Por Fábio Martins e Lucas Sampaio
O dia nasceu feliz na Barra Funda. Em pleno amanhecer do domingo, o Camisa Verde e Branco definiu o samba com o qual homenageará o músico Cazuza no próximo carnaval, em festa realizada na Fábrica do Samba. Após a apresentação dos quatro finalistas, a obra escolhida foi a da parceria formada pelos compositores Silas Augusto, Claudio Russo, Rafa do Cavaco, Turko, Zé Paulo Sierra, Fabio Souza, Luis Jorge, Dr. Elio e Bruno Giannelli. O Trevo será a sétima escola a se apresentar na sexta-feira pelo Grupo Especial de São Paulo em 2025 com o enredo “O tempo não para! Cazuza – o poeta vive!”, assinado pelo carnavalesco Cahê Rodrigues. A festa organizada pelo Camisa contou com diversas atrações. Aproveitando para celebrar o aniversário de 71 anos da escola, a participação de vários casais de mestre-sala e porta-bandeira de coirmãs paulistanas marcou a abertura do evento feita pela anfitriã ao se apresentarem juntos ao som de sambas clássicos do Trevo. A grande final do concurso de sambas-enredo contou também com apresentações das escolas Águia de Ouro e Mocidade Alegre antes do anúncio dos campeões.
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Samba em forma de carta psicografada
A final do concurso de sambas-enredo do Camisa contou com quatro finalistas, mas com dois sambas se destacando por motivos distintos. A escola teve a oportunidade de escolher se seguiria por um estilo tradicional ou se apostaria na ousadia da obra vencedora, escrita na forma de uma carta psicografada. A letra se inspira em músicas que marcaram a carreira do artista homenageado para contar sua trajetória em primeira pessoa, finalizando com uma mensagem afetuosa de Cazuza para sua mãe Lucinha.
O compositor Bruno Giannelli falou para a equipe do CARNAVALESCO sobre o sentimento de vencer o concurso do Camisa Verde e Branco. “Falar de sentimento é muito complicado porque é uma escola muito tradicional, um dos pilares do carnaval de São Paulo. É a primeira vez que eu participo de uma disputa do Camisa, com uma rapaziada que já ganhou o samba no Camisa, que tem uma história dentro da escola, sendo uma parceria Rio-São Paulo onde a gente foi pego pelo enredo. A ideia de fazer o samba foi porque todo mundo se apaixonou pelo enredo e as coisas como fluíram, e a ideia de trazer esse lance como se fosse o Cazuza escrevendo para a mãe dele na forma de: ‘está tudo bem, essa é a minha história e eu sei que a sua saudade também é grande, eu te amo’, tudo isso acho que juntou para transformar em uma coisa emotiva. Acho que hoje temos que ser emotivos, é importante a emoção, de fazer as pessoas se emocionarem, fazer as pessoas chorarem, mas sendo com alegria. Hoje, graças a Deus, a gente saiu chorando de alegria, com todo mundo feliz. Espero que seja um desfile sensacional, maravilhoso, emotivo, e que as pessoas chorem no ambiente de felicidade vendo o Camisa. Quando o Camisa passar eu tenho certeza de que vai ser histórico”, declarou o artista.
A proposta do samba parte de uma inspiração coletiva, cuja construção se deu tanto na estruturação da letra quanto da melodia de forma especial para Bruno e seus parceiros.
“Cara, tem coisas que não dá para explicar, não dá. A gente estava em um domingo no grupo, no WhatsApp, e apareceu uma mensagem. ‘E se a gente fizesse uma carta, como se fosse o Cazuza contando a história dele e falando para a mãe dele?’, e todo mundo comprou a ideia. Todo mundo comprou a ideia e a letra foi sendo construída em cima disso. Em um determinado momento, o Rafael, em uma madrugada doida, me chama às três horas da manhã. ‘Está acordado, meu?’ Falei: ‘Estou’. ‘Mano, escuta essa ideia de melodia para aquela letra do Cazuza. Pegando um monte de intenção de música e não sei o quê’. Aí foi, cara, três horas da manhã e eu estou chorando. Falei: ‘então é isso, é isso, é isso, é isso’. Na hora que jogou no grupo, não teve um parceiro que falou um ‘a’ com o outro. Falaram: ‘cara, é isso. É isso, é isso, é o samba, é isso, é o samba’. A hora que gravou já emocionou todo mundo e foi arrepiando. Mas tem coisas que não tem explicação. Partiu do nada. Às vezes o Cazuza estava com a gente. Quem sabe ele deu a ideia para fazer assim, porque foi literalmente do nada. É surreal, é energia”, relatou.
Citado por Bruno como responsável pelo ponto de partida da construção melódica do samba, o compositor Rafa do Cavaco contou como se deu o processo que chegou ao resultado final da obra.
“Estou muito feliz, de verdade, porque eu particularmente acho que na parceria fomos os mais felizes. A melodia foi em uma madrugada, e fiquei emocionado porque quando a música fala mais alto é impressionante, não tem como fugir. A gente tem uma parceria que é de São Paulo e Rio, e eles mandaram a letra e a gente foi lá aprendendo a letra. O samba ficou uma semana, duas semanas meio que no ar e em uma madrugada eu peguei o violão. Eu gosto muito de ficar com o violão na madrugada, e eu peguei essa melodia com as músicas do Cazuza e pegando essa ideia do diferente mesmo. Eu acho que o Carnaval de São Paulo precisa dessa ousadia, precisa desse lance do diferente. Quem me conhece sabe que eu sou e me cobro muito por esse lance do diferente, e quando eu mandei para o pessoal ali já foi o termômetro do samba. Todo mundo se emocionou, foi unanimidade. Falaram assim: ‘Rafael, você estava iluminado’. Eu tenho até aqui os prints de quando eu mandei para a galera. Eu fico muito feliz de coração. Desejo muita sorte para o Camisa, que é um samba diferente, é um samba ousado. O Camisa é uma escola que tem um tradicionalismo muito forte, e quando uma escola de tradição topa essa ousadia, a gente fica muito feliz. Feliz demais, não tem muito o que falar, só agradecer mesmo a Papai do Céu e aos anjos que iluminam a gente para a gente ter sempre essa musicalidade aflorada”, disse.
Rafa do Cavaco deixou um recado final com votos de sucesso e desejando que a proposta do samba seja aceita pela comunidade do Camisa Verde e Branco.
“Comunidade Verde e Branco da Barra Funda, desfrutem muito desse samba, desfrutem muito dessa letra e principalmente dessa música porque foi feito com muito carinho. Foi feito com muito carinho e pensando no homenageado que é de uma musicalidade ímpar. Foi feito pensando na musicalidade do homenageado, pensando no compositor que ele era e principalmente nessa ousadia da letra. Pensando nessa mensagem psicografada do Cazuza para a mãe dele, para a Lucinha, que eu tenho certeza de que deve estar muito emocionada também com isso. E para o Camisa, acho que a nossa ideia foi ousada dentro do lance da letra, nessa carta para a Lucinha e para o Camisa porque isso que é o que hoje agora é o amor da Lucinha também, é o amor de lá de cima do Cazuza. Muito feliz e compra essa ideia. Camisa, muito obrigado por ter comprado essa ideia. A gente fica muito feliz e eu estou aqui com vocês também”, concluiu Rafa.
Participação da família de Cazuza
João Vitor, diretor de carnaval e vice-presidente do Camisa, explicou como se deu o processo das eliminatórias que levou à escolha do samba para o carnaval de 2025. “Fizemos um processo muito claro e muito transparente. Graças a Deus com sambas muito fortes, sambas muito bons, quatro sambas muito diferentes. Começamos a fazer algumas dinâmicas essa semana para entender o que é que a escola queria porque a escola tem um voto dentro desse processo e a agremiação estava muito dividida dentro dessas dinâmicas. O nosso carnavalesco junto com os nossos enredistas tentaram levar para uma proposta mais fidedigna em cima da proposta de enredo e dentro daquilo que ele Cahê estava procurando para a plástica da escola para esse carnaval. Acabou que foi definido o samba 7 para nos representar no Carnaval de 2025”, afirmou.
Para João Vitor, as características diferentes do habitual que o samba possui podem ter influenciado os responsáveis pela escolha. “Acredito que todos os sambas têm um pouco de Camisa Verde, os quatro tinham, e que tocou muito nesse samba foi a questão emocional, a questão emotiva. É um samba emotivo, é um samba potente, que é uma carta psicografada e ficou muito nítido, muito presente, a presença do Cazuza no samba. Isso eu acho que pode ter mexido com os jurados ali na hora de avaliar o samba, mas todos tinham todos tinham um pouco de Camisa Verde. e agora é a escola trabalhar. Isso eu falo independente de samba que ganhou: quando começamos uma eliminatória, já definimos que independente do samba que for ganhar, a escola tem que trabalhar, e é isso que começamos agora”, afirmou.
O diretor falou da importância da família de Cazuza no processo de escolha não apenas do samba vencedor como na construção do enredo da escola, que conta com participação ativa da mãe de Cazuza.
“Ela ouviu todos os sambas e a família opinou em alguns momentos. Eles estão acompanhando todo o processo de carnaval, e eu estou muito feliz com isso assim. A Lucinha (mãe do Cazuza), inclusive é uma das nossas enredistas porque ela, junto com os meninos, faz parte de todo esse processo, e para escrever o enredo, carta de compositor, ela fez parte. Eles estão dentro do processo com a gente o tempo todo”, revelou.
Samba com a cara da escola
A presidente Érica Ferro celebrou a escolha do samba do Camisa Verde e Branco e falou sobre a importância de se manter a tradição do formato de escolha de sambas-enredo. “Esse samba tem tudo a ver com a escola, é a cara da escola. Todos os sambas tinham algo a ver com a escola, mas esse é o samba que é o samba completo. É um samba que carnavalesco, diretor de carnaval e a comunidade abraçaram, e acho que é o samba da história do Camisa. É um samba que ela é a história do Camisa. O Camisa ele precisa manter as eliminatórias por conta de ser uma escola de tradição, então a gente não pode tirar. Foram tranquilas as eliminatórias, graças a Deus. Todo mundo aceitou tranquilamente”, declarou.
Érica acredita que o Camisa realizará um desfile à altura do homenageado. “Estamos falando de Cazuza. Imagine a responsabilidade de falar do Cazuza, é um tema muito forte. O que eu posso te garantir é que a gente vai ter um desfile muito emocionante, exagerado e vai ser muito bacana”, afirmou.
Digno do poeta
O intérprete Igor Vianna deu suas impressões sobre o samba escolhido pelo Camisa. Na visão do artista, a escola optou pelo samba que melhor se encaixa na proposta do carnavalesco, além de ter uma marcante característica do homenageado.
“A escola tinha quatro grandes sambas na final e o samba que foi escolhido é um samba rico de letra e rico de melodia, e é um samba que está totalmente dentro do projeto do carnavalesco. Todos os sambas estavam dentro do enredo, porém a visão do carnavalesco para o que ele queria colocar na Avenida estava nesse samba, e a presidente junto com toda a diretoria abraçou. Eu e o mestre Jeyson, que comandamos a parte musical da escola, também abraçamos felizes esse samba, e agora a gente vai trabalhar muito feliz com o grande samba que o Camisa tem para o carnaval. Os compositores desse samba, eles resolveram fugir do normal trazendo um samba que era, na minha visão, um samba mais a cara do Cazuza. O Cazuza era um grande poeta, e eles vieram mais por esse lado da poesia em vez do samba em si, e foi uma aposta que eles fizeram muito boa e onde eles foram felizes, se sagrando campeão com essa grande aposta que eles tiveram”, afirmou.
Além da homenagem
O carnavalesco Cahê Rodrigues celebrou a escolha do samba. O artista exaltou o quão bem sucedidos os compositores foram ao trazer uma proposta diferente, mas dentro do que se espera vindo de um homenageado que fez história por ser diferenciado.
“Quando a Érica me traz a ideia de fazer um enredo sobre o Cazuza, eu digo para ela que seria um desafio desenvolver o enredo de Cazuza no Camisa, com uma escola tão tradicional. Para falar de Cazuza a gente não podia ter um samba óbvio. A gente tinha que ter um samba que mexesse com as pessoas, que incomodasse as pessoas e que causasse essa estranheza porque o Cazuza fazia isso com as pessoas. Ele não era o óbvio, ele era visceral, ele era um cara fora da casinha. Para que a gente pudesse contar a história do Cazuza com toda a genialidade não podia ser um samba óbvio. Por isso a escola decidiu e foi com um acordo entre presidente, carnavalesco, direção de carnaval e mestre de bateria. A gente entendeu que esse samba era o mais completo do projeto que está sendo criado, é um samba que descreve todo o projeto do carnaval, os compositores foram muito felizes da construção dele. Tudo o que a gente precisava de um samba, eles conseguiram colocar nessa composição. Eu vejo uma carta psicografada por Cazuza em homenagem à mãe. As coisas se revertem, não é? O enredo é uma homenagem à Cazuza, e os compositores foram além. Eles fizeram um samba que narra toda a construção, a narrativa do enredo, mas que ao mesmo tempo lembra uma carta psicografada do filho em homenagem à sua mãe, que mantém a chama dele acesa. Por toda a luta da Lucinha, ela não poderia ser nunca coadjuvante desse desfile, ela também é uma estrela principal de tudo isso. E o samba assina esse amor, essa dedicação que essa mãe tem por esse filho, e que está vivo até hoje.”
Preparação das bossas
Encarregado de comandar a bateria “Furiosa da Barra”, mestre Jeyson garante que o samba escolhido já possui pelo menos uma bossa pronta para ser implementada, além de outras já em mente.
“Conversamos bastante nas eliminatórias porque tinha uns cinco ou seis sambas que podiam chegar para a final. Infelizmente não dá para ver todos, então separamos aqueles que passam nos detalhes e vieram para a final. Na final é aquilo, não dá para escolher os quatro, tem que ser um só. Mas temos umas ideias já de bossas. Tem uma bossa que está pronta, que cabe neste samba que ganhou. Em um dos quatro sambas que ganhasse, ela já entraria legal, vamos em cima da melodia. As outras duas temos uma ideia da segunda que é no refrão e a de baixo do Samba já temos uma ideia também”, declarou.
Mestre Jeyson falou da importância das escolas de samba de manterem a tradição das eliminatórias de sambas-enredo como uma forma de manter o carnaval atrativo para os sambistas.
“Vejo como tradição em escola que infelizmente hoje em dia não tem mais isso. Eu acho que tem que ter eliminatórias. Cada escola que faz do seu jeito, mas eu acho que perde um pouco da essência porque hoje em dia quase ninguém faz eliminatórias de samba-enredo, muita gente encomenda o samba. Parabéns para quem faz isso, cada um faz de tudo que quer, só que o caminho da Verde e Branco faz e segue as nossas tradições de fazer eliminatórias de samba-enredo. Antigamente tinha até mais, eram três ou quatro fases, e hoje encurtou bastante, mas pelo menos ainda tem a semifinal e a final. É super válido porque o carnaval é isso, esse é o clima do carnaval. Como lá na frente quando começarem os ensaios técnicos, de rua ou de quadra, isso é o carnaval. No dia do carnaval é muito tenso, você nem curte direito, então para mim e para muitos foliões as eliminatórias, o ensaio de quadra, ensaio de rua, isso é o carnaval, tem que ter isso”, afirmou o mestre.