Por Victor Amancio, especial para o CARNAVALESCO
Depois de alguns dias em Angola, já de volta ao Brasil, fiquei pensando em como descrever essa experiência. Para nós, negros, descendentes de escravizados, criar uma identidade é muito difícil. Diferente dos brancos, que descendem de imigrantes vindos de diversos países da Europa, sabem suas histórias e árvores genealógicas, nós precisamos buscar nossa identidade sem nem mesmo saber por onde começar. O projeto de Brasil buscou embranquecer a população e, a partir disso, surgiu a miscigenação deste país continental. Mas, apesar de sua diversidade e pluralidade, o apagamento da negritude é, até hoje, praticado em diversas instâncias.
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De Angola, mais de 70% dos negros escravizados tinham como destino final o Rio de Janeiro, mais precisamente o Cais do Valongo. No continente-mãe, em Benguela, conhecemos um extinto armazém de escravos, hoje o Museu Nacional de Arqueologia. Lá era o último ponto antes da travessia pela kalunga grande. A partir daquele lugar, a história de cada negro jamais seria a mesma. Refleti muito dentro daquele espaço e imaginei as lágrimas, as dores… Mesmo sem saber ao certo se minha origem é Bantu ou de qualquer outro povo, imaginei a minha ancestralidade ali, lutando pela vida, sendo tratada de forma desumana, simplesmente pela cor de sua pele.
E do lado de fora desse mesmo lugar, assistimos a apresentações de um grupo cultural tradicional do país, dançando, cantando e batucando de um jeito muito parecido com o nosso. É nesse momento que deixamos de lado a dor e damos espaço à paixão, ao olhar sobre como resistimos com nossa arte. O samba e a formação do nosso Rio de Janeiro refletem diretamente esses milhões de negros que chegaram aqui, que sofreram muito, mas que não deixaram morrer a sua identidade. De fato, não sabemos exatamente de onde viemos, qual é a nossa raiz, nossas terras ou títulos, mas temos a arte e a cultura como herança dos nossos. O apagamento promovido pelos colonizadores não foi suficiente para arrancar o que tínhamos de melhor.
Estar em Luanda, Benguela e Lubango foi uma oportunidade única de olhar para a negritude e se reconhecer. Olhar para o samba e/ou o carnaval e entender por que é nele que encontramos identidade e nos sentimos em casa. É confirmar o que já sabíamos, mas talvez sequer entendíamos a dimensão. É o poder da ancestralidade preta que jorra em nossos corações, apesar de tantas dores já passadas.
Resistimos e vamos continuar, reescrevendo nossa história e ocupando os lugares que são nossos!