É senso comum que o desfile de 2019 da União da Ilha merecia um resultado melhor. Mesmo assim a escola julgou ser necessário fazer uma mudança radical em seu estilo de fazer carnaval. Laíla foi contratado para ser um espécie de CEO artístico e sua principal mudança está justamente no DNA de desfiles que consagraram a escola. Ele montou uma comissão de carnaval com os experientes Fran Sérgio e Cahê Rodrigues, mesclados com os jovens Anderson Netto, Allan Barbosa, Larissa Pereira e Felipe Costa. Eles são oriundos da escola mirim Cavalinhos Marinhos da Ilha. E o recado que será dado na avenida é cristalino: esqueçam as características estéticas históricas da União da Ilha.
Cahê falou que a mudança no DNA estético da Ilha para este carnaval será o grande diferencial do desfile de 2020 da escola.
“O mais interessante e diferente desse carnaval é a Ilha deixar um pouco de lado sua marca histórica e preocupada com o momento que o país vive, leva uma mensagem forte para a avenida. Uma temática crítica, que adota um caminho de crônica. Esteticamente também é bem diferente do DNA da escola. Acredito que será um choque para todos ao verem a escola cruzando a avenida. O componente vai vestir uma roupa diferente. As alegorias tem um volume diferente. São grandes cenários e a movimentação humana é muito importante. Serão responsáveis por contar histórias em cima dessas alegorias. O grande barato dessa pesquisa foi ter a presença de quatro jovens apaixonados pela Ilha, que integram nossa comissão. Eles colocam muito do torcedor, a preocupação deles em trazer soluções, acabou agregando à nossa criação”, explica.
Fran Sérgio aborda o aspecto crítico do enredo. Ele deixa claro que quem for para o desfile da Ilha esperando irreverência ou galhofa vai ter uma surpresa. A crítica não é engraçada, mas sim séria.
“É uma crítica incisiva, não é lúdica. O enredo da Ilha está acontecendo. É menos irreverente e mais sério, mas com uma certa leveza, pois é a Ilha. Todo dia vemos na televisão as encruzilhadas da vida. Para carnavalizar, a gente foi para o original, como o enredo pedia. As alas são personagens. O médico, professor, camelô. Carnavalizamos o personagem e o resultado ficou interessante. É uma Ilha diferente, pomposa, grande”, alerta.
‘Enredo nasceu no coração do Laíla’
Cahê Rodrigues foi contratado para formar dupla com Fran Sérgio e os jovens da comissão. Ele explica que o enredo foi sugerido pelo próprio Laíla. Segundo o artista a vivência do diretor de carnaval na infância e juventude em comunidades carentes foi o fator que fez o enredo acontecer.
“A ideia nasce no coração do Laíla. Quando cheguei aqui já havia um desenho de ideias. Ele colocou para nós as experiências dele de vida em uma comunidade. Ele descreveu para a gente, fomos captando e a comissão se juntou para colocar no papel um projeto baseado nesses relatos. Dessa maneira nasceu o nosso enredo. O título também é dele. O maior desafio foi tentar desvendar a mente dele. A partir do pedido dele e através das condições da escola, criamos esse tema. A Ilha não terá luxo, plumas em fantasias. O nosso caminho é mais teatral, tanto nos carros quanto nos figurinos. É um carnaval de alegorias suntuosas, no sentido do tamanho. Teremos os atos que o Laíla gosta, principalmente nos carros. Para mim tem sido uma experiência nova trabalhar ao lado dele. O Laíla é um dirigente que luta pelo artista. Isso nos traz muita segurança e evita certos desgastes pra o carnavalesco”, conta Cahê.
Fran Sérgio comentou com a nossa reportagem outra inovação trazida por Laíla para o desfile da escola em 2020 que deu o que falar. A falta de uma sinopse nos primeiros meses de projeto. Somente agora com a virada do ano que o texto do enredo da Ilha foi conhecido.
“Essa foi uma proposta do Laíla, antigamente era assim. Mas isso foi permitido pelo fator desse enredo. Eu e Cahê fomos em comunidade e trazíamos o tempo todo sucatas para montar o nosso carnaval. Eu achei muito positivo construir esse texto no final do processo. O enredo é assim e essa história deu certo por isso”, avalia.
Mulher negra gestante será fio condutor
Uma jovem mulher, negra e grávida, moradora de uma comunidade. Esse é o perfil da personagem criada para ser o fio condutor do desfile da Ilha em 2020. Fran Sérgio explica que a decisão se deu devido ao fato de a Ilha possuir muitas componentes mulheres. Ele diz que o enredo é uma mensagem necessária mediante aquilo que o Brasil passa e deixou claro que não há qualquer traço de semelhança com a Beija-Flor.
“Não tem nada da pegada da Beija-Flor de 2018. É outra visão. É mais direto, original. É um carnaval que eu nunca fiz, uma virada estética na minha carreira. O espírito desse carnaval é tudo aquilo que a gente passa no dia a dia. O que estamos passando no carnaval nos joga para esse tipo de temática. As dificuldades são muito grandes, o apoio é quase zero. É bem inerente a tudo que estamos vivendo, todas as escolas. É triste mas necessário. Como a condutora é uma mulher negra, pobre, da favela, a participação feminina permeia todo o enredo. A Ilha tem muita mulher como componente. O tempo inteiro essa mulher se faz presente de várias formas”, explica.
Cahê reforça que a presença dos componentes da Ilha terá papl decisivo no funcionamento do desfile. Segundo ele o sucesso da apresentação da escola no domingo de carnaval passa diretamente pela atuação dos componentes no desfile.
“A grande estrela desse carnaval é o componente. A força e a atitude deles é que poderá ser o diferencial. Por isso o Laíla acabou com qualquer ala comercial e até as composições serão doadas. Todo esse gigantismo precisa das pessoas para tudo acontecer”.
Comissão mescla experiência e juventude
Dentre as muitas criações bem sucedidas de Laíla nesses 50 anos de carnaval certamente uma delas é a comissão de carnaval. Um grupo de artistas divide o projeto. Foi assim que ele mudou o patamar da Beija-Flor e é dessa maneira que ele pensa a estrutura artística da Ilha. A união de quatro jovens com dois consagrados carnavalescos, tudo coordenado por ele.
“É uma comissão diferente das que eu já trabalhei. Os meninos são cria da escola, e trabalham na escola mirim. Estão começando, nunca tinham entrando em um barracão. Estamos passando nossa experiência, eu, Cahê e o Laíla. Está sendo muito gratificante e o casamento está muito bom. Hoje temos uma escola bem feliz. A equipe de barracão da Ilha é fantástica. Entre o Cahê e eu não há divisão de funções. O projeto é concebido a quatro mãos e tanto ele quanto eu entramos nesse consenso, com o Laíla coordenando tudo. No fim é um somatório”, explica Fran Sérgio.
Cahê Rodrigues aposta na cabeça da escola para impactar público e jurados. Ele fala sobre o desafio que é para o artista conseguir agradar a comissão julgadora e o público que está em casa e também na avenida.
“Nunca será possível agradar a todos. O carnaval é essa magia de tudo acontecer na hora, por mais que você tenha projeções. Eu confio muito na entrada da Ilha. Da comissão de frente ao abre-alas as pessoas irão se identificar. Ali tem a síntese do nosso enredo e s pessoas irão se ver. Temos um desfile com momentos e temas muito necessários, que precisam ser mostrados, uma vez que falamos das dificuldades dos moradores de comunidade e um final que mesmo em meio a todas essas mazelas, o ser-humano se reconstrói, busca novos caminhos e fechamos com uma mensagem para cima, aí sim com a cara da Ilha”.
Com recursos escassos e sem previsão de chegada de subvenção pública, Cahê elogia a postura do presidente Djalma Falcão, que não poupou esforços segundo ele para não mexer em nada do projeto original.
“Eu não sei como o Djalma está fazendo mas tem se mostrado um presidente muito parceiro. Até agora não recebemos um não. Tudo que foi proposto está sendo feito. A escultura, o movimento, o grosso já foi feito. Agora como a escola buscou esses recursos, o presidente está sendo um super-herói. Ninguém teve salário atrasado, o barracão não parou um segundo. A ordem agora é finalizar. Reciclamos bastante material do ano passado. Nosso enredo permite. Nosso abre-alas tem muita coisa de doação da comunidade, funcionários, a própria comissão. Mas tudo que nós criamos está dentro do orçamento”, disse.
Conheça o desfile
A União da Ilha irá desfilar com 32 alas, 05 alegorias e 02 tripés. O carnavalesco Fran Sérgio explica aos internautas do site CARNAVALESCO como será o desenvolvimento do desfile da tricolor insulana.
Abertura – As Encruzilhadas da Vida
“O enredo fala de tudo que passamos para ter uma vida melhor, não somente na comunidade. Os caminhos que encontramos na vida para melhorar, a busca por um emprego, eventuais dificuldades”.
Setor 1 – Entre becos, ruas e vielas
“Trazemos a comunidade carente. A condutora do enredo é uma grávida negra, ela está nessa abertura. Como vai ser o futuro desse filho com tudo que está acontecendo no Rio, nessa cidade tão abandonada? Ela conversa com um poderoso. ‘Senhor estou aqui, o que vou fazer?’. Nosso abre-alas é acoplado, com encenações daquilo que acontece no dia-dia da favela”
Setor 2 – A sorte está lançada
“Ela começa a contar, minha gente trabalha, acorda cedo, antes do sol levantar. O brasileiro, o carioca está lutando por dias melhores. O povo está sempre buscando a solução, construindo esse país”.
Setor 3 – Salve-se quem puder
“Ela questiona: meu filho não vai ter escola, não vai ter hospital se ficar doente? Não tem segurança, desemprego, como eu vou fazer? Ela está sempre nessa conversa com um poderoso, um patrão, alguém que tem o poder de resolver seus problemas”.
Setor 4 – Terra de Deus dará
“A gente fala realmente que o povo está largado, abandonado. A hipocrisia e a ganância dos poderosos”.
Setor 5 – Hoje é o dia da comunidade
“A única coisa que salva o ser-humano é a solidariedade. Encerramos com a festa na favela, vamos mostrar tudo o que tem de bom nas comunidades. É uma mensagem de esperança que fecha o nosso desfile”.
A União da Ilha do Governador será a sexta escola a desfilar no domingo de carnaval com o enredo ‘Nas encruzilhadas da vida, entre becos, ruas e vielas, a sorte está lançada: Salve-se quem puder!’.