Cerca de seis quilômetros e meio ao sul do Autódromo de Interlagos, que recebia o festival The Town neste frio sábado (06 de setembro), centenas de sambistas se reuniam na quadra da Estrela do Terceiro Milênio, no Grajaú, Zona Sul de São Paulo, para a final da eliminatória de samba-enredo da agremiação. Para embalar o desfile de “Hoje a poesia vem ao nosso encontro: Paulo César Pinheiro, uma viagem pela vida e obra do poeta das canções”, assinado pelo carnavalesco Murilo Lobo e que será o quinto a se apresentar na segunda noite do Grupo Especial paulistano em 2026, a Coruja escolheu o Samba 99, composto por Rodrigo Shumacker, Thiago Meiners, Freddy Vianna, Pitty de Menezes, Claudio Mattos, Morganti Tubino, Ítalo Pires, Herval Neto, Beto Savanna, Wilson Mineiro e Anderson Lemos. Presente nos momentos mais decisivos para o ciclo de uma escola de samba até o momento do desfile, o CARNAVALESCO entrevistou uma série de nomes importantes para a agremiação do Extremo Sul paulistano rumo à apresentação de 2026.
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Percalços até o título
Normalmente tranquilos e felizes, os compositores campeões presentes na quadra da Estrela do Terceiro Milênio não esconderam que o caminho até a vitória teve momentos conturbados. Rodrigo Oliveira, popularmente conhecido como Shumaker, que também é diretor musical da instituição, foi quem fez a revelação: “Se eu disser que o processo de composição foi pacífico, eu não vou estar dizendo a verdade. Não foi aquela guerra toda, mas não foi tão pacífico assim. Quando nós nos organizamos, era um time muito maior. Ao longo do caminho, a gente foi conversando entre nós e certas opiniões divergentes apareciam. Todo processo de composição é assim, por sinal”, tranquilizou.
Freddy Vianna, compositor e intérprete, deu mais detalhes: “O processo iniciado, até montar direitinho a parceria, deu um trabalho. Tanto que alguns antigos companheiros que começaram com a gente se separaram e formaram uma nova parceria. A história começa daí”, relembrou.
Ponto-chave como ponto de partida
Na visão dos dois compositores entrevistados pela reportagem, uma das principais partes da canção foi encontrada quase que de imediato: “Do guia que colocamos no nosso grupo, a gente identificou um refrão com muito potencial – que é o do meio do samba vencedor. A gente não tinha quase nada: a cabeça tinha uma letra torta e uma melodia torta – foi o Freddy quem consertou a melodia, por sinal. Mas a gente tinha o refrão: eu mexi nesse refrão e o Freddy disse que eu estava maluco, que a gente não podia perder esse refrão”, afirmou Shumaker.
Citado pelo parceiro, o também intérprete assumiu a bronca: “Eu fui o chato da parada em relação ao refrão! Foi aí que começou a briga para a construção desse lindo samba. Mandaram a melodia do refrão do meio para a gente (que é a minha parte favorita do samba, por sinal) e eu disse que a gente não poderia perder essa parte. A gente podia fazer qualquer coisa: mudar a letra da cabeça, da primeira, da segunda… mas do refrão do meio não pode. Toda a construção do samba aconteceu a partir do refrão do meio, já que ele tem uma sutileza, tem algo diferenciado”, opinou.
Mais dúvidas antes da consagração
Shumaker destacou que, ao menos em outro momento, houve a chance de trilhar um novo caminho – mas a parceria seguiu acreditando no trecho tão decantado da canção: “A gente partiu desse refrão e fomos mostrando toda a construção para a diretoria, eles foram dando o norte para a gente ser mais assertivo em relação aos nossos caminhos. Quando chegou no refrão da cabeça, a gente viu que a melodia não voltava. Tivemos, então, um dilema: ou a gente sacrifica o refrão do meio e ia com a melodia em que estávamos seguros na cabeça ou a gente mantinha o refrão do meio e começava do zero o samba. Optamos pela segunda opção, e o Freddy foi fundamental nesse aspecto. Ele trouxe uma melodia inteirinha de cabeça!”, comemorou.
Modesto, o intérprete destacou que, após mais um momento em que era possível dar alguns passos para trás, tudo começou a caminhar até o resultado final: “Eu coloquei a melodia da cabeça do samba encaixando com o refrão do meio. A partir daí a gente percebeu que estávamos no caminho certo para todo o restante da composição. Todo mundo comprou a ideia e começou a fluir”, pontuou.
Outro trecho marcante
Se o refrão do meio tem o coração de Freddy Viana, há outro verso que também chama atenção de outros defensores da canção: “Eu adoro os refrãos, mas gosto ainda mais do ‘poeta, sim!’, essa parte me pega muito”, resume Shumaker.
Tuca Maia, outro intérprete que defendeu o Samba 99, foi na mesma linha: “O samba inteiro é maravilhoso e vou na onda do Shumaker: o “poeta, sim!’ é lindo, você entrega tudo para a escola. Foi uma honra e uma imensa satisfação defender esse samba lindo – que, com certeza, vai brigar pelo prêmio de melhor samba do carnaval de São Paulo”, vaticinou.
Eliminatórias disputadíssimas
Conforme a Estrela do Terceiro Milênio lançava os sambas que concorriam na disputa interna, muitos sambistas que acompanham o carnaval paulistano passaram a observar atentamente a competição por conta do alto nível das obras recebidas pela Coruja. Tal fato, é claro, trouxe muita felicidade para outros nomes ligados à escola.
Gilberto Rodrigues, o Giba, presidente da Estrela do Terceiro Milênio, foi um deles: “Vou ser bem sincero: tivemos grandes obras na nossa eliminatória, ao menos cinco sambas que, qualquer um que chegasse, nós iríamos para a avenida com um grande samba. Foi muito difícil. Mas nós tivemos que escolher um, e escolhemos uma obra fantástica. Vamos ver o que vem aí. Escolhemos a canção sempre pensando no melhor da Terceiro Milênio”, comentou.
Citando um verso do refrão principal da obra escolhida, Murilo Lobo, carnavalesco da Coruja, tratou de comemorar, também, a ótica de cada parceria em relação ao enredo: “O nível das eliminatórias foi alto, o nível da final foi altíssimo e o samba campeão é de excelente qualidade. A diferença entre cada um deles é a visão de cada compositor sobre a história que vai ser contada. Eu fico muito feliz que diversos times receberam essa tarefa, trouxeram para si a vontade de homenagear um outro grande compositor. Era um desafio, principalmente sendo um poeta da grandeza de Paulo César Pinheiro. Então, para mim, a poesia venceu”, comemorou.
Opinião do microfone
Sempre atuantes, a dupla de intérpretes da Estrela do Terceiro Milênio foi protagonista na noite. Os três finalistas tinham, ao menos, um dos dois cantores defendendo-os. Grazzi Brasil foi bem sincera ao falar sobre o sentimento que permeou a noite: “Eu achei sensacional o nível da final! São compositores maravilhosos e eu respeito demais cada um deles. Hoje o dia é inteiro do compositor, a gente vem falando de um compositor e, com ele, dá para a gente homenagear todos. Não nego que fiquei um pouco nervosa nessa final, o samba vencedor é excelente”, elogiou.
Já Darlan Alves citou nominalmente cada uma das parcerias: “Eu achei incrível o nível técnico da final, achei muito bacana – e olha que eu estou sempre nas finais, me jogo, achei bem bacana. O Shumaker é um grande compositor e veio junto com o Thiago Meiners, um supercampeão tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. O James, que não precisa nem falar, também são grandes campeões. E uma parceria nova, do Rapha Moreira, um grande irmão, junto até com um compadre aqui da minha parceira da Grazzi – que, na verdade, é afilhado do próprio Paulo César da Pinheiro. Três parcerias incríveis, três grandes sambas. A gente está muito feliz. Deram um show hoje aqui. Estou bastante feliz porque um desses três sambas vai abrir o caminho para um grande carnaval da Milênio. A gente está bem em torno dessa expectativa, estamos bem felizes com os três sambas”, finalizou.
Além da final
Desde o final da tarde, a Zona Sul de São Paulo era a capital cultural da América do Sul. Se grande parte das pessoas ia ao Autódromo de Interlagos assistir ao The Town vindo de regiões mais centrais da maior cidade sul-americana e de toda a Grande São Paulo, quem desembarcava duas estações depois na Linha 9-Esmeralda da CPTM estava pronto para horas de samba e momentos importantes da Estrela do Terceiro Milênio.
Após a Pegada da Coruja, bateria da agremiação comandada por mestre Vitor Velloso, esquentar, as ritmistas deram o tom com a Bateria Feminina. A agremiação também diplomou as lideranças formadas pela instituição, além de dar posse à nova formação do segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira da instituição: Lucas Souza segue, agora ao lado de Bruna Pregigueiro. Ambos, inclusive, já receberam o pavilhão de enredo relativo a 2026.
Um nome reconhecido Brasil afora também foi oficialmente apresentado: Sávia David tomou posse como nova rainha da Pegada da Coruja, formando a corte ao lado das princesas Geovanna Pyetra e Marcella Cavalcanti.
Arthur Santos e Waleska Gomes, primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da instituição, se apresentaram ao som de “Ô abre alas que elas vão passar”, samba-enredo de 2022 da Estrela do Terceiro Milênio. A comissão de frente, coreografada por Régis Santos, embalou a despedida do samba-enredo de 2025, “Muito além do Arco-Íris – Tire o Preconceito do caminho que nós vamos passar com o Amor”, segmento premiado pelo Estrela do Carnaval, organizado e concedido pelo CARNAVALESCO.
O samba-enredo de 2023, “Me dê sua tristeza que eu transformo em alegria! Um tributo à arte de fazer rir”, foi o pano de fundo de uma apresentação de composições da agremiação, enquanto “Muito Obrigado Axé”, de Carlinhos Brown, embalou a passagem da ala das baianas. Já as passistas e os malandros se apresentaram com “Amor de Matar”, originalmente gravada por Tânia Alves e eternizada pelo grupo Art Popular.