Por Evelyn Bastos

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Foto: Divulgação

O Brasil transformou o acesso de pessoas negras ao ensino superior com políticas públicas e a luta dos movimentos sociais. Porém, o racismo estrutural no ambiente acadêmico, no mercado de trabalho e as desigualdades persistem. Portanto, iniciativas educacionais como a Universidade Livre do Carnaval emergem como catalisadoras de uma mudança mais profunda e inclusiva.

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Até os anos 2000, a presença de estudantes negros nas universidades brasileiras era muito baixa. Mudou! Com a Lei de Cotas e outras ações afirmativas. O número de ingressos na educação superior federal aumentou 167% de 2012 a 2022. Em 2019, negros (pretos e pardos) tornaram-se maioria nas universidades públicas, com 50.3% das matrículas.

Mas a desigualdade na educação persiste. Na baixa taxa de conclusão, na desvantagem em cursos considerados de alto prestígio e mais valorizados no mercado, na resiliência do racismo institucional e interpessoal.

No mercado de trabalho, o rendimento médio dos negros com ensino superior completo era de R$ 4.798 em 2024, valor 32% inferior ao dos não negros com diploma (R$ 7.030). Para mulheres negras, a situação é mais grave, com rendimento médio de R$ 2.079, menos da metade dos homens não negros (R$ 4.492). Apenas 33% das pessoas em cargos de liderança no Brasil são negras.

A indústria do carnaval gera milhares de empregos, muitos ocupados por pessoas negras e oriundas de comunidades periféricas. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estima 32 mil empregos temporários em todo o país em 2025, enquanto outras fontes citam até 70 mil.

As escolas de samba são mobilizadoras de talentos. Apenas uma delas pode envolver mais de 5.400 pessoas nos meses que antecedem o evento, entre aderecistas, escultores, costureiras e carpinteiros. Mas esses trabalhadores enfrentam desafios como a sazonalidade, a informalidade e a subvalorização.

A Universidade Livre do Carnaval pretende ser um espaço de valorização de saberes não convencionais, da experiência prática e da transmissão oral de conhecimento, tão presente na cultura afrobrasileira.

Ao propor um modelo educacional que se distancia da rigidez formal, questiona a concepção de “universidade” e de “conhecimento”. Legitima o conhecimento empírico, acumulado ao longo de décadas por mestres, artesãos, costureiras, ritmistas e compositores, saberes que não cabem nas categorias tradicionais de “disciplinas” e “doutorados”. Valoriza a inteligência prática e criativa de trabalhadores invisibilizados.

Para a população negra, submetida a um sistema que nega suas raízes e contribuições, iniciativas como essa são cruciais para o fortalecimento da identidade e da autoestima.

A Universidade Livre do Carnaval não é, portanto, apenas um projeto educacional, mas um símbolo de resistência e inovação. Ao desafiar as estruturas hegemônicas do conhecimento e ao reconhecer e valorizar a vasta cadeia produtiva do carnaval, pode desempenhar um papel crucial na construção de uma sociedade mais justa e equitativa, onde o “doutorado” da vida e da experiência seja tão valorizado quanto o título acadêmico formal, e onde a rica diversidade de saberes brasileiros seja finalmente reconhecida e celebrada.

  • Evelyn Bastos é reitora Colegiada da Universidade Livre do Carnaval (Ulcamar), diretora cultural da Liesa e rainha de bateria da Mangueira