Simplesmente… arrebatador! Não há outra palavra que descreva a largada do Vai-Vai em 2015. Penúltima a desfilar, por volta das 4h30 da manhã, a escola do Bixiga levantou o Anhembi, Sambódromo de São Paulo, de ponta a ponta. Cerca de trinta mil bandeirinhas estampadas com o pavilhão da escola eram agitadas de um lado a outro enquanto o canto de milhares de vozes ecoava o célebre refrão da música Maria Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant, e que brilhantemente fora introduzido no samba enredo da escola. O refrão traz em sua essência uma força que transcende as barreiras do tempo. Segundo especialistas, esse refrão seria baseado no canto de negros que foram escravizados. O resultado não poderia ser diferente: “fiz louvação em aquarela na passarela hoje tem arrastão”.
Tal feito trata-se do desfile campeão do Vai-Vai, em 2015, “Simplesmente Elis – a fábula de uma voz na transversal do tempo”, cujo enredo era uma belíssima homenagem a pimentinha do Brasil, mais conhecida como Elis Regina. Dona de uma voz marcante e de uma personalidade sem igual, a cantora homenageada abrilhantou o Anhembi. Sua biografia, que outrora foi destaque em filmes e musicais, desta vez é contada através de um grande amarrado de suas canções, como “Águas de março”, “Como nossos pais”, “Fascinação”, “Tatuagem”, “Romaria”, entre outros imortais sucessos.
Com uma narrativa simples, mas repleta de emoção e grandes significados, a vida da cantora ganhou forma na avenida através de fantasias de fácil leitura. Alas com elementos simples e que logo de cara despertava no expectador a música que estava contida naquela fantasia, como por exemplo, “Alô, alô marciano” que fazia parte de sua elaboração uma grande cabeça verde e com olhos enormes e roupas prateadas, típica imagem consolidada que temos de um alienígena, “Aquarela do Brasil” nas cores verde, amarelo e azul, “Tiro ao Álvaro” com um grande alvo na cabeça, entre outras.
Grandes personalidades da música brasileira também fizeram parte do desfile. No segundo carro, que representava os programas musicais da época, contou com uma escultura de Jair Rodrigues além da presença de seu filho, Jairzinho. Já no terceiro carro, intitulado “Amigos nos grandes palcos” esculturas de Cartola, Tom Jobim, Ivan Lins e Wilson Simonal compuseram a alegoria, além da presença dos filhos da cantora, Pedro Mariano e João Marcelo Bôscoli, da atriz Adriana Lessa e o do produtor musical e jornalista, Fernando Faro. Vale lembrar que a filha da cantora, Maria Rita, também desfilou pela escola e veio como integrante na comissão de frente.
O forte cunho político de Elis e seu posicionamento contrário a ditadura civil militar que imperava à época (1964-1985) não poderia deixar de ser retratado neste desfile, sendo representado em alas como “Falso brilhante”, “Faca amolada”, “Velha roupa colorida”. Além da quarta alegoria que também demarcava esse posicionamento, e que tinha como título “Meu Brasil brasileiro e guerreiro”. Na parte de baixo da alegoria havia esculturas de soldados representados em forma de marionetes e um canhão revestido nas cores do Brasil, e na parte superior fotografias de grandes artistas que desempenharam ao lado da cantora um papel fundamental nesses tempos tenebrosos: Rita Lee, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque e Betinho. E na parte mais alto do carro, uma grande escultura da homenageada.
O desfile foi assinado por uma comissão de carnaval, e que traz em sua composição um grande nome da festa popular brasileira: Alexandre Louzada, que, aliás, foi o único carnavalesco a conseguir o feito de levar o título de campeão em duas agremiações de forte peso em estados diferentes no ano de 2011. Em São Paulo, pelo Vai-Vai, com o enredo “A música venceu”, uma homenagem ao maestro João Carlos Martins, e no Rio de Janeiro pela Beija-Flor de Nilópolis, com um enredo também biográfico, cujo homenageado era ninguém menos que o rei Roberto Carlos.
Com um dos melhores sambas-enredo daquele ano mais um chão de escola forte, além de levar o público ao delírio, a escola conquistou os jurados e quase gabaritou em todos os quesitos. Entretanto, o quesito em que a escola foi mais despontuada (10 – 9.7 – 10 – 9.9) foi o mesmo que também fomentou um grande debate entre críticos e amantes do carnaval: alegoria. De fato, as alegorias não apresentavam uma certa unidade visual em sua construção – a exemplo do carro abre-alas, em que os três chassis acoplados não conversavam entre si. Algumas esculturas também não caíram no gosto do público e ainda hoje é motivo de burburinhos em rodas de conversas carnavalescas – como por exemplo, a da própria homenageada que teve seu rosto esculpido na quarta alegoria e que mais parecia um personagem da franquia de Star Trek.
Como diz a letra do samba, “Carnaval… A Bela Vista está em festa”, foi dessa forma que o Vai-Vai passou pela avenida, em festa e emocionando a todos. Em um evento promovido pelo OBCAR – Observatório de Carnaval da UFRJ, a convidada e também presidente da Mocidade Alegre, Solange Cruz, disse ter sentido um “arrepio” ao passar pela avenida enquanto a arquibancada na dispersão já cantava o refrão do samba “aê-âe-aa-ê” e o Vai-Vai dava a largada do desfile no início do sambódromo. Arrepio esse, imagino, que o público ali presente sentiu ao cantar e vivenciar os sucessos de Elis Regina.
Quem não se alegraria de pode ver novamente aqueles braços girando feito uma hélice desvairada? Certamente Elis fez parte desse desfile. E como costumo dizer entre os meus amigos, ela baixou na avenida e pode sentir mais uma vez a energia do seu público, que vibrava ao vê-la nos palcos.
Simplesmente, Elis!
Autor: Yuri Marcos – Bacharel em Ciências Sociais/Membro OBCAR-UFRJ
Orientador: João Gustavo Melo – Doutorando em Artes-UERJ – Pesquisador
OBCAR-UFRJ
Instagram: @obcar_ufrj