Há quase 40 anos trabalhando com arranjos para escolas de samba, pelo segundo ano consecutivo, Alceu Maia é o produtor musical do álbum de sambas-enredo das escolas do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Para a gravação das faixas do próximo carnaval, o desafio está sendo diferente. Desta vez, além do áudio, há também um cuidado com a parte visual. Além disso, no formato deste ano, a bateria, a harmonia musical e os cantores estão gravando ao mesmo tempo, como se fosse um ao vivo, tudo em uma grande sala da Cidade das Artes na Barra da Tijuca. Alceu é cavaquinista, violonista e compositor de música popular brasileira. O produtor do disco explica como a organização do projeto chegou à conclusão de que o local era o mais indicado e esclarece mais sobre o novo formato de gravação para o carnaval 2024.

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Fotos: Lucas Santos/CARNAVALESCO

“A gente chegou a Cidade das Artes, já procurando um local em que poderíamos ter um esquema para fazer um disco tipo ao vivo, com o espírito de uma bateria tocando ao mesmo tempo, que é diferente de um disco de estúdio, que tem coisas muito mais eficientes que o ao vivo, mas o ao vivo também tem coisas que o estúdio não tem. Para os cantores nós pedimos para cantar como se fosse ao vivo, então a gente está com o pessoal da Century (Estudio), que tem um equipamento fantástico, que possibilita que os cantores possam cantar claramente, mesmo com a bateria junto, tem essa coisa da emoção, cavaquinho, violão, todo mundo da bateria tocando junto. O coro é do carro de som da escola. Cada uma preparou o seu coro. A equipe de vídeo também é fantástica”, analisa o músico .

Desde 1985 produzindo arranjos para o disco de samba-enredo oficial da Liesa, o músico teve, mais de uma vez, a oportunidade de dirigir a produção e organização do álbum que é sempre muito aguardado pelo mundo do samba e por simpatizantes do gênero. Alceu lembra que o formato de 2024 não é totalmente inédito já que em edições anteriores, a gravação foi feita de forma similar na Cidade do Samba e no Teatro de Lona.

“Fizemos muitas reuniões, com o pessoal do vídeo, do áudio, da produção em geral. Antes de tudo, viemos aqui visitar para ver se suportava, então o fato de ser aqui na Cidade das Artes, é mais pela sala que a gente escolheu, que não fica aquela coisa enorme, é uma sala que possibilita um cenário bacana, uma iluminação ótima. Está muito bacana. É diferente, mas não é totalmente diferente. A gente já gravou esse tipo ao vivo no teatro de Lona que existia aqui perto na Ayrton Senna, não existe mais, também gravamos na Cidade do Samba e agora dessa vez aqui na Cidade das Artes. A experiência toda que a gente teve no teatro de Lona e na Cidade do Samba veio para cá. Só que hoje nós temos uma outra tecnologia, a gente tem essa parceria com o pessoal do vídeo, de cenário e de iluminação, feito tudo especialmente para esse projeto, para esse tipo de sala, esse tipo de sonoridade que estamos tirando está muito legal”, aponta o profissional.

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Equipe da produção do álbum do Rio Carnaval 2024

Outro ponto que foi discutido com as escolas do Grupo Especial e definido para esta gravação foi que as agremiações teriam autonomia para desenvolver os arranjos para as faixas oficiais, tendo a supervisão e auxílio da equipe de produção, colocando inclusive seus instrumentistas e carros de som para participar da gravação.

“Na realidade, quando a gente definiu que seria um projeto ao vivo, a gente entendeu que cada escola tem os seus instrumentistas para cavaquinho, violão, e a gente disponibilizou músicos profissionais, não que os das escolas não sejam profissionais, mas tem alguns que não são mesmo. Então, a gente disponibilizou o Jorge Cardoso e eu para fazer os arranjos, a gente já faz há muito tempo, eu faço há 40 anos, inclusive, para fazer para quem quisesse usar a gente. Mas todas as escolas já tem o seu carro de som. A gente conversou o seguinte, vocês façam os arranjos tranquilamente, e eu faço uma supervisão. Eles mandam o arranjo para mim e eu faço sugestões, não que seja certo ou errado, mas sugestões de 40 anos de experiência e isso tem sido muito bem aceito pelos diretores musicais, diretor do carro de som e o arranjador. As vezes são a mesma pessoa. Mas eu converso com eles todos. Como ao vivo são eles mesmo que tocam, vamos botar eles para tocarem e fazerem os arranjos. Dois deles até comentaram que faziam normalmente o arranjo baseado naquilo que a gente produzia para o disco. Óbvio, mudando algumas coisas para a Avenida. Então, existe essa interação. Alguns, então, pediram para fazer essa supervisão mais direta com eles, a gente trabalhou junto. É algo que existe na vida há milhões de anos. Mas, os arranjos são de alguém que a escola determinou”, esclarece Alceu Maia.

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Equipe da produção do álbum do Rio Carnaval 2024 com o cantor Wander Pires

Fiéis escudeiros de Alceu, Douglas Garrafinha, técnico de som, e Mario Jorge Bruno, na produção, estão por mais um ano participando da produção do disco ao lado de toda a equipe do Estúdio Century que faz a capitação de áudio e vídeo, e da Rio Carnaval. Mario Jorge apontou a diferença entre o trabalho na Cidade das Artes e as próprias gravações realizadas na Cidade do Samba e no Teatro de Lona.

“Essas gravações ao vivo, já na década de 1990, nós fazíamos lá no Teatro de Lona, foi um projeto pioneiro para as escolas de samba. Era montado um estúdio em uma tenda, colocavam-se cobertores para abafar o som e fazia-se tudo que o improviso permitia. E na Cidade das Artes, é outra estrutura, uma sala que já é acusticamente tratada, outra estrutura de equipamento, mesa digital, caixas de som menores e com mais qualidade, microfones melhores para captação. É importante o samba estar aqui, o samba não pode ser desvalorizado musicalmente e artisticamente, pois ele é muito importante para o Brasil. Essa garotada da bateria estuda, gosta de tocar, e o desenvolvimento disso é fabuloso. Nem todos estudam música, muitos são autodidatas, ouvem, se interessam, treinam, fazem as escolinhas e daí acontece essa renovação e oxigenação de ritmistas”, acredita Mário.

Em sua carreira, Alceu Maia já gravou com diversos artistas da música brasileira, no mundo do samba, os mais notórios, Martinho da Vila, Clara Nunes, Chico Buarque, Leci Brandão, Alcione, Cartola, Zeca Pagodinho, Nelson Cavaquinho, Jorge Aragão, entre outros. Conhecedor da programação da Cidade das Artes, até por morar próximo ao complexo cultural da prefeitura, Alceu celebra a presença das escolas de samba no espaço.

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Douglas Garrafinha, técnico de som

“Tem muito show de samba, pagode, tem teatro e o samba-enredo já esteve aqui. Eu já participei aqui de vários shows com uma mini bateria há muito tempo atrás e convidados. É uma coisa diferente, você não consegue fazer um ensaio completo de escola de samba em um local desses porque tem várias coisas acontecendo ao mesmo tempo. Acho que o samba-enredo já foi representado aqui, está sendo icônico ser gravado aqui no espaço, que teoricamente e historicamente, é reservado ao ballet, a música clássica, o ano inteiro com orquestra ensaiando aqui, e esporadicamente tem essa possibilidade de eventos maiores. Mas a ocupação do espaço é perfeita, tem tudo a ver, porque acho que a cultura mais carioca que tem é o samba, e o mais carioca do samba é o samba-enredo. A cultura do samba-enredo é a coisa mais carioca que existe, tanto que as escolas de samba de outros estados do Brasil se inspiram, não copiam, mas se inspiram nas escolas do Rio pois foi onde nasceu as escolas de samba”, conclui Alceu.

Terminada as gravações, o trabalho continua com a mixagem e masterização das faixas. A expectativa é que todos os 12 sambas sejam disponibilizados para o público até 02 de dezembro, Dia Nacional do Samba.