Por Guilherme Ayupp e Gabriella Souza

Os dados são alarmantes e assustadores. Segundo a Defensoria Pública do município do Rio de Janeiro, pelo menos 15 mil pessoas vivem na rua na capital fluminense. A cidade possui apenas 63 abrigos para atender esses cidadãos, o que corresponde a 15% de todo o contingente de pessoas em situação de rua. A crise econômica e social que assola o país torna cada vez mais importante ações de solidariedade como a promovida pelo projeto SAC, da rainha de bateria da Mangueira, Evelyn Bastos e o site CARNAVALESCO. Novamente, a parceria distribuiu muito mais que as 522 quentinhas a quem tem fome pelo centro do Rio, proporcionou também amor, carinho e solidariedade.

Em mais um ano de distribuição, o CARNAVALESCO convidou sambistas de diversas agremiações para sentirem o prazer de olhar para um semelhante e ver o seu sorriso de gratidão misturado com os olhos marejados de um sentimento que só quem está vivendo o momento é capaz de descrever. Marcaram presença o presidente e a rainha de bateria da Portela, Luis Carlos Magalhães e Bianca Monteiro, Evelyn Bastos, rainha de bateria da Mangueira, Dudu Botelho, do Salgueiro, Selminha Sorriso, porta-bandeira da Beija-Flor, Fabricio e Giovanna, casal da São Clemente, Diego Nicolau (Unidos de Padre Miguel), Marquinho Marino (Mocidade), o compositor Claudio Russo, entre outros.

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Sambistas na ação de Natal

Como acontece todo ano o grupo se reúne na quadra da Mangueira para uma confraternização e uma oração antes da distribuição. Evelyn Bastos falou do sentimento que mora em seu coração ao ajudar quem tanto necessita.

“Às vezes nós que temos todas as condições ficamos um período longo sem comer algo por algum motivo e sentimos uma dor. Sim, porque a fome dói. Dói no estômago e na alma. Imagine quem fica dois, três dias sem colocar nenhum alimento na boca. São pessoas que estão na rua não porque desejam, o destino as colocou ali e por isso elas estão maltratadas e por vezes criam uma casca que repelem até quem quer ajudar. Doar uma quentinha é um ato de solidariedade, mas doar o seu tempo, o seu coração é ainda mais importante”, disse a engajada sambista.

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Sambistas na ação de Natal

Quem presencia a aglomeração de pessoas na chegada das doações (além das quentinhas são doadas roupas, remédios, kits de higiene pessoal e calçados) compreende o quão grave são os números apresentados no início desta matéria. Na Praça Tiradentes, coração do centro do Rio, uma aglomeração enorme de pessoas em situação de rua pra receber as doações. Crianças que estão há dias sem comer nada, mas que ao ver as figuras que brilham na avenida abrem um sorriso estalado no rosto. Não sabem que na realidade estão doando muito mais que recebendo.

Milton Rodrigues, ex-Rei Momo do carnaval do Rio, conta que o projeto nasceu do desejo de criar uma ONG, juntamente com Evelyn Bastos, rainha de bateria da Mangueira. Em 2015 a ideia tomou forma e se concretizou com o projeto de entregar quentinhas a moradores de rua. Diz que uma das principais propostas é poder passar a lição do amor ao próximo, do doar e compartilhar.

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Sambistas na ação de Natal

“No começo juntamos um grupo de dez amigos, eram dez quentinhas e dez guaranás e a gente ia assim mesmo assim. Mas foi crescendo, as pessoas foram vendo e começaram a se juntar, hoje temos muitas pessoas que colaboram. Com esse reforço, hoje podemos proporcionar também roupas, kits de higiene, sapatos e brinquedos para as crianças. A gente não tem muita divulgação, até porque não é do nosso interesse, é mais mesmo por questão da ajuda ao próximo. O mundo está muito difícil, as pessoas estão um pouco doentes, falta muito amor, muito coração, muita gentileza”, conta Milton.

O que mais impressionou os organizadores foi o número de pessoas, mais do que anos anteriores. Como destaca Selminha Sorriso, porta-bandeira da Beija-Flor que já contribui com a ação há três anos. Nesta última decidiu levar inúmeras roupas, acessórios e calçados que não utiliza mais. Uma menina de dez anos se animou com os sapatos, colocou um salto nos pés com a ajuda da porta-bandeira e abriu um sorriso largo. Afeto e atenção são destacados por Selminha, que se emociona ao falar a ação e ressalta a esperança que deposita no futuro das pessoas que ajuda.

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Sambistas na ação de Natal

“Eu estou um tanto surpresa porque tem mais que o triplo de pessoas do ano passado. E aí a gente fica triste, mas não pode perder a fé. Seja em dias melhores, em Deus, nos nossos guias de luz e nos nossos dirigentes. Confiar que tudo vai melhorar,
principalmente para as crianças que são o futuro do nosso país. Cada um fazendo um pouquinho, fazendo a sua parte, nós podemos ajudar e muito a quem precisa. E quem recebe também precisa fazer a sua parte, para tentar melhorar de vida, aproveitar as oportunidades que vão surgindo, de estudo e emprego. Não se pode desperdiçar nada”.

A quantidade de meninas com crianças recém-nascidas ou de colo era expressiva. Seus rostos jovens carregavam uma responsabilidade imensa unida à dureza da rua. Carolaine, de 19 anos, contou de seu filho de dois anos, que cuida junto com sua mãe. “A gente fica pelas ruas, às vezes conseguimos dormir em um abrigo, mais pelo bebê mesmo. Mas não é fácil, não posso mais amamentar, dificulta tudo. Vou pegar essa quentinha para ele e ver se consigo guardar para pelo menos alguns dias”, desabafou Caroline, que pediu um abraço e agradeceu por ter parado para escutá-la.

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Sambistas na ação de Natal

Beatriz, outra menina, aparentava ter uns 18 anos. O que chamou atenção foi que amamentava duas crianças recém-nascidas, uma sua filha e a outra da amiga, que conheceu na rua. “Nos aproximamos na maternidade, já morávamos na rua, os bebês nasceram com dois dias de diferença. Não sai leite para ela, então eu que amamento os dois. É complicado, porque tem dia que nem eu consigo me alimentar, mas aqui é cada um ajuda o outro”.

Além das muitas crianças, expostas à tal realidade, notou-se também muitos idosos. Um deles, com semblante de desespero, disse: “olha menina, as crianças até conseguem comida do pessoal que passa na rua. Mas e eu? Ninguém alimenta um velho, eu estou morrendo, preciso dessa comida”.

Salgueiro doa 200 quentinhas

Dudu Botelho, compositor do Salgueiro, disse estar feliz em participar do projeto e que se sente gratificado e emocionado em poder representar uma escola que contribui com atitudes como essa. A agremiação fez a doação de 200 quentinhas para a colaborar na Ação.

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Sambistas na ação de Natal

“Olhar o rosto de satisfação desse pessoal ao fazer uma coisa que a gente faz habitualmente, que é comer, é impressionante que eles não tenham esse direito. Do Salgueiro, eu não esperava outra atitude, o presidente tem se mostrado uma pessoa sensível principalmente a esse tipo de atitude. Ele pensa exatamente assim, se eu tenho um pouco eu posso compartilhar. Essa união foi muito legal porque 200 quentinhas é uma quantidade expressiva, são 200 barrigas cheias”.

Bruno Valle é diretor do Paraíso do Tuiuti e diz que ter oportunidade de fazer o bem e ajudar o próximo é a atitude que os sambistas desejam passar para todas as pessoas e que a agremiação sempre estará apoiando atitudes como essa.

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Sambistas na ação de Natal

“Dar oportunidade, alimento, roupas, kit higiene para essas pessoas que vivem na mais profunda necessidade é uma grande oportunidade para nós como pessoas também. E falando pela Paraíso Tuiuti, a escola faz questão de estar sempre presente nessas ações e nós temos um compromisso de praticar o bem. Deixamos aqui uma mensagem de feliz Natal e de um grande 2020, que continuemos com ações como essa para que a corrente do bem seja propagada para todos do site, os leitores, os amantes do samba e pessoas envolvidas como o carnaval”.

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Sambistas na ação de Natal

Bianca Monteiro, porta-bandeira da Portela, também estava presente e destaca que o carnaval envolve milhares de pessoas que aprendem a fazer o bem e a união dentro de suas escolas. Que se todas doassem seu tempo, como muitas já fazem, seria uma
contribuição expressiva.

“É importante podermos mostrar para as pessoas que somos muito mais do que só festa, muito mais do que só os quatro dias. Dentro de cada instituição, aprendemos sobre amor e união. Se unirmos mais gente do samba, podemos ampliar essa ação e favorecer mais pessoas. Estar aqui é muito emocionante, fico até arrepiada em ver quantas pessoas precisam de um prato de comida, de uma água. Poder participar e contribuir com isso é muito bom”, disse Bianca.

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