaval de São Paulo”, comentou.
O carnavalesco aproveitou para reafirmar e relembrar o grande nome da história barroquense. “E tudo isso, deixando bem claro, vai ser contado pela visão do Pé Rachado, como ele enxergou esses momentos. A Barroca na Tiradentes, os primeiros desfiles no Sambódromo, a emoção dele ao ver a escola depois de um período ruim, renascendo, e voltando a desfilar entre as grandes escolas. O recado que ele vai deixar para as pessoas que estão na dianteira da escola nos próximos anos na Barroca. É por aí que estamos desenvolvendo o enredo”, rememorou.
Demonstração de força
Para Cebolinha, contar os 50 anos da escola não deixa de ser uma prova da pujança barroquense no carnaval da cidade de São Paulo. “Referente à parte do carnaval, acho que, no carnaval dos 50 anos, temos que trazer as glórias e as derrotas da nossa escola. Queremos mostrar um pouquinho disso, já que não dá pra mostrar 50 anos detalhadamente em um desfile. Vamos resumir a história da escola, que é grandiosa, com sambistas fora do normal. Quando falamos de Pé Rachado e de Cartola, temos uma essência muito grande. Queremos mostrar a essência desse carnaval, e vamos mostrar só um pouquinho desses 50 anos: do que o Barroca é, a potência que o Barroca é, a força que o Barroca é, a história que o Barroca tem. O Barroca tem os dois maiores sambistas do Brasil e do mundo, como Pé Rachado e Cartola, na essência. O Cartola deu a ideia, e não preciso falar mais nada a esse respeito, e Pé Rachado deu continuidade. Vamos mostrar um pouquinho desses grandes sambistas que estamos dando continuidade”, comentou.
Nova era na estética
A chegada de um novo carnavalesco traz curiosidade para saber como será desenvolvido não apenas o enredo, mas também a parte visual do desfile de uma escola. E, de acordo com alguns dos responsáveis pela área, a Barroca terá uma estética completamente diferente do que vinha apresentando a partir de 2024. Magoo comenta quais serão as principais mudanças.
“Esteticamente, o que posso adiantar é que vamos explorar bem as cores da escola. Depois de muito tempo, a Barroca vai explorar as suas cores. O verde e rosa estarão presentes em vários setores, fantasias e alegorias para ser uma coisa que combine bem com o tema. Nós vamos fazer esse resgate que a Barroca, há alguns carnavais, meio que deixou de lado. Essa parte estética terá uma grande mudança em relação aos últimos carnavais”, vociferou.
Angélica trouxe outro detalhe importante, focando no tamanho de alegorias e fantasias. “Estamos, na verdade, mudando muita coisa na parte estética. A equipe foi trocada, o carnavalesco tem umas ideias bem diferentes. O formato dos carros alegóricos está sendo repensado, ele está pensando muito além do que estamos acostumados a fazer. Isso, para a gente, já é bem positivo. Todo mundo fala que a Barroca vem com uns carros alegóricos menores, essas reclamações sempre existiram. Mas posso garantir a vocês que, no carnaval 2024, o formato dos carros já vai ser bem diferente. Vai ser bem gigantesco, colorido e tudo de bom”, revelou.
Novato no Jubileu de Ouro
Como será chegar a uma escola de samba que está completando 50 anos e já ter a responsabilidade de criar o desfile para exaltar meio século de vida? Magoo destacou que, por ora, tudo está indo às mil maravilhas. “A recepção foi a melhor possível, me receberam de braços abertos, foram super receptivos como. Na hora em que estava fazendo o trabalho de pesquisa para a construção do enredo, todo mundo colaborou e deu sua contribuição. Foi muito legal! A direção também deu todas as condições para desenvolver a temática, estamos fazendo um trabalho legal, já com reprodução de fantasias e alegorias. Estamos em uma fase até que adiantada nos carros alegóricos, aliás. O presidente Cebolinha está dando todo o respaldo, está acreditando no projeto. Uma coisa que eu sentia é que eles estão acreditando que a Barroca pode chegar além do que chegou nos últimos carnavais. O trabalho é árduo, diário, dia e noite. Estamos no caminho certo e a comunidade está percebendo isso, eles estão abraçando o projeto, isso que é legal. É um enredo da Barroca feito para o pessoal da Barroca”, comentou.
Além de pontuar que a visão de Magoo está correta a respeito do tratamento dedicado a ele, Angélica aproveitou para elogiá-lo. “Estou muito feliz, o carnavalesco é sensacional e bem aberto a escutar, com uma perspectiva diferente, um olhar diferente. Ele consegue realizar tudo o que imaginamos”, revelou.
Temática muito bem aceita
Na visão de diversos componentes, a temática foi um grande acerto dos responsáveis pela agremiação. Mestre da “Tudo Nosso”, bateria da escola, Fernando Negão relembrou a própria história junto à Barroca. “É uma satisfação total e plena. Estou na escola desde 2002, tenho muito amor e carinho por essa escola, ainda mais falando dos 50 anos. Espero que dê certo, rumo ao título e, se Deus quiser, vamos que vamos”, frisou.
Quem também comemorou a escolha foi Pixulé, intérprete da escola do Jabaquara. “Falar do enredo só com o mestre Magoo (risos), mas é uma emoção muito grande, para mim, além de ser o cantor oficial da escola, tenho feito parte desses 50 anos. Então é uma emoção grande de fazer parte de um momento histórico da escola. É maravilhoso”, comentou.
Mestre-sala pelo segundo ano consecutivo da agremiação, Marcos Eduardo Costa, o Marquinhos, revelou grande entusiasmo por fazer parte de momento tão especial. “É uma responsabilidade muito grande, mas, ao mesmo tempo, uma alegria muito grande por estar na escola no ano do Jubileu de Ouro. Saber que estaremos representando toda a escola da comunidade e ouvi-los contar a história da escola é mágico. Entender o motivo de tudo, história como o porquê do verde e rosa… saber de tudo isso te torna ainda mais parte do processo. Adorei o enredo, adorei as propostas, já ouvimos algumas coisas sobre o nosso setor… adorei”, ratificou.
De maneira mais profunda, Angélica também falou sobre o sentimento em relação ao tema. “É sensacional porque a gente consegue fazer esse filtro de várias histórias e sambistas importantes da nossa escola e contar a nossa história de uma perspectiva que conseguimos colher junto da própria comunidade. É surreal! Conversando com o pessoal da velha guarda e com diversos componentes, descobrimos histórias que a gente não conhecia. Começamos a ligar os pontos da nossa própria história e isso é muito legal, mas muito difícil, porque temos medo de pecar em algum ponto. Agradar a todos não vamos conseguir e sempre vai ficar a sensação de que poderíamos falar mais de algum ponto. Fizemos um apanhado dos melhores momentos da escola, dos melhores carnavais… e também vamos falar um pouco de tristeza, porque não é só com alegrias que uma escola se consolida: é com um mix de sentimentos. Infelizmente, o sentimento triste também está incluído porque faz parte da história”, rememorou.
Retorno no momento certo
Torcedora declarada da escola, Lenita Magrini retornará à Barroca Zona Sul para o desfile de 2024 e começará a terceira passagem da porta-bandeira pela agremiação. Após se desligar da verde e rosa em 2021 por motivos profissionais (que a fizeram mudar para a Coreia do Sul), ela comemorou o retorno em ocasião tão especial citando Geraldo Sampaio Neto, o Borjão, dos grandes baluartes da instituição e, por quatro períodos, presidente barroquense. “Aprendi com o Borjão no meu primeiro ano e eu costumo falar que o pavilhão é algo além de uma bandeira. Ele carrega as dores, as alegrias, a tristeza, a felicidade, o choro e as conquistas. Carregar tudo isso nos 50 anos de Barroca sendo que eu fui criada nesse chão, foi o chão que me deu oportunidade, além de tudo que o Marquinhos me falou, é um momento incrível para o Barroca, para mim, para o Marquinhos e para a nossa parceria que vai durar muito tempo”, vaticinou.
Samba-enredo e próximos passos
Em conversas com responsáveis pela área musical da Barroca Zona Sul, o CARNAVALESCO obteve uma informação em primeira mão: a data do lançamento da canção que embalará o desfile do Jubileu de Ouro da agremiação. A revelação veio do próprio Cebolinha: “Nosso processo de samba-enredo continua o mesmo, não mudou. Ainda temos trabalho, não finalizamos, vamos finalizar em breve o samba. Futuramente, no dia 06 de agosto, o samba será apresentado. Também vamos apresentar a nova rainha”, detalhou.
Mais à frente da composição, Fernando Negão deixou no ar que a mente do mestre de bateria já está a todo vapor. “Apesar de ainda não termos um samba-enredo, temos algumas ideias. Além de ser o mestre de bateria, eu também participo da composição do samba. Então, eu tento já ter alguma ideia do que vai rolar, do que vai acontecer. Mas, sem samba, ainda tem pouco a se fazer”, pontuou.
Mais empolgado com o atual status da obra, Pixulé foi além ao citar períodos do ano interligados à revelação da composição. “Te garanto que o samba já está pronto. Sou um dos compositores do samba, está pronto, devemos estar gravando em meados do mês de julho. Aguarde que vem um sambaço em homenagem aos 50 anos da escola. Não sei se vai fazer junto com a festa de aniversário ou um evento paralelo – mas, pelo que conheço do meu presidente, ele vai fazer uma festa separada só para mostrar o samba de 2024”, finalizou.
O dia 06 de agosto, citado por Cebolinha, vem bem a calhar: a Barroca Zona Sul completará 49 anos no dia 07 de agosto.