O Arranco do Engenho de Dentro foi a segunda escola a desfilar na Marquês de Sapucaí nesta primeira noite de Série Ouro. Mostrando o enredo “Mães que alimentam o sagrado”, desenvolvido pela carnavalesca Annik Salmon, a escola fez um desfile redondo e criativo com um enredo que trouxe com enorme clareza em suas alegorias e fantasias a ideia da força das mães, desde a crença iorubá até as mulheres do cotidiano atual. Um enredo de mensagem forte e necessária que embalou um samba que obteve um excelente desempenho durante todo o desfile, catapultado por mais uma grande apresentação dos intérpretes Thiago Acácio e Pamela Falcão, que mostraram a dupla afiada que são. A escola teve que apressar um pouco o passo nos minutos finais para passar no tempo limite e conseguiu, encerrando o seu desfile em 55 minutos. No conjunto o Arranco fez um desfile de bom nível com vários quesitos fortes, e espera que o julgamento este ano seja mais coerente com o que a escola apresentou, ao contrário do ano passado quando num desfile elogiado a agremiação ficou próxima do rebaixamento.
Comissão de Frente
A comissão de frente comandada pelos coreógrafos Lipe Rodrigues e Márcio Dellawegah veio representando as mães do cotidiano, trabalhando na feira, com quatro caixotes levando frutas. Essas mulheres interagiam as demais componentes formando uma grande rede de comunicação e energia, compartilhando sabores, saberes e afetos. No ato final da comissão, surgiam as mães espirituais como a mãe natureza, Nossa Senhora Aparecida e Oxum. Uma apresentação que sintetizou bem o enredo e foi apresentada com correção em todos os módulos, exceto mínimos deslizes de sincronia na movimentação de componentes na primeira cabine.
Mestre-sala e Porta-bandeira
Diego Falcão e Laryssa Victória desfilaram com uma fantasia batizada de “Iyá Ni – A mãe é ouro”, reproduzindo a tradição yorubá que diz que as mães são seres de poderes divinos ou espirituais, sendo comparadas ao ouro que é o metal mais precioso na terra. Laryssa representou o ouro e Diego veio de falcão, símbolo da escola. Foi uma apresentação irregular, com pequenas falhas de sincronia ao longo das cabines, além de um bailado
excessivamente coreografado, sendo mais solto apenas no refrão principal, onde o casal mostrou uma boa evolução.
Enredo
O Arranco trouxe a história da força das mães desde a perspectiva da religião Iorubá, onde o sagrado está envolvido nas próprias comunidades onde cada um é inserido, alimentar os seus é alimentar a fé, daí a força do ato de ser mãe. O enredo foi estruturado em três momentos. O primeiro setor trazia a “Ancestralidade” com as mães africanas e os preceitos iorubás. O segundo setor foi a “pluraridade”, mostrando diversas referências de mulheres fortes pelo Brasil, como a festa de Nossa Senhora dos Navegantes e a Mãe baiana que cozinha feijoada para São Jorge.
O último setor fechou o desfile mostrando a “Diversidade”, entrando na contemporaneidade, como a luta pela sustentabilidade e a força das mulheres contra a violência e ataque aos corpos femininos. Annik foi feliz nos símbolos escolhidos para explicitar o enredo em suas alegorias e fantasias, com uma leitura fácil e clara. Apenas a
ala sobre o genocídio alimentar, falando dos alimentos processados pareceu um pouco deslocada no setor da diversidade, mas no conjunto foi um belo trabalho de desenvolvimento de enredo.
Alegorias
A agremiação trouxe três alegorias em seu desfile, bastante diversas em suas cores. O abre-alas “Curimba de Mulher” trouxe uma escultura de uma mãe do candomblé e alguns elementos do sincretismo afro-brasileiro. Uma alegoria com bom acabamento e resolvida com clareza. O segundo carro “Fé na Natureza: O Alimento vem da Terra” representava a mãe natureza, e veio sem maiores problemas de acabamento, embora tivesse uma execução mais simplória. A alegoria final “A Nova Mátria Nascerá” exaltou a força das mulheres com uma escultura na frente de uma mãe carregando seu filho no colo, e bandeiras de personalidades como Irmã Dulce, Elza Soares e Glória Maria. Uma alegoria bem resolvida que sintetizou bem a bonita mensagem trazida pelo Arranco.
Fantasias
O Arranco trouxe um conjunto de fantasias muito interessante e também de fácil leitura, como as alegorias. Algumas fantasias com ótimo jogo de cores como a ala 4 “Feijoada para São Jorge”. Como mensagem, destaque para a ala 19 “Quem disse que mulher é frágil? Protesto pela Nova Mátria” com uma resposta feita por entrelaçados de mensagem contra a violência à mulher.
Harmonia
A azul e branco mostrou um canto forte na maior parte de suas alas, com um canto linear durante toda a passada do samba, não apenas nos refrãos, embora o refrão principal tenha causado um ápice no desempenho dos componentes. O carro de som teve um desempenho espetacular, com mais uma grande apresentação de Thiago Acácio e Pamela Falcão
Samba-Enredo
O samba dos compositores Nego Vinny, Junior Fionda, Claudio Russo, Vando Cardoso, Gabriel Sorriso e Manolo passou muito bem pela Sapucaí, com um desempenho firme e tendo sua melodia realçada pela grande dupla de intérpretes da escola. Manteve a pegada do início ao fim do desfile, dando ótima sustentação para a passagem da agremiação. O refrão principal se mostrou envolvente, principalmente em seu início “É samba de Yaô , na curimba de mulher / quem não pode com mandinga, não carrega meu axé.”
Evolução
O Arranco avançou de forma lenta na avenida por conta da evolução de sua comissão de frente, e assim que a mesma saiu da pista de desfile a escola começou a acelerar o seu ritmo. Na parte final de sua apresentação, a escola apressou bastante para não estourar o tempo e conseguiu passar no limite dos 55 minutos. Como ponto positivo conseguiu manter a compactação de suas alas sem abertura de maiores espaços, componentes passaram bem alinhados.
Outros Destaques
A bateria de mestre Gilmar realizou algumas bossas, principalmente a do refrão principal com toque de atabaques que animou o público presente no Sambódromo.
A ala das baianas veio com uma bela fantasia representando Yemoja, orixá da religião Iorubá.